terça-feira, 15 de novembro de 2011

Os 1753 dias do governo Collor

  

Na foto (de Jorge Araújo, da Folha Imagem) vêem-se colloridos em confronto com lulistas. O candidato derrotado em 1989, Luis Inácio Lula da Silva, que a elite apontava como defensor de idéias ultrapassadas, era contrário às privatizações. Questionado no primeiro turno das eleições presidenciais pelo jornalista Apóllo Natali, da Agência Estado, em seu comitê da Vila Mariana, em São Paulo, o candidato do PT dizia acreditar que, “bem administradas, as estatais são viáveis”.
Por Apóllo Natali(*)

“O meu governo serviu de ruptura de um Brasil antigo para um Brasil que se dispunha a ingressar na modernidade. Esse programa constitui-se na base sobre a qual qualquer outro programa poderia se assentar para ter chances de êxito”. (Fernando Collor de Mello, Maceió, 1999)
Quando assumiu a presidência da República, em 15 de março de 1990, Fernando Collor de Mello tinha pela frente uma inflação de 4.853%, registrada em um ano, de março 1989 a março de 1990. O país vivia verdadeiro flagelo social com cara de guerra civil, que havia passado por cima de quatro planos econômicos fracassados do governo anterior de José Sarney, fundados em congelamento de preços. Eram chamados de “pacotes econômicos”: ”¨Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano da política “Feijão com Arroz” do ministro Maílson da Nóbrega e Cruzado Novo.
A máquina do Estado com que Collor se deparou está inchada, centralizadora e ineficiente. A inflação não tem controle e a taxa de crescimento é negativa. Numa época de globalização da economia, o país mantém setores de produção oligopolizados e protegidos por barreiras alfandegárias retrógradas.
Dois dias antes da posse, Collor chora em Maceió e promete travar um combate sem tréguas à inflação, aos corruptos, aos sonegadores.
Em pleno furacão inflacionário, no final de 1989, Geraldo Forbes, membro do Conselho do Instituto de Estudos Avançados da USP, profetiza: “O desastre da hiperinflação é irrecorrível. A economia, e com ela as instituições, equilibram-se precariamente no fio da navalha.”
REINVENTANDO O PAÍS
Era preciso reinventar o país.
Em 30/1/1989, uma equipe de 30 técnicos da equipe de Collor reúne-se sigilosamente em Roma para sugerir medidas a serem executadas nos primeiros dias do novo governo. Na reunião, acaba prevalecendo a tendência por um ajuste moderado na economia, em lugar de um choque violento para combater a inflação. A futura ministra da economia, Zélia Cardoso de Mello, discute o plano com o empresário Daniel Dantas.A assessoria de Zélia faz circular a versão de que o programa de Dantas propõe um choque violento na economia. Dantas desmente.
Megainstituições econômicas e órgãos cooperativos do empresariado cancelam reuniões que discutiriam o assunto.
CHEGA O FURACÃO
O próprio Collor anuncia na televisão as medidas do seu plano Brasil Novo, ou Plano Collor I. O deputado Alysson Paulinelli pontua nas páginas da imprensa o estado de choque social causado: “Estamos como o sujeito que saltou do vigésimo andar. Estamos passando pelo décimo andar e, por enquanto, tudo bem. Apenas aquela brisa no rosto…”
“Isso já foi tentado antes e não deu certo”, proclama o presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, deputado Tonico Ramos. “O País está muito doente e remédio em excesso poderá matá-lo. É preferível que o país seja administrado por políticos e não por formulações econômicas”.
Intimidados pelas manchetes da imprensa anunciando a data de divulgação do Plano, os investidores fogem do over e dos fundos com medo do que estava por vir. Temiam rigor na taxação das aplicações. Na véspera da publicação, a previsão geral era de uma repetição das medidas do governo anterior, isto é, o mesmo congelamento de preços e salários, e não o que estava por vir, um furacão econômico. Começa um feriado bancário de três dias, em 13, 14 e 15 de março. Não cabe à imprensa espalhar o pânico. Então, as manchetes do dia 17 são comedidas: “Sai o Plano Collor”, diz “O Estado de S.Paulo”.
Em meio ao cumprimento da saraivada de medidas, pipocavam histórias de suicídios, de atos de desespero, de desastres nos negócios imobiliários, de separações de casais por conta da impossibilidade de tocar a vida. Houve quem jogou um veículo nas paredes e vidraças de uma agência bancária, fato divulgado com fotos na imprensa.
