O sistema eleitoral brasileiro está contaminado por incontáveis
esquemas e deficiências, mas tudo isso é maliciosamente obscurecido pela
criação e proliferação de certos "mitos". São mentiras retumbantes
tomadas por verdades incontestes pelos ingênuos cidadãos de boa-fé.
Repetidas exaustivamente pela propaganda institucional oficial a serviço
de interesses privados e pelo oligopólio empresarial-midiático, essas
aleivosias foram sistemática e cotidianamente propaladas como dogmas
absolutos, teses autossustentáveis, impassíveis de crítica ou reflexão,
sob pena de cometimento de algum crime ou censura moral pelo pensamento
contra-hegemônico. Joseph Goebbels, ministro de Propaganda da Alemanha
nazista, teria inveja de como mentiras indefinidamente repetidas podem
se tornar "verdades" no Brasil. Críticos mais ousados já tiveram a
oportunidade de desmascarar, nos canais e fóruns alternativos, um desses
falseamentos que circulam livremente pela internet. Trata-se do mito do
cancelamento da eleição na hipótese de que mais da metade dos eleitores
anulem seus votos (voto nulo). Como está satisfatoriamente explicado na
legislação eleitoral, essa teoria não passa de uma enorme bobagem
insidiosa.
Agora é a vez de desnudar o mito da confiabilidade das urnas
eletrônicas. Como se sabe, o Brasil passou a testar o voto digital e a
urna eletrônica – em substituição ao voto de papel e à urna de lona –
nos idos de 1996. Quatro anos depois, nas eleições de 2000, todos os
eleitores votaram em urnas eletrônicas. O tipo de urna usado desde então
por aqui é denominado de 1.ª geração, que havia sido inaugurado na
Índia em 1990, na Holanda em 1991 e na Alemanha em 1996. Logo, muito
antes do Brasil. Cai por terra, neste primeiro momento, o mito de que o
Brasil teria inovado tecnologicamente na vanguarda dos processos
eleitorais. Não fomos precursores disso coisíssima nenhuma. Aliás, há
países muito mais avançados no desenvolvimento tecnológico das urnas
eletrônicas, a exemplo dos que usam as urnas de 2.ª geração, como
Venezuela (desde 2004), EUA (desde 2007), Holanda (desde 2008), Canadá
(desde 2008), Rússia (desde 2008), Alemanha (desde 2009), Argentina
(desde 2011) e Bélgica (desde 2012).
Ou seja, ao contrário da falaciosa versão oficial propalada, o Brasil
não está na liderança, mas na lanterna do desenvolvimento tecnológico de
urnas eletrônicas. Além do Brasil, somente a Índia adota sistema
similar de 1.ª geração. O nosso sistema é o mais falho, inseguro e
atrasado de todos. A Alemanha declarou a inconstitucionalidade do
sistema de 1.ª geração em março de 2009, referendando o de 2.ª geração.
Os EUA e a Holanda proibiram o uso de sistemas iguais ao nosso por conta
da insegurança, da falta de transparência e dos riscos de fraude, pois
esse sistema obstaculiza condições objetivas de controle e auditoria. O
Paraguai recebeu urnas brasileiras e as devolveu, proibindo-as em 2008,
exatamente por falta de segurança.
Em sentido diametralmente oposto ao que afirmam a propaganda
institucional oficial, a mídia nativa e o Judiciário, nosso sistema não é
confiável e está defasado. Nos países citados acima os sistemas de 2.ª
geração garantem maior vigilância e segurança porque, dentre outras
coisas, permitem o registro físico do voto em máquinas separadas e sem a
identificação do eleitor. Nesses casos o voto é impresso, conferido
pelo eleitor (que verifica se a anotação material na cédula corresponde à
escolha digital), confirmado e confinado numa urna própria. O eleitor
não recebe comprovantes ou vias secundárias do voto, o que poderia
suscitar esquemas de compra de voto ou coação mediante apresentação de
documento impresso. O voto é impresso e, caso confirmado na tela ou na
mão pelos olhos do eleitor, imediatamente depositado numa urna, sem
nenhuma identificação do eleitor ou correspondência com quem votou.
Assim, o sistema de 2.ª geração se torna mais seguro e confiável por
permitir: 1) imediata conferência do voto por meio de registro físico, o
que serve de garantia na hipótese de manipulação ou falha do software
do sistema digital; 2) apuração simultânea, auditoria e recontagem dos
votos impressos para contraste com os votos registrados na urna
eletrônica, de modo a garantir a equivalência numérica e quantitativa
dos votos de cada meio.
A Lei N.º 12.034, de 29 de setembro de 2009, tentou atualizar o
sistema de nossas urnas eletrônicas no mesmo sentido do que acontece nas
democracias liberais institucionalmente mais avançadas. Contudo, o
Supremo Tribunal Federal, ao julgar a medida cautelar na ação direta de
inconstitucionalidade n.º 4.543, proposta pela Procuradoria Geral da
República, suspendeu a eficácia do art. 5.º da referida lei, que previa o
voto impresso conferido pelo eleitor. No campo do direito comparado, há
farta jurisprudência internacional, inclusive da própria corte
constitucional alemã, que declara inconstitucionais as urnas eletrônicas
que não registram o voto independente da memória eletrônica (voto
impresso). Ou seja, exatamente o contrário do que fora decidido pela
corte constitucional brasileira!
O Tribunal Superior Eleitoral tem monopolizado o controle da apuração
sem permitir auditoria externa, perícia, recontagem ou qualquer
procedimento externo ou associado de acompanhamento. Mesmo candidatos
que apresentem provas consistentes de mau funcionamento de urnas são
eventualmente condenados por litigância de má-fé. Afrontar a ordem posta
é visto como algo temerário.
Dizem que o Supremo Tribunal Federal é o tribunal que erra por último.
Veremos se persistirá no erro no julgamento de mérito da ação.
Os partidos políticos da esquerda revolucionária, os movimentos
sociais e populares e os eleitores devem tomar ciência da falibilidade e
da insegurança das urnas eletrônicas brasileiras. A democracia
representativa liberal brasileira é mais frágil e trágica do que se
imagina.
Por: Lucas Farias
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