quinta-feira, 31 de outubro de 2013

BARRAGEM - UHEs no rio Uruguai " TRISTE REALIDADE'



Por: Coletivo Catarse

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A imprensa que ajuda a matar

Tudo indica que estamos diante de um segundo caso Amarildo. Na madrugada do dia 17 de outubro, um jovem de 18 anos chamado Paulo Roberto morreu na favela de Manguinhos, no Rio de Janeiro. A mãe e outros jovens que testemunharam o ocorrido acusam os policiais da UPP de tê-lo espancado até a morte. Avisada, a mãe correu para o local e conseguiu ver os dois últimos suspiros do filho, que já chegou morto à Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Exatamente como no caso Amarildo, não só os policiais acusados, mas o comando da UPP e a Polícia Militar, institucionalmente, negam.
Amparada no laudo inicial do Instituto Médico Legal (IML), que diz que as lesões encontradas no corpo de Paulo Roberto não foram a causa da morte do jovem, a corporação soltou imediatamente os PMs que haviam sido postos em prisão administrativa. Também exatamente igual ao caso Amarildo, a grande imprensa já se esforça para deslegitimar a denúncia da família e a revolta da comunidade. Só que desta vez, com um grande trunfo a seu favor: diferente de Amarildo, Paulo Roberto tinha várias passagens pela polícia, estava solto pela justiça, mas, como se sabe, embora não exista pena de morte neste país, faz parte do senso comum confirmado pela grande mídia todos os dias que “bandido bom” é “bandido morto”. Quando digo que “tudo indica”, me referindo à situação de Manguinhos, quero dizer que, para a imprensa, essa é a condição suficiente para se dar início a uma pauta jornalística.
Com exceção honrosa do jornal O Dia – que, aliás, tem se destacado por um sério jornalismo também na cobertura das manifestações – e do programa de Ricardo Boechat na Band News, tudo que vi na grande imprensa sobre o caso do jovem de Manguinhos foram montagens editoriais – inclusive com as técnicas mais simplistas – para enfraquecer a denúncia. No telejornal da Globo, por exemplo, primeiro foi apresentada a fala da mãe, denunciando, depois a da polícia, respondendo. Nesse formato clássico de edição de matéria, que todo jornalista conhece, não há tréplica e a história se conclui na defesa. Mas, para encerrar com chave de ouro, na volta das imagens o âncora termina de fato a matéria informando que o jovem tinha várias passagens pela polícia. Você que não conhece Paulo Roberto nem sua família, que só conhece favela pelas imagens de televisão e aprendeu a respirar mais aliviado em saber que “aquela gente” está “pacificada”, não terá dúvidas sobre o que pensar.
Maquiagem sensacionalista
Os dias seguintes, na cobertura em geral, foram ainda piores. Imagens da revolta da comunidade contra os policiais, apedrejando a sede da UPP e carros de polícia, tomaram conta dos jornais e telejornais, destacando um “vandalismo” preto e pobre que aterroriza o senso comum, nubla o fato (a notícia) original e naturaliza a repressão violenta.
Destaco também a chamada do G1, portal da Rede Globo, no dia 17 de outubro: “Exame diz que agressão não causou morte de jovem em Manguinhos, Rio”. O subtítulo é ainda mais preciso: “Laudo do IML indica que socos não motivaram morte de Paulo Roberto. Família acusa PMs da UPP de Manguinhos de espancar e matar jovem”. A notícia é a (não) causa da morte; as lesões (agressão, socos) não viram pauta. Parece uma anedota conhecida nos cursos de jornalismo, sobre um repórter que foi cobrir a estreia de um espetáculo de circo e voltou de mãos vazias dizendo que não teve matéria porque o circo pegou fogo. É uma pena que agora não tenha graça nenhuma.
Prevenidos da experiência recente, identifica-se, aqui e ali, um esforço de maquiar esse discurso pronto de naturalização. Um exemplo é a matéria, do mesmo G1, que traz, no título, uma frase da mãe do jovem morto: “Não é o primeiro filho que se enterra em Manguinhos”. A concessão, no entanto, limita-se ao título, já que a matéria não traz nenhuma apuração, nenhum dado, nenhum questionamento da polícia sobre a grave denúncia que o título apresenta. Maquiagem sensacionalista, mais uma vez.
“Sai da frente”
É a história que se repete. Aliás, é bom que não se esqueça que o início da cobertura midiática sobre o caso Amarildo não tinha nada das denúncias que hoje ajudam a vender jornais. Em texto publicado nesteObservatório, comento matéria do Globo em que o desaparecimento de Amarildo aparece como uma questão lateral, como o motivo alegado pelos moradores da Rocinha para fazerem uma passeata que causava transtornos no trânsito, esta, sim, a pauta do jornal. Muito diferente do apelo sensacionalista (e falsamente investigativo) das manchetes de hoje, a primeira frase da matéria daquela época, antes de o assassinato se tornar inegável pelos fatos, resumia a notícia que tinha importância: “Uma manifestação realizada ontem na autoestrada Lagoa-Barra por moradores da Rocinha parou o trânsito de bairros como Lagoa, Gávea e São Conrado, dificultando a volta para casa de quem mora na Barra da Tijuca e arredores”. Agora, com Paulo Roberto e Manguinhos, não é diferente.
No dia 19 de outubro, junto com cerca de 70 trabalhadores e estudantes da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição de ensino e pesquisa localizada em Manguinhos, fomos em passeata até a favela no momento em que ocorria o velório do jovem morto. Mas você não viu isso no noticiário. Na véspera, o presidente da Fiocruz, numa comitiva com integrantes ainda do sindicato da instituição e outros pesquisadores e diretores, foi à favela conversar com o comandante da UPP sobre o clima de terror que se instalou na região após uma manifestação organizada pelos moradores em protesto pela morte do rapaz e na qual uma jovem foi ferida na perna – com bala de verdade. Mas você também não viu isso no noticiário.
Uma equipe de reportagem do SBT já estava em Manguinhos quando chegamos. Mas eles não se interessaram muito pelas denúncias que diversas pessoas da comunidade faziam não só sobre a morte do jovem como sobre a prática de violência que, segundo eles, caracterizaria a política da UPP. Localizado em frente à sede da UPP, o repórter, eufórico, orientou o cinegrafista a registrar o momento – que não durou mais de cinco minutos – em que alguns poucos moradores, revoltados, chutaram e jogaram pedras no container da UPP. Um manifestante – que ele talvez não soubesse que era pesquisador da Fiocruz – se postou em frente à câmera com o cartaz que segurava e perguntou por que ele não mostrava aquilo, por que não se interessava pela reivindicação, por que só queria filmar o breve momento em que a população reagiu. A resposta? “Sai da frente, filho da puta”, seguida da afirmação de que ele não precisava que ninguém lhe ensinasse o seu trabalho. Não precisava mesmo: seu trabalho é mostrar imagens chocantes, sensacionalistas, descontextualizadas, que sirvam a uma narrativa irreal, mas reafirmadora do senso comum conservador e violento que legitima a matança de pobre nesta cidade todos os dias (e neste estado, e neste país). Claro que ele tinha que filmar também a reação, que era parte da notícia, mas, na forma e na narrativa, essa parte tem virado o todo.
Modelo de jornalismo e concepção de notícia
Mas é preciso entender que esse não é um fato isolado. Tal como a morte de Amarildo – e, se se confirmar a versão da família e da comunidade, também a de Paulo Roberto –, não pode ser atribuída apenas a policiais isolados, agentes do mal em meio a uma bela política do bem, esse comportamento jornalístico não é específico de um repórter sem ética ou incompetente. Visto no que traz de generalidade, esse episódio tem muita semelhança, por exemplo, com as discussões sobre a cobertura das manifestações que têm tomado as ruas do país.
Quando os defensores de plantão da grande imprensa justificam que as manchetes dos jornais sempre destaquem o quebra-quebra e não o envolvimento da população com o protesto; quando colocam a culpa do noticiário nos “vândalos” que, ao produzirem uma manifestação não-pacífica, forçam uma abordagem negativa da mídia, estão naturalizando uma concepção de notícia que, no limite, legitima comportamentos desonestos como o desse repórter do SBT. Por esse argumento, a revolta da população de Manguinhos, que se traduziu na agressão física a coisas – um contêiner e um carro – por parte de meia dúzia de moradores, equivale, como notícia, à morte e ao espancamento de um menino.
Como já assinalado, merece destaque a séria postura do jornal O Dia que, no dia 19 de outubro, por exemplo, deu uma página sobre o tema, com o título “PMs soltos, jovem enterrado”. Destaca-se a foto de um menino apedrejando o carro da polícia, porque é claro que isso também é notícia e não tem que ser escondido, mas a legenda vincula os fatos: “Viatura tem vidros quebrados por pedras num acesso ao Complexo de Manguinhos, ontem de tarde: moradores revelaram detalhes da morte”. E o texto sobre aquilo que os outros jornais trataram como vandalismo aparece num box, reduzido ao espaço e lugar que esse fato merece no contexto mais geral da notícia. O título do box: “Revolta antes e depois do sepultamento”.
Para que não fiquemos apenas na superfície de um denuncismo que individualiza os atos, é preciso discutir o que de palpável existe nesse processo, além do cinismo que alguns jornalistas da grande imprensa desenvolveram e os óbvios interesses empresariais das corporações de mídia. Para isso, é urgente que todos os movimentos sociais que hoje se mobilizam nas ruas – e não apenas aqueles diretamente ligados à democratização da comunicação – discutam o modelo de jornalismo e a concepção de notícia que, de tão naturalizada, nos faz não estranhar que cada fato noticiado na mídia se esgote nele mesmo. Isolando o fato – objetivo, neutro, aquele que deve falar por si -, a compreensão profissional de notícia cria obstáculos para associações e contextualizações que remetam a um mínimo de totalidade.
Acomodados nesse modelo, muitos jornalistas da grande imprensa aceitam o jogo da fragmentação sensacionalista – que, literalmente, se limita a causar sensação. As grandes empresas jornalísticas, confortavelmente acomodadas no lugar privilegiado de quem controla os principais canais de informação da população brasileira, mantêm seus interesses particulares promovendo essa concepção de notícia e de jornalismo como se se tratasse de uma definição técnica e profissional. E nós, jornalistas e leitores, aceitamos isso.
Opolicial gente boa
Vivemos de tal modo presos num modelo fragmentado de notícia que não é nenhum constrangimento para esses veículos de comunicação ficarem no meio do caminho da informação. Eles podem, exemplo, informar que durante a tortura do pedreiro da Rocinha os policiais perguntavam sobre as armas do tráfico sem concluir – informativamente – que isso obviamente configura uma prática de “interrogatório” a serviço dos objetivos anunciados da UPP e da política que eles representam – e não a manifestação de um ódio pessoal de dez policiais. Como descolar isso da própria política de segurança pública do Rio de Janeiro e dos seus grandes coordenadores, José Mariano Beltrame e Sergio Cabral? Para o jornalismo atual, é fácil, e o pior é que já nos acostumamos com ele.
No caso específico de Amarildo, seria “injusto” dizer que a associação da violência policial com a política mais ampla de segurança não apareceu em momento algum. No dia 5 de outubro, por exemplo, o Globopublicou matéria com o título “Beltrame: caso Amarildo não arranha imagem das UPPs”. A matéria se referia a uma fala do secretário de segurança do Rio de Janeiro durante evento numa escola pública. Conforme registra o texto, entre outras coisas menos comprometedoras, Beltrame defendeu que “o que nós temos hoje lá [na Rocinha] é muito melhor do que havia no passado” e que “a polícia atuou lá como atua em qualquer lugar da cidade. A morte de uma pessoa é muito difícil, mas antes a gente não conseguia entregar uma intimação lá dentro”. Não sei se entendi bem, mas parece que o secretário de segurança acha que ser torturado pela polícia é melhor do que ser torturado pelo traficante. E que as pessoas deveriam ficar felizes porque agora, além de serem torturadas e mortas, elas podem receber nas suas casas intimação da própria polícia. É uma pena que o jornalista do Globo que fez a matéria não fosse dado a ironias.
Como o tema aparece num evento cujo protagonista é o secretário, e não como uma pauta que questione a política de pacificação (mais universal) a partir de um fato particular, o jornal não precisou ouvir o tão famoso “outro lado”. Até, porque, convenhamos, nesse caso, é fácil acreditar que não existe um outro lado. Tendo como pano de fundo a naturalização de que para favelado só existe a escolha entre a arma do traficante e a arma da polícia, a população residente dessas comunidades ‘pacificadas’ – o outro lado esquecido – não é mais ouvida sobre a política que deveria beneficiá-la. Essa mesma população foi destaque nas páginas dos jornais quando se anunciou a instalação das primeiras UPPs, e havia uma forte expectativa em relação aos seus benefícios.
Hoje, um balanço que apurasse as denúncias de morte e violência e ouvisse – de verdade – moradores de diversos segmentos, diferentes faixas etárias, inclusive aqueles ligados a movimentos sociais locais, feito com a autonomia que a apuração jornalística deve ter e não a partir da indicação da própria polícia, talvez apontasse avaliações menos otimistas do que as belas fotos do policial gente boa jogando bola com as crianças da favela. Pelo menos foi isso que eu e todos os outros que estavam comigo ouvimos dos moradores de Manguinhos.
O atributo do embrutecimento
É curioso, por fim, notar que essa fragmentação sensacionalista da notícia tem sempre um lado: o da ordem. Teria causado bastante sensação também a imagem do rosto machucado de Paulo Roberto no velório ou do círculo de crianças, pobres e pretas, que rodeavam o caixão numa tristeza muda, quem sabe vendo o seu próprio destino projetado ali. Não vi essas imagens no noticiário. E, para falar a verdade, também não vi pessoalmente. Não tive coragem de entrar na sala onde o corpo estava sendo velado. E o fato é que, como jornalista, eu deveria me envergonhar disso.
Com esse relato facilito a vida dos defensores de plantão da grande imprensa, que podem apontar a parcialidade da minha crítica, vítima de um envolvimento emocional que não condiz com a objetividade necessária da profissão. Dou-lhes razão e confesso outros crimes: chorei ouvindo o depoimento da mãe do jovem morto; quis fugir correndo deste mundo quando ouvi os gritos de revolta do irmão de Paulo Roberto, que quebrou o pouco protocolo que havia com a sua indignação sentida; quando cheguei em casa, quis que meu filho não dormisse aquela noite. De fato, não estou preparada para o profissionalismo que essa grande imprensa requer. E ainda bem.
Em situações de injustiça e opressão, essa objetividade travestida de uma falsa imparcialidade, esse cinismo justificado pelo profissionalismo, é sinônimo de desonestidade e conivência. Meu consolo, como militante de uma outra comunicação e um outro modo de se produzir notícia, é que esse não é um pré-requisito para ser jornalista; é apenas o atributo necessário do embrutecimento, construído dia-a-dia, por um tipo específico de imprensa: uma imprensa que não pega em armas, mas que, no Brasil, ajuda a matar.
***
Cátia Guimarães é jornalista e doutoranda em Serviço Social
Observatório da imprensa