Aos pés das manchetes precavidas dos jornais, rádio e TV anunciando o plano, vai sendo exibida, na fria linguagem jornalística, toda a munição que seria empregada na guerra contra a situação insustentável que o país vivia.
O Jornal O Estado de S.Paulo, com o seu título nada bombástico “Sai o Plano Collor”, goteja as medidas:
-Congelamento de preços (tabelados e depois liberados, gradualmente);
-Cai a moeda Cruzado, chega o Cruzeiro, sem corte de zeros;
-Saques da poupança e depósitos em conta corrente limitados a 50 cruzeiros; o resto em conta fica retido por 18 meses, a ser devolvido em parcelas com juros de seis por cento ao ano. Quem prefere a restituição do dinheiro antes, pode ser retirado em leilão, com ágio.
-Saques do over e fundos a curto prazo limitados a 20%;
-Salários corrigidos pela inflação de fevereiro, de 72,78%;
-Correção salarial pré-fixada;
-Salário mínimo corrigido pela inflação efetiva.
-Extintos papéis ao portador;
-Cheques superiores a R$ 2.953,99 (100 BTNs-Bônus do Tesouro Nacional) têm de ser nominais;
-Câmbio flutuante com valores fixados pelo mercado;
-Instituições financeiras terão de aplicar parte do patrimônio em títulos de privatização;
-Aumento do IPI-Imposto de Produtos Industrializados;
-Macro setor agrícola taxado pesadamente;
-Fim dos incentivos à exportação;
-Fim dos benefícios que reduzem o Imposto de Renda de pessoas jurídicas;
-Aumenta o IOF-Imposto Sobre Operações Financeiras;
-Os crimes de abuso do poder econômico serão punidos com dois a mais anos de prisão e multa de 200 mil a 500 mil BTNs.
-Extinção de 24 estatais, 5 autarquias, 8 fundações, 3 empresas públicas, 8 sociedades de economia mista (Medida Provisória 151).
O novo governo anuncia cortes nos gastos públicos e redução da máquina do Estado também com a demissão de funcionários. O plano prevê a abertura do mercado interno, com a redução gradativa das alíquotas de importação.
A Folha de S.Paulo mancheteou: “Choque do Plano Collor é o maior de toda a História”. E, na linha fina: “Governo retém 80% do over e limita a 50 mil o saque bancário e da poupança”.
A reportagem anuncia o Plano e relata as primeiras palavras do presidente, que os leitores atordoados viam fora do contexto: “Estou cumprindo no primeiro dia do meu mandato meu compromisso de não pactuar com a injustiça desde o começo”. O jornalista Clóvis Rossi desvenda o mistério: presidente Fernando Collor baixou ontem um pacote econômico que mexerá com cerca de US$ 35 bilhões (10% do Produto Interno Bruto) e revoluciona toda a economia, a tal ponto que ninguém, exceto os membros da equipe econômica, tinha certeza de seus efeitos globais a médio e longo prazo”.
TERRA ARRASADA
As empresas foram surpreendidas com o plano econômico e, sem liquidez, pressionam o governo. A ministra Zélia Cardoso de Mello faz a liberação gradativa do dinheiro retido, denominada de “operação torneirinha” para pagamento de taxas, impostos municipais e estaduais, folhas de pagamento e contribuições previdenciárias. O governo libera os investimentos dos grandes empresários e deixa retido somente o dinheiro dos poupadores individuais.
Com o dinheiro fora de circulação, a inflação foi reduzida no início do Plano Collor I. Iniciava-se, porém, a maior recessão que o Brasil já conheceu. Houve aumento do desemprego, muitas empresas fecharam as portas e a produção diminuiu consideravalmente, com queda de 26% em abril de 1990 em relação a abril de 1989. As empresas são obrigadas a reduzir a produção, a jornada de trabalho, os salários, e a demitir funcionários. Só em São Paulo nos primeiros seis meses de 1990, deixaram de existir 170 mil postos de trabalho. Foi o pior resultado desde a crise do início da década de 80. O Produto Interno Bruto-PIB diminuiu de US$ 453 bilhões em 1989 para US$ 433 bilhões em 1990.
Em 16 de agosto de 1990 o Programa Nacional de Estatização previsto no Plano Collor é regulamentado e a Usiminas é a primeira estatal a ser privatizada, através de um leilão, em outubro de 1991. Depois, mais 25 estatais foram privatizadas até o final de 1993, quando Itamar Franco já estava à frente do governo, com grandes transferências patrimoniais do setor público para o setor privado. O processo de privatização dos setores petroquímico e siderúrgico já estava praticamente concluído. Inicia-se em seguida a negociação do setor de telecomunicações e elétrico.
