quarta-feira, 26 de junho de 2013

O rugido das ruas e as lideranças da retaguarda

O rugido das ruas e as lideranças da retaguarda
Claus Germer

As manifestações populares em curso em todo o Brasil, que tomaram de surpresa mesmo os supostos representantes institucionais dos trabalhadores (sindicais, partidários, de movimentos), fornecem alguns ensinamentos que necessitam ser cuidadosamente refletidos.
Em primeiro lugar, revelam que as contradições sociais desenvolvem-se irreprimivelmente nas entranhas da sociedade mesmo quando ocultadas pelos que deveriam revelá-las, ou quando reprimidas pelos detentores do poder, como ocorre na maior parte do tempo. A inesperada explosão de insatisfação que estamos vivendo revela também a ingenuidade dos que supõem que a luta de classes e a revolução social estão superadas. Pelas frestas abertas pela reivindicação do passe livre irromperam os sintomas de uma insatisfação generalizada. O que se manifesta por intermédio desta explosão social, mesmo que seus próprios autores não tenham disto consciência, é a contradição irreprimível entre explorados e exploradores, ou seja, entre capitalistas e assalariados, que marca indelevelmente o capitalismo e o conduz, na linha da tendência histórica, ao colapso, do qual brotará o socialismo. Esta é a linha de tendência que o proletariado – e boa parte da sua liderança – esqueceu na sucessão das batalhas perdidas nas últimas décadas e que necessita ser recuperada e retomada como fio condutor das reivindicações e das manifestações de massas.

Nesse sentido, é necessário chamar a atenção para algo que não tem sido suficientemente destacado, que é o fato de que os manifestantes são, na sua imensa maioria, assalariados ou dependentes de assalariados, isto é, integrantes da grande legião dos explorados do capitalismo. Contra eles investem destacamentos armados, que representam os governos, atrás dos quais ocultam-se não os eleitores que os elegeram, mas a classe capitalista que representam e que os financiou, classe esta que, embora ínfima minoria da população, domina a maioria pela força física e a massificação ideológica. Estas duas classes em confronto compõem o cenário real, maquiado pela desinformação, das manifestações em curso em todo o país, quando observado em perspectiva histórica. A caracterização dos integrantes das manifestações como pequena burguesia é enganosa, pois confunde esta, que é parte de uma verdadeira classe social, com a chamada ‘classe média', que não é uma classe mas uma faixa de renda, na qual se misturam pequenos capitalistas (por isso pequena burguesia) que ganham pouco, com trabalhadores autônomos, e com assalariados de maior qualificação ou de funções gerenciais e outras. Mas mesmo o termo classe média para caracterizar os manifestantes é precipitada e influenciada pelo discurso oficial ufanista, pois falta informação suficiente e consistência teórica. Deve-se lembrar que o centro das grandes cidades é local de trabalho de uma importante parte do proletariado – os trabalhadores do comércio e do Estado, muito numerosos, e dos bancos, menos numerosos mas muito combativos –, cujas jornadas se encerram nos fins de tarde, horário do início das manifestações, assim como de um segmento do proletariado industrial não fabril – trabalhadores de hospitais, escolas particulares, redes de lanchonetes e de restaurantes, etc. É de duvidar que uma proporção destes não se integre às manifestações ou não seja influenciada pela mensagem que difundem.

É surpreendente que os próprios dirigentes de organizações populares – sindicais, partidários, de movimentos – tenham sido tomados de surpresa pelos acontecimentos e não consigam explicar as suas reais motivações. A surpresa é reveladora do distanciamento destas direções em relação às próprias bases, da acomodação em aparelhos burocráticos e da dependência, em muitos casos, de financiamento oficial para a sua manutenção, que induz a dependência e a subserviência política. Mostra também algo que precisa ser destacado: que a inserção em aparelhos burocráticos, como os sindicais e outros, não significa inserção real e representatividade das bases. As burocracias sindicais, nas quais pulula o novo peleguismo bem remunerado, principalmennte petista e cutista, parecem, na sua maioria, meras extensões não formalizadas da burocracia estatal, que é o que caracteriza o chamado sindicalismo de Estado.