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Black Blocs: A origem da tática que causa polêmica na esquerda



“O balancê, balancê. Escute o que vou te dizer. Geraldo fascista, vai se foder e leva o Cabral com você.” (Cantado por manifestantes em São Paulo)
Black blocs, lições do passado, desafios do futuro
Por Bruno Fiuza*
Especial para o Viomundo
Uma das grandes novidades que as manifestações de junho de 2013 introduziram no panorama político brasileiro foi a dimensão e a popularidade que a tática black bloc ganhou no país.
Repito: dimensão e popularidade – pois, ao contrário do que muita gente pensa, esta não foi a primeira vez que grupos se organizaram desta forma no Brasil, e muito menos no mundo.
Aliás, uma das questões que mais saltam aos olhos no debate sobre os black blocs no Brasil é a impressionante falta de disposição dos críticos em se informar sobre essa tática militante que existe há mais de 30 anos.
É claro que ninguém que conhecia a história da tática black bloc quando ela começou a ganhar popularidade no Brasil esperava que os setores dominantes da sociedade nacional tivessem algum conhecimento sobre o assunto.
Surgida no seio de uma vertente alternativa da esquerda europeia no início da década de 1980, a tática black bloc permaneceu muito pouco conhecida fora do Velho Continente até o fim do século XX.
Foi só com a formação de um black bloc durante as manifestações contra a OMC em Seattle, em 1999, que as máscaras pretas ganharam as manchetes da imprensa mundial.
Natural, portanto, que muita gente ache que a tática tenha surgido com o chamado “movimento antiglobalização” e tenha se baseado, desde o início, na destruição dos símbolos do capitalismo.
O que realmente assusta é a ignorância e a falta de disposição de se informar sobre o assunto demonstradas por certos expoentes e segmentos da esquerda tradicional brasileira.
O desconhecimento e a falta de informação levaram grandes representantes do pensamento crítico brasileiro ao extremo de qualificar a tática black bloc de “fascista”.
Ao se expressarem nesses termos, esses grandes lutadores, que merecem todo o respeito pelas inúmeras contribuições que deram à organização da classe trabalhadora no Brasil ao longo de suas vidas, caíram na armadilha de reproduzir o discurso da classe dominante diante de toda forma de contestação da ordem vigente que não pode ser imediatamente enquadrada em categorias e rótulos familiares.
Ao não compreenderem a novidade do fenômeno tentaram enquadrá-lo à força em esquemas conhecidos.
Fetichização
Essa incompreensão aparece, de cara, na própria linguagem usada tanto pela mídia conservadora quanto por certos setores da esquerda tradicional para se referir à tática black bloc.
Em primeiro lugar, usam um artigo definido e letras maiúsculas para se referir ao objeto, como se “o Black Bloc” fosse uma organização estável, articulada a partir de algum obscuro comando central e que pressupusesse algum tipo de filiação permanente.
Ora, tratar um black bloc desta forma seria o mesmo que tratar uma greve, um piquete ou uma panfletagem como um movimento.
Talvez a melhor forma de começar a desfazer os mal-entendidos sobre os black blocs seja combater a fetichização do termo.
Como chegou ao Brasil por influência da experiência americana, essa tática manteve por aqui seu nome em inglês, mas não é preciso muito esforço para traduzir a expressão.
Por mais redundante e bobo que possa parecer, nunca é demais lembrar que um “black bloc” (assim, com artigo indefinido e em letras minúsculas) é um “bloco negro”, ou seja: um grupo de militantes que optam por se vestir de negro e cobrir o rosto com máscaras da mesma cor para evitar serem identificados e perseguidos pelas forças da repressão.
Fazer isso não significa se filiar a uma determinada organização ou movimento. Da mesma forma que operários que decidem fazer um piquete para impedir a entrada de outros trabalhadores em uma fábrica em greve não deixam de fazer parte de seus respectivos sindicatos para ingressar em uma misteriosa sociedade secreta.
Eles apenas optaram por uma determinada tática de luta. É exatamente o que fazem os militantes que decidem formar um bloco negro (leia-se, “black bloc”) durante uma manifestação.
Não há dúvida de que a opção pelo anonimato e a disposição para o enfrentamento com a polícia são peculiaridades que diferenciam profundamente o bloco negro de outras táticas, mas nem por isso a opção por esse tipo de ação dá margem para confundi-la com um movimento.
Aí entramos em um segundo ponto fundamental para a discussão da tática black bloc: seus métodos. De cara, é preciso esclarecer que os próprios métodos dos black blocs mudaram ao longo do tempo e por isso é fundamental conhecer o contexto histórico, político e social em que nasceu e se desenvolveu essa tática.
A origem
Os primeiros black blocs surgiram na então Alemanha Ocidental, no início dos anos 1980, no seio do movimento autonomista daquele país.
Como o movimento autonomista europeu é muito pouco conhecido no Brasil (para não dizer completamente desconhecido), quem quiser se informar melhor sobre o assunto pode recorrer a um ótimo livro sobre o tema escrito pelo militante e sociólogo americano George Katsiaficas: “The Subversion of Politics – European Autonomous Social Movements and the Decolonization of Everyday Life”, disponível para download no site do autor (http://www.eroseffect.com).
Surgido a partir da experiência da autonomia operária na Itália dos anos 1970, o autonomismo se espalhou pela Europa ao longo das décadas de 1970 e 1980.
Um dos países onde o movimento mais se desenvolveu foi na Alemanha. Fiel ao espírito revolucionário original do marxismo, mas renegando o fetiche pelo poder das burocracias sindicais e partidárias, o autonomismo se desenvolveu como um conjunto de experimentos sociais organizados por setores que optaram por se manter à margem do modo de vida dominante imposto pelo capitalismo e criar focos de sociabilidade alternativos no seio das próprias sociedades capitalistas, mas pautados por valores e práticas opostos aos dominantes.
Na Alemanha Ocidental, o movimento autonomista surgiu no fim dos anos 1970, quando grupos começaram a organizar ações diretas contra a construção de usinas nucleares no interior do país por meio da criação de acampamentos nos terrenos onde as centrais seriam erguidas.
O mais famoso deles foi a República Livre de Wendland, um acampamento criado em maio de 1980 na cidade de Gorleben, na região de Wendland, no norte da Alemanha, onde estava prevista a construção de uma usina nuclear.
Enquanto os acampamentos antinucleares surgiam no interior da Alemanha Ocidental, em grandes cidades, como Berlim e Hamburgo, grupos de jovens e excluídos começaram a ocupar imóveis vazios e transformá-los em moradias coletivas e centros sociais autônomos.
Assim nasceram os primeiros squats alemães, inspirados pela experiência de grupos que já faziam isso havia anos na Holanda e na Inglaterra.
A mobilização contra a construção de usinas nucleares no interior e as ocupações urbanas nas grandes cidades se tornaram os dois pilares do movimento autonomista alemão.
Para os envolvidos nesses processos, a criação de espaços autônomos era uma forma de questionamento da ordem capitalista na prática, por meio da criação, no interior da própria sociedade capitalista, de pequenas ilhas onde vigoravam relações sociais opostas às vigentes no entorno dominante.
Obviamente, quando acampamentos e squats começaram a proliferar pelo país, o governo da República Federal Alemã se deu conta de que era preciso cortar pela raiz aquela agitação social.
Em 1980, lançou uma grande ofensiva policial contra acampamentos antinucleares e squats em diferentes partes do país.
A República Livre de Wendland foi desarticulada em junho, e os squats de Berlim sofreram um violento ataque policial em dezembro.
Diante da ofensiva policial, os militantes alemães se organizaram para resistir à repressão e proteger seus espaços de autonomia. Desse esforço nasceu a tática black bloc.
Durante a manifestação de Primeiro de Maio de 1980, em Frankfurt, um grupo de militantes autonomistas desfilou com o corpo e o rosto cobertos de preto, usando capacetes e outros equipamentos de proteção para se defender dos ataques da polícia.
Por causa do visual do grupo, a imprensa alemã o batizou de “Schwarzer Block” (“Bloco Negro”, em alemão).
Desse momento em diante, a presença de blocos negros se tornou um elemento constante nas ações dos autonomistas alemães, e sua função original era a de servir de força de autodefesa contra os ataques policiais às ocupações e outros espaços autônomos.
Um relato em alemão sobre o surgimento dos black blocs pode ser encontrado no seguinte endereço: http://www.trend.infopartisan.net/trd0605/t370605.html.
O caminho para Seattle
Da Alemanha, a tática se difundiu pelo resto da Europa, e, no fim dos anos 1980, chegou aos Estados Unidos, onde o primeiro bloco negro foi organizado em 1988, para protestar contra os esquadrões da morte que o governo americano financiava em El Salvador.
Uma ótima fonte sobre a história dos black blocs nos Estados Unidos é o livro “The Black Bloc Papers”, editado por David Van Deusen e Xavier Massot e disponível para download em http://www.infoshop.org/amp/bgp/BlackBlockPapers2.pdf.
Ao longo dos anos 1990, outros black blocs se organizaram nos Estados Unidos, mas a tática permaneceu praticamente desconhecida do grande público até que um bloco negro se organizou para participar das manifestações contra a OMC em Seattle em novembro de 1999.
Graças à ação desse black bloc, a tática ganhou as páginas dos grandes jornais no mundo inteiro, principalmente porque, a partir de Seattle, os black blocs passaram a realizar ataques seletivos contra símbolos do capitalismo global.
A mudança se explica pelo contexto em que se formou o black bloc de Seattle. A década de 1990 foi a era de ouro das marcas globais, quando os logos das grandes empresas se transformaram na verdadeira língua franca da globalização.
Nesse contexto, o ataque a uma loja do McDonald’s ou da Gap tinha um efeito simbólico importante, de mostrar que aqueles ícones não eram tão poderosos e onipresentes assim, de que por trás da fachada divertida e amigável da publicidade corporativa havia um mundo de exploração e violência materializado naqueles logos.