O HISTRIÃO
Enquanto isso, à parte a questão econômica do País, a imagem de histrião do presidente se alastrava. Mostrava-se como um super-homem, sempre aparecendo na mídia exibindo suas grifes caras, pilotando aeronave, fazendo caminhadas, praticando esportes. Mostrava a personalidade de um herói, forte, vaidoso, arrojado, combativo, moderno. Dizia que tinha “aquilo roxo”.
(Histrião: diz-se de um homem miserável e envilecido que se dá em espetáculo pela abjeção dos atos que pratica. – J.F.Caldas Aulete)
PLANO COLLOR II
A inflação entra em cena novamente, com um índice mensal de 19,39% em dezembro de 1990. O acumulado do ano chega a 1.198%. É decretado o Plano Collor II, em 3l de janeiro de 1991.
O Plano tinha como objetivo principal controlar a ciranda financeira. Extingue as operações de overnight e cria o Fundo de Aplicações Financeiras (FAF), que centraliza todas as operações de curto prazo. Acaba com o Bônus do Tesouro Nacional Fiscal (BTNf), que era usado pelo mercado para indexar preços, e que foi substituído por uma Taxa Referencial Diária (TRD), com juros prefixados. Aumenta o Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF). O governo pratica uma política de juros altos e faz um grande esforço para desindexar a economia. Tenta mais um congelamento de preços e salários. Um deflator é adotado para os contratos com vencimento após 1O. de fevereiro. O governo acreditava que aumentando a concorrência no setor industrial conseguiria segurar a inflação. Então cria um cronograma de redução das tarifas de importação, reduzindo a inflação de 1991 para 48l%.
SALTOS E SOBRESSALTOS
A recuperação da economia iniciou-se no final de 1992, após um grande processo de reestruturação interna das indústrias. Foi fundamental a abertura do mercado brasileiro para produtos importados. Isso obrigou a indústria nacional a investir alto na modernização do processo produtivo, qualidade e lançamento de novos produtos no mercado. Ficou célebre a frase de Collor denunciando que a indústria automobilística brasileira, sempre com as mesmas fábricas e produzindo os mesmos modelos, fabricava “carroças”.
As empresas que queriam permanecer no mercado tiveram que rever seus métodos administrativos e de organização, reduzindo os custos de gerenciamento. As atividades foram centralizadas, muitos setores foram terceirizados. As empresas são obrigadas a investir pesado na automação e a reduzir a hierarquia interna. O resultado foi o crescimento da produtividade.
Toda essa modernidade era considerada necessária para as empresas se tornarem mais competitivas, tanto no mercado interno quanto no mercado externo. O aumento de produtividade foi fundamental para a sobrevivência das empresas, mas para os trabalhadores significou perdas de postos de trabalho, e menos funcionários produzindo mais. Aumenta o desemprego dos brasileiros. Em 1993, só na Grande São Paulo, chega a um milhão e duzentos mil os trabalhadores desempregados.
O censo do IBGE DE 1991 indicava que a renda per capita do brasileiro caira 5,6% em relação a 1980. A política de salários vigente no país era tida como um dos fatores que contribuiu para a multiplicação da pobreza.
Segundo o IBGE, em 1990, das 67,2 milhões de pessoas com mais de dez anos que trabalhavam, apenas 5,8% ganhavam acima de dez salários mínimos. A maioria dos trabalhadores, 63%, recebia até três salários mínimos, sendo que 29,5% ganhava, no máximo, um salário. Um dos reflexos dessa situação foi o aumento da população favelada nas grandes cidades. Há 20 anos, apenas 1% da população paulistana vivia em favelas. No início dos anos 90, a população favelada da cidade subiu para 20% e representava cerca de 2 milhões de pessoas.
O IMPEACHEMENT
Collor pregava a moralidade e combate à corrupção, mas em seu governo foram denunciados vários casos de desvios de dinheiro. O empresário Paulo César Faria, o PC, quer era o seu arrrecadador de verbas para a campanha eleitoral, envolveu-se em esquema de corrupção dentro do próprio governo. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito-CPI, apurou que muito dinheiro foi para a conta corrente de Collor. Para se ter uma idéia da gastança em seu governo, apurou-se que só para as despesas pessoais do presidente foram consumidos US$ 10 milhões e 600 mil. Ministros foram denunciados de corrupção, embora não tenha havido condenações. Paulo César Farias chegou a ser preso, depois de uma rumorosa caçada policial que terminou na Indonésia, mas em pouco tempo ganhou a liberdade e foi curtir uma mansão na praia, onde foi encontrado morto. A polícia não conseguiu desvendar o crime, e a opinião do povo era de que teria sido uma queima de arquivo.