surpresa diante das manifestações não só denuncia a acomodação das lideranças burocráticas, como revela a sua incapacidade de interpretar e explicar as reivindicações das bases. As reivindicações são rotuladas dos modos mais arbitrários ao bel-prazer de cada comentarista. A rejeição à corrupção, por exemplo, é rotulada de reivindicação pequeno-burguesa, quando se deveria aprovar a justeza desta exigência e mostrar que a honestidade e o respeito ao patrimônio público são indispensáveis à vida social, mas são impossíveis sob o capitalismo, regime que se baseia na exploração impiedosa dos trabalhadores e na mais selvagem e inescrupulosa concorrência entre capitalistas. Assim sendo, a denúncia da corrupção e a luta tenaz contra ela são indispensáveis, mas só são coerentes quando fazem parte da luta contra o capitalismo, caso contrário convertem-se em moralismo oportunista e eleitoreiro. Por outro lado, a reivindicação pela redução ou abolição da tarifa do transporte coletivo parece, à primeira vista, uma reivindicação mais sensata e compatível com a condição operária, mas também esconde uma falácia que deve ser revelada. É preciso esclarecer aos trabalhadores que a classe capitalista possui mil meios para anular esta conquista assim que as massas mobilizadas voltem ao seu cotidiano habitual. Os líderes deveriam pelo menos esclarecer que, mesmo obtendo a total abolição da tarifa de ônibus, a despesa menor dos trabalhadores lhes será cobrada, em pouco tempo, na forma de redução correspondente dos níveis salariais, uma vez que o salário consiste apenas no custo de manutenção do trabalhador, de modo que, se este custo cai, o salário cai correspondentemente através de mecanismos como a rotatividade e muitos outros. Sendo assim, a luta pela tarifa reduzida ou abolida, assim como as demais reivindicações econômicas, deve ser valorizada não só pelo seu objetivo imediato, mas principalmente como parte indispensável da luta maior pela abolição de um sistema social em que os trabalhadores sempre perdem.

As manifestações em curso apontam para as linhas de ação que os socialistas deveriam adotar como prioritárias na atual fase da revolução brasileira – fase inicial da esperada retomada da luta pelo socialismo no novo período histórico que se abriu com o colapso do socialismo do século 20: em primeiro lugar, necessidade vital de romper o isolamento dos socialistas em relação ao proletariado, tratando de inserir-se profundamente no seu meio, sem confundir a inserção nas burocracias sindicais e partidárias com a inserção no próprio proletariado, em todos os seus segmentos: industrial, comercial, bancário e estatal; em segundo lugar e simultaneante, dedicar-se ao estudo sistemático da teoria marxista, que é a teoria do proletariado e do socialismo, e da história das revoluções sociais, a fim de formar a sua própria intelectualidade e a sua própria teoria, original e inspiradora, da revolução brasileira. A luta de classes não se limita ao campo político, mas também se desenrola, de modo decisivo, nos campos teórico e ideológico. Em todos os campos estamos, até o momento, perdendo de goleada, e é preciso e possível virar o jogo.

Finalmente, estas manifestações nos despertam para o fato de que a luta de classes segue seu curso independentemente das tentativas de ocultá-la ou ignorá-la, e que o seu sentido histórico aponta para o socialismo. A luta pelo socialismo não é uma luta projetada para um futuro imprevisível, mas está em curso neste momento e propõe tarefas imediatas. Nas ruas inflamadas pela massa, hoje, também está em pauta a luta pelo socialismo, por mais que o ignorem os seus personagens visíveis, e estas mesmas ruas revelam, para quem quizer ver, o que se procura ocultar: que a convicção que conforta os acomodados, de que o socialismo é tema arquivado pela história ou, na melhor das hipóteses, 'coisa para nossos netos', será, no momento em que menos se espera, como agora, desmentida pelas massas em movimento. Também hoje, como ontem, multiplicam-se os bailes da Ilha Fiscal, enquanto nos subterrâneos da sociedade o rugido da revolução fermenta inexoravelmente. Assim sendo, é necessário que os socialistas preparem-se para as explosões sociais que necessariamente virão, para que não sejam surpreendidos, como ocorre neste momento, sendo forçados a correr atrás das massas tentando alcançá-las, ao invés de estar à sua frente, dirigindo-as.

Qualquer que seja a conclusão destas jornadas, tão cedo não se apagará da memória popular a imagem das tropas repressoras encurraladas pelas massas desarmadas, e dos governos em correria como baratas tontas tentando colocar um fim aos protestos, e atabalhoadamente fazendo hoje o que ontem juravam, com a maior cara de pau, ser impossível. Denunciam eles mesmos que a sua tática sistemática contra os trabalhadores é a mentira: se hoje anulam aumentos de uma penada, não mentiram ontem, ao afirmar ser isto impossível? E esta é talvez a lição mais importante que os trabalhadores devem retirar destas jornadas heróicas e fixar para sempre: quando as massas se colocam em movimento monoliticamente como classe e ganham as ruas, a sua força é irreprimível e nada é impossível. O céu é o limite!

Curitiba, 25 de junho de 2013

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