Ou seja: o black bloc de Seattle inaugurou uma dimensão de violência simbólica que marcaria profundamente a tática a partir de então.
Daquele momento em diante, os black blocs, até então um instrumento basicamente de defesa contra a repressão policial, tornaram-se também uma forma de ataque – mas um ataque simbólico contra os significados ocultos por trás dos símbolos de um capitalismo que se pretendia universal, benevolente e todo-poderoso. Foi nesse contexto que a tática chegou ao Brasil.
Os primeiros black blocs no Brasil
Os acontecimentos de Seattle levaram grupos de militantes brasileiros a se articular em coletivos para construir no país o movimento de resistência mundial à globalização neoliberal. Assim surgiram os núcleos brasileiros da Ação Global dos Povos, uma rede de movimentos sociais surgida em 1998 que criou os Dias de Ação Global, articulações mundiais para organizar protestos simultâneos em várias partes do planeta contra as reuniões das instituições internacionais que sustentavam a globalização neoliberal.
O primeiro Dia de Ação Global que contou com ações no Brasil foi 26 de setembro de 2000, marcado contra a reunião do FMI em Praga. Neste dia, em São Paulo, um grupo de manifestantes atacou o prédio da Bovespa, o que gerou confronto entre policiais e ativistas. Na época, o incidente não ganhou destaque na imprensa e o termo “black bloc” não foi mencionado, mas a lógica da ação desses militantes, em sua maioria ligados ao movimento anarcopunk de São Paulo, seguia a lógica da tática black bloc.
O segundo Dia de Ação Global que contou com atos no Brasil foi 20 de abril de 2001. Em São Paulo, foi organizada uma manifestação na Avenida Paulista como parte dos protestos convocados em todo o mundo contra a Cúpula das Américas, reunião realizada na cidade de Quebec, no Canadá, na qual líderes dos países do continente discutiram a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Esta foi a primeira vez que uma manifestação contra a globalização neoliberal realizada no Brasil ganhou as manchetes da imprensa nacional.
Em São Paulo, um grupo entre os manifestantes adotou a mesma tática do black bloc de Seattle, em 1999, e atacou símbolos capitalistas na Avenida Paulista, como uma loja do McDonald´s. Mais uma vez, a imprensa nacional não fez referência ao termo “black bloc”, mas a tática utilizada na Paulista foi claramente a dos blocos negros. O curioso é que a mesma edição de 21 de abril de 2001 da Folha de São Paulo que noticia o protesto na Paulista traz uma matéria do enviado do jornal ao Canadá sobre o “bloco de preto” que atuou em Quebec.
O debate sobre a violência
Mas se nessa época a imprensa brasileira não usava o termo “black bloc” na cobertura dos protestos no país, ele já era bem conhecido da mídia internacional, principalmente da europeia e da norte-americana.
E ganhou ainda mais projeção durante as manifestações contra a reunião do G8 realizada em Gênova, na Itália, em julho de 2001.
O Dia de Ação Global marcado para 20 de julho de 2001 foi a maior mobilização do gênero até então e nesse dia as ruas de Gênova foram tomadas por mais de 300 mil pessoas, entre as quais marchou o maior black bloc organizado até então.
O grau de confronto com a polícia atingiu um novo patamar e um jovem italiano que fazia parte daquele black bloc, chamado Carlo Giuliani, foi morto pela repressão com um tiro na cabeça.
Gênova marcou um divisor de águas para a tática black bloc e para o chamado “movimento antiglobalização” como um todo.
Assim como acontece hoje no Brasil, o debate sobre o uso da violência nas manifestações – mesmo que apenas contra lojas e outros objetos inanimados – criou uma divisão entre ativistas “violentos” e “pacíficos” que contribuiu muito para a desmobilização do movimento como um todo dali para frente.
A semelhança do debate sobre o black bloc na época e agora é impressionante.
Quem quiser conhecer um pouco das discussões e das respostas de adeptos da tática black bloc na época pode encontrar uma boa seleção de textos de ativistas reunidos na coletânea “Urgência das ruas – Black block, Reclaim the Streets e os Dias de Ação Global”, organizada por um anônimo que se identifica como Ned Ludd (referência a um dos líderes do Movimento Ludita na Inglaterra do século XIX) e publicada no Brasil pela editora Conrad.
Com o fim dos grandes protestos contra a globalização neoliberal, o debate sobre os black blocs saiu das manchetes da grande imprensa internacional e brasileira.
A tática continuaria a ser adotada em manifestações na Europa e nos Estados Unidos nos anos seguintes, e militantes libertários no Brasil certamente sabiam muito bem o que eram os black blocs, mas o tema nunca repercutiu fora dos meios militantes.
E assim foi até que começaram as manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô convocadas pelo Movimento Passe Livre em junho de 2013.
As manifestações de junho
Assim como os black blocs, o MPL estava longe de ser uma novidade no Brasil, mas, pela primeira vez, ambos começaram a ganhar um protagonismo inédito conforme as manifestações cresciam.
Até o dia 13 de junho, aquela era uma mobilização muito parecida com as que o MPL vinha organizando desde 2004.
Era um movimento restrito a um núcleo militante que reunia ativistas do próprio MPL, integrantes de partidos e coletivos libertários – alguns dos quais formaram black blocs durante os atos.
A violência policial contra a marcha do dia 13 de junho em São Paulo, no entanto, mudou tudo.
Os ataques contra jornalistas e jovens da classe média e da elite indignaram uma parcela da população normalmente avessa à militância política.
O choque diante da brutalidade da PM de São Paulo e a simpatia por uma causa que se tornou quase uma unanimidade – barrar o aumento das tarifas do transporte público na cidade – “levaram o Facebook para a rua”, para usar a feliz expressão que o jornalista Leonardo Sakamoto usou para definir a marcha de 17 de junho.
De repente, centenas de milhares de brasileiros se deram conta de que podiam, de alguma forma, usar as ruas para expressar sua insatisfação com algum aspecto da política brasileira.
Em um desses raros momentos da história nacional, o cidadão comum percebeu que a política não é propriedade privada dos políticos profissionais, e se deu conta de que ela se faz no dia a dia, na rua, em vários lugares. De vez em quando, até no Congresso.
As manifestações de 17 de junho abriram a caixa de Pandora, e gente de absolutamente todas as tendências políticas foi para a rua. Por um breve momento, a elite mais reacionária marchou ao lado do militante mais revolucionário. Mas em algum momento a contradição teria de aparecer.
As contradições de junho
A partir de agora, minhas observações se restringem ao que aconteceu na cidade de São Paulo, pois foi o único lugar onde acompanhei as manifestações in loco, e não acho que os movimentos nas várias partes do Brasil possam ser analisados sob uma única perspectiva.
Em cada cidade ou região teve especificidades que não sou capaz de avaliar.
Quem esteve na Paulista no dia 18 de junho já podia farejar, de certa forma, o que aconteceria no dia 20.
Aquilo era a Revolução Francesa. As reivindicações mais contraditórias conviviam nos cartazes empunhados por grupos sociais muito diferentes entre si, muitos deles antagônicos.
O pessoal das bandeiras verde-amarelas e dos slogans moralistas era claramente uma elite que tinha pouco ou nada a ver com os anarquistas e trotskistas que circulavam com palavras de ordem anticapitalistas.
A direita, a extrema-direita e a extrema-esquerda já estavam ali. Faltava a esquerda moderada, dos partidos no poder. E, quando ela apareceu, a bomba-relógio explodiu.
Pode-se acusar o PT de muitas coisas por ter convocado sua militância a ir para a Paulista no dia 20 de junho, mas uma coisa é certa: aqueles militantes tinham todo o direito de estar lá.
O problema é: vai explicar isso para a elite raivosa que, estimulada pelas mobilizações, passou a expor em praça pública seu ódio pelo PT…
Olhando em retrospecto, o ataque fascista aos militantes partidários no dia 20 de junho parece um desdobramento natural do que vinha acontecendo: com a revogação do aumento das tarifas, a única bandeira que unificava aquela multidão de opostos deixou de existir.
Sem o elemento unificador, apareceram as profundas contradições que já existiam entre os inúmeros grupos que saíram às ruas.
A elite queria a cabeça do governo do PT, a extrema-esquerda queria a revolução social, e, espremida entre os dois extremos, sobrou para a esquerda moderada o papel de defender o status quo, sobrou para a esquerda moderada a posição conservadora – no mais literal sentido da palavra.
Os meses seguintes só vieram confirmar a tendência que apareceu pela primeira vez no 20 de junho em São Paulo.
A grande mobilização que prometia unificar todos os setores da esquerda para responder ao ataque fascista virou um ato dominado pelas centrais sindicais e seus militantes profissionais, no dia 11 de julho, que foi incapaz de atrair o cidadão comum que saíra às ruas em junho.
As convocatórias da direita contra a corrupção se tornaram pequenos atos isolados, dissipando o medo de alguns militantes da esquerda de que as manifestações de junho pudessem abrir caminho para uma escalada fascista.
Por fim, a extrema-esquerda se deu conta de que o mar humano que saiu às ruas em junho não era tão anticapitalista assim, e passou a organizar também seus atos isolados.
Essas três tendências ficaram claras nas manifestações do 7 de setembro em São Paulo.
Pela manhã, marcharam os movimentos sociais ligados à esquerda moderada, que, em sua maioria, continuam defendendo o governo do PT.
À tarde, duas convocatórias distintas dividiram o vão livre do Masp: de um lado, um grupo formado pela elite de direita e extrema-direita, que era, supostamente, contra todos os partidos, mas que destilava seu ódio de classe contra o PT; do outro, um black bloc que também se dizia contra todos os partidos, mas que mirava prioritariamente no governo Alckmin, do PSDB.
Os black blocs no Brasil de hoje
Isso nos traz de volta ao nosso tema central: os black blocs.