O Presidente da República foi substituído sem derramamento de sangue, golpe militar ou qualquer tipo de violência, pelo vice Itamar Franco, de tendência nacionalista e comedido quanto às privatizações. Foi um processo pela via legal, em votação no Congresso, depois de movimentos de protestos populares que receberam o nome de “caras pintadas”. O presidente pedira ao povo para apóia-lo, para não deixá-lo sozinho, mas aconteceu o contrário.
Foi a queda do primeiro governo civil brasileiro, eleito por voto direto desde 1960. Foi também o primeiro escolhido dentro das regras da Constituição de 1988, com plena liberdade partidária e eleição em dois turnos. Ex- governador de Alagoas, politico jovem e com amplo apoio das forças conservadores, Collor derrotara no segundo turno da eleição a Luiz Inácio Lula da Silva, migrante nordestino, ex-metalúrgico e destacado líder da esquerda.
Para as elites, Collor ofereceu a modernização econômica do país consoante a receita do neoliberalismo.
GRANDES SALTOS
Um comparativo da eficiência industrial no país mostra que a abertura do mercado pelo governo Collor foi benéfica para o setor produtivo, apesar da retração do PIB:
-Até 1989, o Brasil fabricava 1,5 milhão de televisores por ano. Para montar cada TV, era necessária 1 hora de 40 minutos. Depois da abertura de mercado, em 1990, a indústria brasileira passou a produzir 7 milhões de televisores por ano, sendo necessários 25 minutos para montagem de cada um;
-Em 1989, um televisor de 14 polegadas custava cerca de US$ 550. Depois da abertura de mercado, passou a custar o equivalente a US$ 300;
-Até 1989, a Sharp produzia 14 televisores por empregado. A empresa passou a produzir 70 televisores por funcionário;
-Até 1989, a Azaléia fabricava 10 mil pares de sapatos por dia. Comprando novas máquinas, passou a fabricar 120 mil pares por dia, sem aumentar o número de empregados;
-Até 1989, cada operário da indústria automobilística montava nove carros por ano. Após a abertura do mercado e a automação das linhas de montagem, cada operário passou a montar 20 carros por ano;
-Até 1989, uma bicicleta de 18 marchas custava US4 480. Passou a custar US$ 128;
-Até 1989, nenhuma empresa brasileira possuía o certificado de qualidade ISSO 9000, pois não enfrentavam competição internacional. Hoje milhares de empresas possuem esse certificado de qualidade mundial;
-Até 1989, os computadores disponíveis no mercado brasileiro eram quatro gerações atrasadas em relação aos utilizados no primeiro mundo. Com a abertura de mercado, os brasileiros passaram a ter acesso a computadores quase que simultaneamente ao mercado internacional;
-Em 1989, o gasto com a folha de pagamento do governo federal correspondia a 5,3% do PIB. No governo Collor, baixou para 3,7%.
-Em 1989, o PIB atingiu a US$ 453 bilhões. Em 1990, foi para US$ 433 bilhões, uma queda de 4,4%.
AS PRIVATIZAÇÕES
Acionando a alavanca das privatizações, Collor atrelava o País à tendência mundial de enxugamento do Estado. Ao mesmo tempo, pulverizava a mentalidade de casta que nelas imperava.
Na empresa mineradora Vale do Rio Doce, por exemplo, havia salários elevadíssimos, incompatíveis com a realidade do país, além de uma política de empreguismo. Seus funcionários recebiam até um 17O salário e seu plano de saúde era de causar inveja às mais altas camadas sociais de países desenvolvidos.
A aniquilação das estatais, principalmente bancos, em ocasiões posteriores, extinguia de vez o espírito de corrupção e uso político que dominava essas empresas.
Na foto (da Agência Estado) vê-se o hoje senador Collor . -O sr. pretende voltar a ser presidente? (Revista Isto É, em 2002) -“Claro que sim”. (Fernando Collor de Mello)
*Apollo Natali é jornalista, formado aos 71 anos, depois de 4 décadas atuando na imprensa. É colaborador do “Quem tem medo da democracia?”,

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