Aqui é preciso abrir um pequeno parêntese para falar do Rio de Janeiro, pois este foi o único lugar em que os protestos de fato continuaram com força depois da revogação do aumento das passagens.
Acontece que, além da tarifa, lá havia outra bandeira que unificava o movimento: a oposição ao governador Sérgio Cabral.
E talvez seja por isso mesmo que lá os black blocs tenham se tornado mais fortes e atuado de forma mais coerente.
Vale lembrar que o movimento contra Sérgio Cabral girou em torno de uma ocupação urbana – o acampamento montado em frente à residência do governador – e, não por acaso, os black blocs cariocas desempenharam um importante papel de autodefesa do movimento contra a repressão policial.
Ou seja: justamente no momento em que caiu na boca do povo no Brasil, a tática black bloc estava voltando às origens, atuando como uma organização popular de defesa dos movimentos sociais.
Na minha opinião, a situação no Rio ajuda a explicar porque em São Paulo os black blocs nunca chegaram a contar com o apoio que tiveram na capital fluminense.
Em São Paulo, a partir do fim de julho os black blocs se formaram como uma força isolada, inicialmente em solidariedade aos cariocas, e depois lançando uma campanha contra o governador paulista, Geraldo Alckmin.
Ao se voltar contra Alckmin, os black blocs paulistas poderiam se articular com a esquerda moderada, por terem um inimigo comum, mas a incompreensão mútua impossibilitou a aproximação.
E aqui chegamos ao x da questão: a desconfiança mútua entre duas culturas militantes distintas, mas que compartilham muitos objetivos, está acabando com as possibilidades de aproveitar a incrível energia social gerada pelas manifestações de junho para construir novos espaços de debate e mobilização que poderiam abrir perspectivas inéditas de ação política no Brasil.
Não se trata aqui de querer apagar as diferenças entre a cultura de militância partidária – baseada na hierarquia, na centralização e na estabilidade – e a cultura libertária que está na base da tática black bloc – horizontal, descentralizada e instável – mas de propor que, apesar de suas diferenças, estes dois setores podem trabalhar juntos em prol de causas que os unem.
Por uma assembleia das ruas
O ponto de partida para essa aproximação é o diálogo aberto entre as partes, reconhecendo as diferenças e os equívocos de parte a parte, mas buscando achar formas de cooperação que respeitem as especificidades de cada um.
Os momentos em que os black blocs foram mais fortes foram justamente aqueles em que atuaram no seio de movimentos mais amplos, que englobavam grupos com táticas muito diferentes, todos lutando por causas comuns.
E esta é, na minha opinião, uma das fraquezas dos black blocs hoje (pelo menos em São Paulo): uma certa fetichização da tática, tomando a formação de blocos negros como um fim em si mesmo.
Olhando para a história dos black blocs, me parece que os melhores momentos dessa tática foram quando ela serviu de instrumento para um movimento mais amplo.
E esses momentos foram marcados por avaliações de que tipo de ações serviam mais aos fins buscados.
Por exemplo: a condenação, a priori, da destruição de propriedade privada corporativa me parece absurda por parte de qualquer um que sonhe com uma sociedade mais igualitária.
No entanto, cabe questionar, sim, se essa tática é a mais acertada em um determinado momento da luta.
O ataque contra símbolos das grandes corporações globais promovido pelo black bloc de Seattle fazia todo sentido no seio de um grande movimento que desafiava, justamente, o poder dessas grandes corporações.
Mas será que o simples ataque a agências bancárias e concessionárias de carros de luxo faz sentido em mobilizações que não passam de algumas centenas de pessoas sem uma bandeira clara, em uma São Paulo cuja população tende a repudiar esse tipo de ação? Para que serve essa ação?
Os black blocs têm força social suficiente para sustentar uma mobilização sem buscar apoio de outros setores? Na minha opinião, a resposta para todas essas perguntas, hoje, é “não”.
Por outro lado, as organizações tradicionais da esquerda, como partidos e sindicatos, claramente não estão conseguindo se sintonizar com as pessoas que saíram às ruas em junho justamente por insistirem em restringir suas mobilizações aos seus próprios quadros, olhando com desconfiança para qualquer um que não seja filiado a uma organização formal.
Ao fazerem isso, reproduzem no nível da rua a mesma lógica de quem está no poder: a ideia de que a política é um assunto para iniciados e especialistas, da qual só podem participar aqueles devidamente credenciados por organizações estabelecidas, sejam elas partidos, sindicatos ou movimentos sociais.
Ora, foi justamente isso que levou as pessoas às ruas em junho: a revolta contra o distanciamento entre aqueles que formulam a política e aqueles que apenas sofrem suas consequências.
Os gritos histéricos de “sem partido” podiam ter uma conotação fascista em alguns casos, mas eles também expressavam esse mal-estar profundo de uma política que se vê como cada vez mais autônoma do resto da população.
O grito de junho foi, acima de tudo, um grito contra o autismo da política institucional no Brasil – e nesse autismo se incluem absolutamente todos os partidos com alguma representação parlamentar (com exceção, talvez, do PSOL, cujos militantes estavam nas ruas desde o começo).
Foi um grito contra o abismo que existe entre a política institucional e o cidadão comum, criado por políticos profissionais (de todos os partidos) que colocam o jogo da politicagem acima da defesa de bandeiras concretas de interesse da população.
Nesse sentido, mesmo o combate à corrupção, que em geral tem um viés claramente conservador, se torna parte de uma crítica mais ampla a um sistema representativo que, cada vez mais, é ditado apenas pelos interesses dos representantes, e não dos representados.
Ao insistir em mobilizações restritas aos iniciados, as organizações tradicionais da esquerda reproduzem a barreira que afasta o cidadão comum da política, e por isso são hostilizadas por aqueles que se sentem excluídos da política.
Os black blocs, por outro lado, oferecem justamente o contrário: a possibilidade de qualquer cidadão participar da mobilização política sem necessidade de filiação prévia.
Enquanto partidos e sindicatos são vistos como uma porta fechada para os não iniciados, os black blocs são vistos como uma porta aberta para a política.
Disso decorre, em grande parte, a atração que vem exercendo sobre muitos jovens que estão saindo às ruas pela primeira vez na vida.
Muitas vezes essa distinção leva alguns a se apegarem a um fetiche que opõe “velhas” e “novas” formas de organização, como se fossem irreconciliáveis.
A pergunta mais importante hoje, na minha opinião, é: seria possível romper com essa visão binária e criar espaços onde as diferentes lógicas pudessem dialogar?
Acredito sinceramente que sim. Até porque isso já aconteceu no passado.
Em Gênova, por exemplo, o black bloc optou por marchar ao lado dos Comitês de Base (Cobas) dos sindicatos italianos; na Alemanha, os black blocs muitas vezes marcharam ao lado dos sindicados no Primeiro de Maio; e, aqui mesmo no Brasil, lembro perfeitamente de militantes do PSTU que participavam das reuniões da Ação Global dos Povos para a organização dos atos em São Paulo.
Ou seja: o que nos falta são espaços de articulação que abram espaço para o diálogo entre culturas militantes distintas, mas que compartilham certos objetivos.
O que nos falta é um fórum de lutas, uma assembleia das ruas.
Um espaço assim, que não fosse controlado por nenhuma organização, mas que estivesse aberto aos militantes de qualquer organização e a quem não é filiado a nenhuma delas, poderia servir de convite à participação dos não iniciados e agregar a experiência dos iniciados, abrindo a possibilidade de diminuir a desconfiança mútua e abrir caminho para uma cooperação entre grupos que adotam táticas distintas, mas que podem ser complementares.
Outra condição fundamental para que um espaço assim pudesse florescer é que não se pautasse pela lógica eleitoral.
Uma das razões do desgaste da política institucional no Brasil (e em várias outras partes do mundo) é a necessidade de reduzir todas as discussões ao calendário eleitoral.
Uma verdadeira assembleia das ruas seria um espaço de discussão e formulação de um projeto popular para a cidade, para o estado e para o país, que articulasse seus integrantes em torno de bandeiras comuns, mas que não se colocasse a serviço de campanhas eleitorais de A,B ou C.
Um espaço que pudesse se tornar um poder constituinte da multidão, definindo o que o povo quer do seu governo. Caberia ao governo de turno, a partir daí, lidar com essas demandas.
Os zapatistas, no México, já nos forneceram um modelo desse tipo de organização ao lançarem, em 2006, sua “Outra campanha”, uma mobilização nacional que pretendia ir além do calendário eleitoral e formular um verdadeiro projeto popular independente das ambições dos partidos da ordem.
É claro que em um espaço como esse a participação de militantes partidários e sindicais seria mais do que bem vinda, mas sempre como indivíduos, e não como representantes de suas organizações, o que exigiria daqueles mais acostumados com as formas tradicionais de militância um esforço para abrir mão da ambição de ditar a linha política a ser seguida por todos os participantes dessa articulação.
Por outro lado, exigiria dos adeptos da tática black bloc um esforço para coordenar suas ações com as dos demais grupos, muitas vezes se abstendo de realizar ataques ao patrimônio público e privado quando esse tipo de ação puder comprometer outros grupos que adotam táticas distintas.
Acredito, sinceramente, que a criação de um espaço plural como este poderia diminuir o fosso entre a “velha” e a “nova” esquerda e abrir novas e estimulantes perspectivas para a luta popular no Brasil.
Mas, para isso, seria preciso um exercício de compreensão mútua que fosse além dos preconceitos e buscasse aprender a respeitar a diferença e a diversidade, vendo nela não uma fraqueza, mas uma força do movimento.
*Bruno Fiuza é jornalista, historiador e mestrando em História Econômica na Universidade de São Paulo
Fonte:VIOMUNDO

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Sérgio Lessa: Quem é o vândalo?

Quem é o vândalo?
Tome uma sociedade na qual duas em cada 20 pessoas ficam com mais riqueza do que as restantes 18. Faça com que, dessas 18 pessoas, pelo menos 12 ou 13 vivam em favelas ou bairros e moradias muito piores do que os canis dos cachorros das 2 pessoas que ficam com toda a riqueza. Faça com que, dessas 18 pessoas, 16 tenham que enfrentar enormes filas de ônibus, metrôs e/ou que gastem quase metade das horas que trabalham no trânsito. Enquanto os filhos daqueles dois cidadãos têm as melhores escolas, quase sempre no exterior, os filhos de 4 das 18 pessoas tenham que pagar muito caro por uma educação privada e ruim; os filhos das 14 pessoas restantes são deixados para as escolas públicas, pouco mais do que depósito de crianças e adolescentes para que os pais e mães possam trabalhar. Quando chegarem à velhice ou ficarem doentes, faça com que 16 das 18 pessoas desejassem um atendimento médico semelhante aos dos animais de estimação das pessoas mais ricas e transforme a doença em enorme fonte de lucro para as pessoas que já ficam com mais da metade da riqueza.
Organize a economia do país de tal modo que 60% da força de trabalho sejam deslocadas para o trabalho informal, isto é, faça com que a maior parte das pessoas em idade de trabalhar não saibam de onde virá o sustento do próximo mês, vivendo literalmente da mão para a boca graças a pequenos bicos, empregos temporários ou pequenos furtos e malandragens. Organize a economia de tal modo que esta parcela da população tenha certeza de que as coisas ficarão piores no futuro do que já são hoje. Construa enormes shoppings centers que expõem todas as maravilhas que farão a falsa felicidade de não mais do que 4 ou 5 das 20 pessoas; construa lojas de carro, móveis e roupas de luxo que exibem o quanto os patrões desperdiçam da gigantesca fortuna que amealham todos os dias. Uma vez por ano, faça festas populares que em alguns poucos dias queimam centenas de milhões de reais (como o Carnaval carioca) apenas para enriquecer os donos do turismo, organize Olimpíadas, Copas e mais Copas de futebol, promova a sangria do dinheiro público, pela corrupção e não apenas pela corrupção, para engrossar a conta daqueles 2 cidadãos que já ficam com mais da metade da riqueza.
Caso seja um país com enormes riquezas naturais, terras ainda não ocupadas, reservas minerais ainda a serem exploradas e muito desemprego no campo, nada de promover uma agricultura que forneça alimentos saudáveis e gere emprego. Pelo contrário, destrua tudo: a água, o solo, a floresta, os animais, os peixes; persiga os indígenas e camponeses que moram no interior do país; adote toda tecnologia que fará os ricos ainda mais ricos e os pobres ainda mais pobres. Chegue ao absurdo de deixar plantar apenas as sementes cujos frutos são estéreis, para obrigar uma nova compra de sementes no plantio seguinte.
Construa muros entre os ricos e os pobres; coloque guardas armados nos muros contra os pobres e faça com que a polícia, dia sim e dia sim, massacre, amedronte, torture, brutalize, viole, escrache, achincalhe, chantageie e exiba indescritível arrogância contra os "de baixo". Gaste tudo o que for preciso para comprar armas, instrumentos de tortura, bombas e mais bombas para os
policiais "manterem o país sob controle (deles)" – e force a todos, dia sim e dia sim, a assistir na televisão como só é pobre quem é vadio, preguiçoso ou bandido.
Junte a tudo isso, um Estado corrupto, com políticos bandidos e salafrários, que não se cansam de roubar a todos e mesmo entre si. Cuja única ética é se locupletarem a todo o custo. Que não possuem limites no seu cinismo e na arte de embuste e que conhecem apenas um senhor, aqueles 2 cidadãos que fica com mais da metade de riqueza.
Faça tudo isso e, não se surpreenda caso, um dia em que a polícia não tem força para reprimir a todos porque as manifestações tomaram as ruas, alguns desses mais explorados vierem a se rebelar com uma guerra aberta à guerra encoberta que os 2 cidadãos que ficam com a riqueza lhes move de modo encoberto. Que quebrem as propriedades que lhe são negadas, que saqueiem o que o mercado lhes nega, que desrespeitem o direito à propriedade dos 2 cidadãos mais ricos. Também não se surpreendam se estes dois cidadãos mais ricos, que nunca vacilaram em organizar a violência cotidiana para se garantirem, agora assustados e amedrontados, vão à televisão dizer que os protestos são justos, mas dentro da ordem e da paz.
Ordem? Para quem? Para os 2 cidadãos continuarem com a maior parte da riqueza?
Paz? A polícia está a se desarmar? Os 2 cidadãos estão desarmando suas seguranças privadas, abrindo mão de seus carros blindados? Ou estão investindo ainda mais em armas e munições?
Por todos os lados, ordem é apenas outra palavra para defesa dos privilégios da burguesia contra os trabalhadores; paz apenas é pedida quando a burguesia corre o risco de perder o confronto.
Quem é, então, o vândalo?

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Sob Vinte Centavos



Sob Vinte Centavos retrata de forma crítica as manifestações ocorridas em junho de 2013 em São Paulo que culminaram com a revogação do aumento de vinte centavos da tarifa de ônibus. O  documentário conta com entrevistas de diversos manifestantes, membros do Movimento Passe Livre (MPL), Lúcio Gregori (ex-secretário de transportes de São Paulo), Marilena Chauí (filósofa e professora da USP), Marcelo Feller (jurista), e diversas outras pessoas.  Disponível na íntegra com legendas em inglês e espanhol, Sob Vinte Centavos foi produzido de maneira totalmente independente por Gustavo Canzian e Marco Guasti, membros do Movimento Urbano de Diálogo Audiovisual (MUDA).
Por: Marx21

domingo, 8 de setembro de 2013

A revolução dos mascarados !


 Deixe um comentário
20130908-180745.jpg
Como a o uso das máscaras está na ordem-dia , a nossa seção emancipacionismo publica dois artigos sobre um dos mais importantes movimentos revolucionários das tempos atuais : o do Movimento Zapatista , do sudoeste do México que tem como a liderança mais conhecida um mascarado , o Subcomandante Marcos, que tornou-se o porta-voz deste Movimento singular , que rompeu com a imagem clássica dos movimentos revolucionários do século XX.
Talvez por isto, tem sido este Movimento objeto inúmeras pesquisas em todo o mundo, onde seus aspectos de modernidade merecem destaque, como por exemplo o trabalho dos professores Alexander Hilsenbeck Filho e Fátima Cabral (Depto. Ciências Sociais/Unesp) que na sua introdução nos dizem:
“Numa conjuntura em que se apresentava a “vitória incontestável” do capitalismo democrático, em sua versão neoliberal, o EZLN se caracteriza mais como um antípoda das clássicas guerrilhas marxistas dos anos 1960 e 70 que a América Latina conheceu, do que com um movimento composto por “resquícios de um passado”, que utiliza práticas em “vias de extinção”.
Com um poder de autocrítica, poucas vezes visto em movimentos do tipo, questiona diversos dogmas e referências do marxismo e inova em suas formas de atuação e objetivos, como sua interpretação da questão do poder, ou melhor, de sua recusa ao poder “Estadocêntrico” como lócus privilegiado da modificação social; sua relação com a “sociedade civil”, considerando-a como interlocutor privilegiado, capaz de intervir, inclusive, nas práticas e táticas do zapatismo; a utilização dos modernos avanços nos meios de comunicação para realizar um “conflito comunicativo e midiático” que os possibilita transporem sua localização geográfica e atuarem em âmbito local, nacional e internacional; sua crítica ao modelo de democracia parlamentar burguesa, e sua alternativa em um modelo de democracia, levado a cabo nos municípios autônomos e rebeldes sob seu controle, em que mescla elementos da democracia representativa e democracia direta, sintetizada no lema de “mandar obedecendo” em que a comunidade seja o principal ator e protagonista social”
O primeiro artigo, publicado na “Carta Maior” , “o retorno do zapatismo no México” , de Eduardo Febbro, nos trás a temática do zapatismo nos novos tempos do México, com a conquistada do poder pelo PRI. Um interessante artigo na nova realidade mexicana onde ascendeu um novo ator social, o narcotráfico .
Já o segundo artigo, colhido no Olho da História, é mais antigo, de 1996. Porém, pelo autor, o professorAntonio García de Leónpor ter sido um dos consultores do Exercito Zapatista nas negociações que levaram ao acordo de paz, torna-se muito relevante para aqueles que desejam conhecer melhor a origem dos conflitos . Boa Leitura, então …
Arlindenor Pedro
20130908-180929.jpg
O retorno do zapatismo no México
Após um período de poucas intervenções, o subcomandante Marcos reapareceu com seu verbo e com ação para reinstalar o movimento zapatista no horizonte da agenda política do recém- eleito presidente Enrique Peña Nieto, cuja vitória marcou o retorno do Partido Revolucionário Institucional (PRI) ao poder. Em uma marcha realizada dia 21 de dezembro, da qual participaram cerca de 40 mil pessoas, Marcos divulgou um comunicado dizendo: “Escutaram? É o som de seu mundo desmoronando, é o do nosso ressurgindo”. O artigo é de Eduardo
Cidade do México – Dezembro é o mês dos levantes. Ao término de um largo período de poucas intervenções, o subcomandante Marcos reapareceu com sua prosa e com a ação para instalar o movimento zapatista no horizonte da agenda política do recém- eleito presidente Enrique Peña Nieto, cuja vitória marcou o retorno do Partido Revolucionário Institucional (PRI) ao poder, após 12 anos na oposição.
Já se passaram cerca de duas décadas desde que, logo após a meia noite de 31 de dezembro de 1993, o então presidente mexicano Carlos Salinas de Gortari ingressou no ano de 1994 com um brinde aguado: estava festejando o ano novo e a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio da América do Norte quando o ministro da Defesa da época o informou que um grupo armado acabava de tomar a localidade de San Cristóbal de las Casas e vários pontos de Chiapas, o Estado situado ao sul da península de Yucatã.
O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) impôs-se na política mexicana junto a seu líder, o subcomandante Marcos. O subcomandante e os zapatistas romperam o modelo dos tradicionais grupos revolucionários latino-americanos: eram majoritariamente indígenas e seu discurso e suas demandas estavam distantes das entonações marxistas, desenhando uma exigência democrática para um México que ainda era governador ininterruptamente pelo PRI. Os combates daquele primeiro levante duraram quase duas semanas ao final das quais houve centenas de mortos. Salinas de Gortari decretou um cessar-fogo e o subcomandante Marcos ganhou a batalha, não com as armas, mas sim com as palavras.
Em um inesquecível comunicado dirigido à imprensa, Marcos respondeu ao suposto “perdão” oferecido pelo governo federal: Do que devemos pedir perdão? Do que vão nos perdoar? De não morrermos de fome? De não nos calarmos em nossa miséria? De não ter aceitado humildemente a gigantesca carga histórica de desprezo e abandono? De termos nos levantado em armas quando encontramos todos os outros caminhos fechados? De não termos observado o Código Penal de Chiapas, o mais absurdo e repressivo do qual se tem memória? De ter demonstrado ao resto do país e ao mundo inteiro que a dignidade humana ainda vive e está presente em seus habitantes mais empobrecidos? De termos nos preparado bem e de forma consciente antes de iniciar? De ter levado fuzis para o combate, no lugar de arcos e flechas. De ter aprendido a lutar antes de fazê-lo? De todos sermos mexicanos? De sermos majoritariamente indígenas? De chamar todo o povo mexicano a lutar de todas as formas possíveis em defesa do que lhes pertence? De lutar pela liberdade, democracia e justiça? De não seguir os padrões das guerrilhas anteriores? De não nos rendermos? De não nos vendermos? De não nos trairmos?
Denso, legítimo, inapagável. Transcorreram quase vinte anos, houve muitos mortos em Chiapas, repressão, matanças como as Acteal (com 45 indígenas assassinados), centenas de páginas da prosa literária com a qual o subcomandante Marcos seduziu o mundo, um enorme terremoto político no México e, sobretudo, o fim do mandato interrompido do PRI e a chegada ao poder de outra força política, o conservador Partido da Ação Nacional (PAN), que governou o México durante dois mandatos consecutivos: Vicente Fox (2000-2006) e Felipe Calderón (2006-2012).
O PRI retornou ao poder em dezembro de 2012, após seu candidato, Enrique Peña Nieto, ganhar as eleições presidenciais de julho do ano passado. E com o PRI voltou também o zapatismo, com a ação e a palavra. Após um longo período de recesso, o Exército Zapatista de Libertação Nacional irrompeu no espaço público em dois tempos: primeiro, no dia 21 de dezembro com uma mobilização silenciosa da qual participaram 40 mil pessoas com o rosto coberto com o gorro popularizado pelo subcomandante. Marcos divulgou um comunicado nesta marcha zapatista que percorreu várias comunidades dizendo: Escutaram? É o som de seu mundo desmoronando, e o do nosso ressurgindo. A marcha do dia 21 foi a maior mobilização protagonizada pelos zapatistas desde que pegaram em armas no dia 1º de janeiro de 1994.
A escolha da data não foi casual: coincidiu com o décimo-quinto aniversário do massacre de Acteal perpetrado por paramilitares e no qual morreram 45 indígenas, em sua grande maioria mulheres e crianças. O governo mexicano atribuiu à matança a um conflito étnico e condenou 20 indígenas. Após 11 anos de prisão, os acusados recuperaram a liberdade devido a irregularidades no processo.
O segundo tempo da instalação do zapatismo na agenda política foi assumido pelo subcomandante Marcos mediante duas cartas e um copioso comunicado nos quais, com sua verve habitual, entre crítico, poético e guerreiro, interpela e despedaça a classe política em seu conjunto, esquerda e direita, os meios de comunicação e o presidente Enrique Peña Nieto, a quem exige que cumpra com os acordos de San Andrés (Acordos de San Andrés sobre Direitos e Cultura Indígena firmados em 16 de fevereiro de 1996 pelo governo mexicano do presidente Ernesto Zedillo e pelo EZLN).
Estes textos que figuram nas cartas do Comitê Clandestino Revolucionário Indígena são os primeiros em extensão que, nos últimos dois anos, levam a assinatura do subcomandante Marcos. O líder mexicano anuncia uma série de ações cívicas e, desde o princípio, assinala o caminho que será seguido: “A nossa mensagem não é de resignação, não é de guerra, morte ou destruição. Nossa mensagem é de luta e de resistência”.
O subcomandante arremete contra o atual presidente, acusando-o de ter chegado ao poder mediante um “golpe midiático” e destaca que “estamos aqui presentes para que eles saibam que se eles nunca se forem, nós tampouco”. O insurgente zapatista não livrou ninguém: critica a esquerda de Manuel López Obrador, os governos passados e presentes e a imprensa por ter pretendido sentenciar a desaparição do zapatismo. “Nos atacaram militar, política, social e ideologicamente. Os grandes meios de comunicação tentaram fazer com que desaparecêssemos, com a calúnia servir e oportunista em um primeiro momento, com o silêncio e cumplicidade, depois”.
Marcos celebra o nível de vida que gozam os indígenas da região, muito superior, escreve, “ao das comunidades indígenas simpáticas aos governos de plantão, que recebem as esmolas e as gastam em álcool e artigos inúteis. Nossas casas melhoraram sem danificar a natureza, impondo a ela caminhos que lhe são alheios. Em nossas comunidades, a terra que antes era usada para engordar o gado de latifundiários, agora é para cultivar o milho, o feijão e as verduras que iluminam nossas mesas”.
Este comunicado constitui um aparato crítico e um programa de ação que compreende “iniciativas de caráter civil e pacífico”, uma tentativa de “construir as pontes necessárias na direção dos movimentos sociais que surgiram e surgirão”, e, sobretudo, a preservação irredutível de uma “distância crítica frente à classe política mexicana”. O subcomandante Marcos coloca o governo ante o desafio de demonstrar “se continua a estratégia desonesta de seu antecessor, que além de corrupto e mentiroso, tomou dinheiro do povo de Chiapas para o enriquecimento próprio e de seus cúmplices”. Sem piedade ante o novo Executivo, Marcos dedica extensos parágrafos a lembrar o passado de alguns membros do atual governo.
Com o PRI no poder o zapatismo voltou a ocupar espaço na agenda nacional como soube fazer com tanto êxito em anos anteriores. Os analistas, partidários e adversários de Marcos, estão divididos acerca da capacidade que o subcomandante ainda possui para mobilizar um país açoitado pela violência gerada por esse novo ator decisivo que é o narcotráfico.
20130908-181233.jpg
Depoimento de Antonio García de León
Atualmente, sou um dos assessores do Exército Zapatista nas negociações de Salandres, que estão sendo realizadas entre este e o governo da República. Trata-se de uma negociação difícil porque o modelo econômico imperante no México não permite, facilmente, a participação popular e camponesa nos assuntos do Estado. Temos, nesse momento, a vigência de um modelo econômico neoliberal que se estabeleceu fortemente, sobretudo a partir dos anos 80, por meio das reformas econômicas levadas a cabo por Salinas e Gortari. Tal modelo não é compatível com a grande mobilização popular que se iniciou no México a partir de 1988. Neste ano, realizou-se uma grande ruptura do modelo político, quando um setor do partido dominante (do Estado) rompeu com o modelo e implantou um movimento de esquerda, ao redor de uma figura chamada Qualtemo Cárdenas, filho do general Cárdenas que foi presidente do México no período populista dos anos 30. Sem dúvida, esse movimento conseguiu romper, em 1988, através das eleições, o modelo imperante, não conseguindo, todavia, se impor sobre o mesmo. Uma grande fraude eleitoral “cibernética e informatizada” fez com que o velho partido de Estado continuasse ainda no poder no México, o que se verifica até os dias atuais. Ao longo de boa parte do século XX, desenvolveu-se, no México, um sistema de partido único que domina a política mexicana desde o período posterior à revolução de 1920.
Em 1994, surge uma rebelião armada no sul de Chiapas, um estado caracterizado pelo fato de possuir uma população, em sua maioria, formada de camponeses e por ser uma região pobre e predominantemente agrária e, portanto, muito sujeita às flutuações do mercado internacional, como ocorre, por exemplo, com a cultura do café. Estas são características muito importantes de Chiapas que ajudam a compreender o processo de luta armada.
É importante lembrar também que, não obstante tenha havido no México uma reforma agrária após a revolução, essa reforma, no caso de Chiapas, não pôde ser levada a cabo, visto que as oligarquias agrárias fizeram uma aliança com o governo revolucionário central para evitá-la. Esta também foi uma das causas que acabaram por gerar um conflito de longa duração nessa região, pelo menos nos últimos cinqüenta anos, entre os camponeses sem-terra e os grandes proprietários de gado, plantadores de café, de milho e de outros produtos como a soja e o algodão. Têm ocorrido enfrentamentos permanentes. Grande parte do movimento camponês está também muito marcado pelos movimentos indígenas de manutenção de identidade própria. A presença de índios na região é grande, tratando-se, em sua maioria, de descendentes maias que falam entre quatro e seis línguas diferentes e que fazem questão de se comunicar entre eles em sua língua, tendo, atualmente, inclusive estações de rádio em língua indígena.
O movimento zapatista surge dentro desse contexto, a partir de 1983, e começa a organizar, no interior do movimento dos camponeses sem-terra, um exército popular. Os camponeses colonizaram a selva Lacandona e aí formaram novas entidades políticas muito desenvolvidas, com uma grande dose de politização e com uma avançada unidade horizontal, englobando todos os grupos indígenas e camponeses. Os pobres da região se organizaram de uma maneira muito eficiente. Isso provocou a reação dos grandes fazendeiros que organizaram, então, uma repressão violenta contra esse movimento, empregando forças armadas próprias — as “Guardas Brancas”, grupos de pistoleiros a serviço dos fazendeiros —, da polícia, ou mesmo do Exército.
Esse movimento de invasão e apropriação de terras (algumas federais e outras privadas) desenvolvido pela população humilde teve início em 1974. Ele se inspira na imagem do velho Emiliano Zapata, caudilho da revolução mexicana de 1910, que se torna símbolo dessa luta. Zapata é, sem sombra de dúvida, um símbolo da resistência popular. Mas seu movimento também é retomado de forma crítica, no sentido de se esclarecer os motivos que levaram a sua derrota. Afirma-se que a derrota do movimento de Zapata se deveu ao fato de que se tratava de um movimento de cunho regional. Portanto, agora, é preciso se construir um movimento nacional que seja forte para se impor. Mas mesmo essas críticas não eliminam o fato de Zapata, hoje, ser um símbolo popular, um mito religioso, ou, por que não, um orixá.
Os camponeses, a partir dos anos 70, começam também a adquirir armas para defenderem-se, mesmo que isoladamente, dos grandes proprietários das terras. O Exército Zapatista é fundado, quando, numa segunda ocasião, um grupo marxista de guerrilha urbana se integra a esta luta. Seu objetivo inicial era, em 1974, formar uma guerrilha foquista, uma guerrilha guevarista na região. Porém, esta tentativa foi totalmente aniquilada pelo Exército em 1974. Em 1983, ocorre uma nova tentativa que, desta vez, sai vitoriosa. Esta vitória, em certo sentido, se dá em conseqüência da fusão de guerrilheiros urbanos (um pequeno grupo de militantes marxistas urbanos, entre eles Marcos) com o movimento indígena e camponês, engendrando uma luta com perspectivas novas, no interior de um movimento mais eclético e mais heterodoxo.
O movimento indígena foi fundado, principalmente, em torno da questão da identidade de grupos maias que, ao longo dos séculos, vêm sofrendo discriminações e uma marginalização na sociedade. Sem dúvida, a maior parte da força de trabalho agrária é composta de camponeses índios. Mas, em geral, não se reconhece aos índios este aporte na economia. Pelo contrário, eles vêm sendo expulsos da terra e discriminados lingüistica e culturalmente. O governo central não reconhece a diversidade étnica no México. E isso abre espaço para o surgimento de um movimento popular de cunho étnico muito atuante, chamado Movimento pela Autonomia, que inclui 56 grupos indígenas que estão lutando pela sua autonomia sem desejar, com isso, uma ruptura com a unidade da nação. Eles reivindicam o reconhecimento de sua autonomia cultural, a exemplo do modelo espanhol, em que se reconhece a língua e a educação de povos distintos. Há também uma população de origem africana nas costas do Pacífico, chamada de afro-mestiça, que cultua sua própria identidade. E esse movimento também está buscando uma autonomia regional ao lado dos movimentos indígenas. Foi firmada uma aliança, por intermédio do Foro Nacional Indígena, na qual se organizam todos esses grupos. Há também uma população de origem asiática que desembarcou no território mexicano no período colonial em função da dominação das Filipinas (colônia espanhola, cuja capital era o México).
É importante lembrar que Chiapas tem uma longa tradição de resistência, de grandes sublevações populares (indígenas e não-indígenas) no passado. Chiapas também contou com a presença de escravos africanos durante o período colonial, na região do Pacífico. Estes dois grupos fizeram parte das estruturas coloniais desta parte do sul do México. Tratava-se de uma estrutura colonial muito similar à da Guatemala, visto que Chiapas pertencia à América Central (Capitania Geral da Guatemala) e não à parte mexicana colonial. Desta forma, pode-se afirmar que, em certo sentido, Chiapas tem uma vocação centro-americana. O espanhol falado em Chiapas é o centro-americano e não o mexicano. Mas, durante o processo de independência, o estado foi integrado à nação mexicana.
O movimento de Chiapas, atualmente, converteu-se numa espécie de detonador de um movimento nacional que é, por um lado, um movimento dos camponeses e, por outro, dos marginalizados urbanos, mas também de amplos setores da sociedade civil mexicana, como partidos e organizações que buscam a democratização do país. Pode-se afirmar que o movimento zapatista é um movimento detonador de uma transição rumo à democracia. E essa transição passa também por uma busca das identidades regionais, envolvendo os diferentes grupos sociais no México. Todos esses grupos, de alguma forma, colocam-se contra o modelo neoliberal imperante na economia mexicana, modelo este que vem tentando privatizar a totalidade das terras, a saúde, a seguridade social, o ensino — as universidades nacionais, por exemplo, têm-se tornado cada vez mais pobres.
Existe também no México uma tradição muito forte do movimento estudantil. Em 1968, os estudantes participaram de um movimento que foi brutalmente reprimido, como ocorreu, por exemplo, no massacre de quatrocentos estudantes na Praça de Lateloco, durante uma manifestação pacífica.
Atualmente, existe uma tentativa de se solucionar alguns dos problemas envolvidos no conflito por meio da negociação. Os zapatistas, todavia, não esperam muito dessa negociação porque acreditam que o governo não quer ceder e que ele se opõe, compreensivelmente, à transformação do sistema. Há grandes interesses econômicos, além dos meramente políticos, que impedem a transformação e a transição para a democracia. O sistema político se corrompeu muito fortemente. O narcotráfico tem penetrado no governo de forma assustadora. E a grande corrupção chegou, inclusive, à Presidência da República: o presidente Salinas é acusado, agora, de haver roubado milhões de dólares dos cofres do Estado. Para se ter idéia da grandeza da corrupção, basta se citar que apenas uma das contas bancárias de Salinas na Suíça possui oitenta milhões de dólares que são produto do roubo direto e de mecanismos de corrupção do aparelho de Estado. A divulgação dessas notícias tem debilitado muito a posição do governo que não se encontra em seu melhor momento, estando severamente questionado pela corrupção e pelo narcotráfico.
Por outro lado, há também uma presença muito marcante, no México, do grande capital e do modelo financeiro internacionais, cujos defensores advogam a idéia de um modelo de transição à democracia concebido de maneira particular. Quer dizer, todos no México entendem que o México necessita de um processo de transição para a democracia. Só que o grande capital internacional deseja uma transição light, ou seja, uma transição na qual o poder se alterne de mãos, mas não de classes, tomando como exemplo a política dos EUA (entre republicanos e democratas). No México, esta dar-se-ia entre o PRI e o PAN.
Todavia, mesmo esta alternativa defendida pela direita não consegue se impor nacionalmente, visto que, atualmente, o PRI ainda mantém o controle de tudo em matéria de política: o controle das campanhas e o controle da mídia (em especial, a televisiva), por exemplo. Há, no entanto, alguns estados da República onde o PRI tem sido vencido pela oposição de direita. Há, por exemplo, alguns governadores do PAM, sobretudo no norte do país; mas as diretrizes do PAM não diferem muito das do PRI. É um partido de direita, conservador e que mantém a mesmas práticas do PRI, inclusive agora também ligado à corrupção do Estado.
Há também em gestação um grande movimento popular e de esquerda, agrupado em partidos de esquerda com reconhecimento, como o PRD (Partido da Revolução Democrática ou partido cardenista, devido à liderança de Cárdenas). É um partido popular, de bases amplas, que tem ganhado força no país. Mas trata-se de um partido muito dividido. Atualmente, o PRD agrupa muitas correntes políticas, anteriormente trotskistas, maoístas, comunistas, etc. O PC se fundiu totalmente e não existe mais. Há outros partidos de esquerda, como o PT que é controlado pelo PRI. Há outros partidos mais populistas, cuja direção também é controlada. Há um setor da direção do PRD que é muito próximo do governo. Mas a sua base social é, em geral, simpatizante do zapatismo. No mês de junho, foi realizada uma aliança em que se estabeleceu uma ampla frente de oposição, com a participação de todos esses partidos de esquerda e de suas bases e dos zapatistas, promovida pelo Exército Zapatista. Alguns partidos troskistas também estão aliados com o EZLN. Somente um setor burocrático da esquerda — a direita do PRD e parte da liderança do PT — coloca-se ao lado do governo.
O movimento zapatista pretende se converter numa importante força política, mas não numa força eleitoral, visto que considera que esse sistema está totalmente corrompido e que se tem que criar uma alternativa nova. Vislumbra uma organização da sociedade civil realizada a partir das bases e uma transformação das relações políticas. O movimento zapatista também concebe o poder de maneira diferente da dos partidos. Para os zapatistas, o poder não é um coisa que se toma, e pronto. Mas sim uma relação social que tem que transformar o modelo imperante, modificando as relações de poder, como fizeram as comunidades indígenas e camponesas que organizaram o EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) de uma maneira democrática, com ampla participação das bases. O EZLN é um paradoxo: é um movimento armado e militar que, apesar disto, possui uma estrutura democrática no seu interior. Mas isto, militarmente, o faz débil e frágil. Atualmente, o EZLN está dividido. Trata-se de uma organização político-militar na qual a política se coloca acima do militar. Um exemplo disto está no fato dos militares da EZLN não fazerem parte da sua direção. Esta não é militar, mas política, formada por um conselho de dirigentes indígenas que controla o movimento. É este conselho, chamado Comitê Clandestino Revolucionário Indígena, que agora está negociando com o governo. Existe também a equipe de assessores das negociações (da qual faço parte, formada por especialistas em questões agrárias, econômicas, de saúde, sociais, especialistas universitários, dirigentes políticos e populares e líderes indígenas de outras regiões) e uma Comissão de Intermediação, formada pelo bispo de Chiapas, por Pablo Gonzalez Casanova e por outros intelectuais. Esta assessoria também tem o objetivo de traduzir, durante as negociações, muitos conceitos e palavras algumas vezes complicadas, utilizadas pelo governo como forma de dominação lingüística sobre os índios e rebeldes. Quanto ao bispo de Chiapas, trata-se de um religioso progressista, muito ligado à Teologia da Libertação, que, atualmente, vem sendo severamente atacado pelo governo, que vem afirmando ser ele o supremo comandante do movimento; e pela imprensa, que o descreve como louco, comunista, etc.
Essa negociação é realizada com uma comissão de concórdia e pacificação, formada por deputados de todos os partidos no Congresso.
Mas, sem dúvida, os índios rebeldes nos têm ensinado muito mais do que nós a eles. Eles detêm um conhecimento muito valioso nos aspectos da dominação, em função da sua própria história de vida, por mais que nós, especialistas e acadêmicos, tenhamos estudado em Paris.
O movimento zapatista não é somente um movimento armado, mas, principalmente, um movimento com força moral que luta pela dignidade e pelo reconhecimento dos valores próprios. Muitas pessoas, atualmente, vêem nesse movimento um futuro possível, a possibilidade de romper o modelo neoliberal. Nesta semana, os zapatistas estão realizando um encontro intercontinental pela humanidade e contra o neoliberalismo. Enquanto falamos aqui, em Chiapas, neste momento, falam convidados, intelectuais e dirigentes populares de todo o mundo. Cinco mil pessoas estão em Chiapas para discutir saídas possíveis para o esquema neoliberal, as possibilidades de um novo modelo econômico e político, e de mudanças e de uma transformação a nível mundial.

Antônio García de León é professor da Divisão de Pós-Graduação da Faculdade de Economia da Universidade Nacional do México e especialista no estudo das rebeliões indígenas em Chiapas, tendo vivido na região, durante dez anos, atuando como professor de comunidades indígenas, e aprendido uma de suas línguas. É sobre esta temática que ele escreveu sua tese de doutorado (Paris I – Panteon Sorbone) que, em 1985, foi publicada com o título de Resistência e Utopia, tornando-se, a partir de 1994, um best-seller. Atualmente, ele
 á assessor do Exército Zapatista.

Depoimento fornecido ao professor Jorge Nóvoa, em julho de 1996, na Faculdade de Filosofia e Ciência Humanas da Universidade Federal da Bahia.


Ao visitante

entre.
leia.
comente.
sugira.
não faça nada.
enfim, sinta-se a vontade.

Compartilhe este conteúdo em sua rede

Postagens populares