Que dirá el Santo Padre?
Que vive en Roma,
que le están degollando,
a su paloma Violeta Parra
Há um novo Papa, é latino-americano e se denominou de Francisco, segundo
ele por sugestão do Cardeal brasileiro para demonstrar que a Igreja não
esqueceu dos pobres.
A
Igreja nunca esqueceu dos pobres, eles são seu principal combustível,
assim como o medo, a morte e o vazio da existência. Na espetacularização
da vida, arte na qual as instituições religiosas são especialistas, são
fundamentais os ritos, o mistério, o segredo, o manto que encobre a
materialidade da qual parte, assim como o jogo de espelhos que refletem o
real invertido no caleidoscópio das imagens refratadas.
Milhares
de pessoas no mundo cultivam seu vínculo com o sagrado, buscam
encontrar alguma relação entre a imediaticidade do cotidiano, a origem e
seu destino, no interior da mundanidade ou além desta, em outra vida
que supere a morte. Em relação a este sentimento religioso e às pessoas
que nele acreditam, devemos guardar – ainda que discordando – o mais
sincero respeito.
No
entanto, em relação às instituições que são a cristalização burocrática
deste fenômeno, que se erguem como força estranha contra aqueles que a
produziram, que no seu gigantismo prepotente e arrogante, com seus ritos
ridículos e sua pretensão de seriedade, reproduzem e ampliam a
alienação e o estranhamento, devemos exercer e cultivar a mesma crítica
que dirigimos à todas as formas outras deste mesmo fenômeno.
Repetimos
com Maiakókiski: “como um lobo estraçalharia toda a burocracia”, a
certas credenciais não guardamos nenhum respeito. Nós, marxistas,
costumamos ser muito severos com nossas próprias instituições quando se
degeneram em formas estranhadas, não poderia ser diferente contra uma
instituição que faz disso uma virtude e se fundamenta ela mesma numa
manifestação social que é a forma fundante da alienação. Como dizia
Feuerbach, todo sentimento religioso é a expressão de um ser humano que
antes de encontrar em si o sol de sua existência o projeta para fora,
daí a noção marxiana que toda a emancipação humana é o retorno ao homem
daquilo que é humano.
A
atenção atraída em torno da saída do Papa antigo e sua substituição por
este “novo” é compreensível. Além das citadas milhares de pessoas que
seguem passiva ou ativamente a religião católica, trata-se de uma
instituição com grande poder e presença no mundo contemporâneo e o
perfil de seu dirigente tem incidência direta nos rumos da instituição.
Isso
não nos impede, no entanto, de destacar o caráter absolutamente
anacrônico desta instituição e, uma vez abordado por olhos críticos, não
podemos deixar de usar o qualificativo ridículo diante de um grupo de
pessoas com chapéus pontudos, reunindo-se em segredo, comunicando-se por
fumaça e depois, em pleno início do século XXI, coroando um monarca
ungido simbolicamente por Deus.
Faz
parte do espetáculo a especulação. Por que teria deixado o cargo o papa
nazista? O que vem agora é reacionário, apoiou a ditadura Argentina
(seus defensores afirmam que é um mal entendido)? Seria um progressista
que escolheu o nome de Francisco porque lembrou dos pobres da América
Latina? O que teriam discutindo os senhores cardeais no enclave,
princípios teológicos, permaneceram em silêncio reverencial para escutar
a voz de Deus iluminando sua escolha ou analisaram grossos dossiês da
vida pregressa dos papáveis prevenindo-se de futuras surpresas amargas?
Não
sabemos. O negócio é secreto por algum motivo. O que sabemos é que
debaixo da coroa-chapéu do Papa, envolto num manto branco de pureza
celestial, com cajado (de ouro) em uma mão e a outra levando aos céus
dois dedos, com uma voz rouca em um italiano em que ressoa as velhas
catacumbas sob a cidade eterna, ele vai aparecer numa janelinha, uma
multidão emocionada que não vê nada (mas quem tem fé não precisa disso)
vai ouvi-lo falar dos sérios problemas do mundo e do abraço fraterno aos
que sofrem. As televisões de todo o mundo cobriram o acontecimento,
especialistas analisaram cada palavra e seus significados revelados e
ocultos.
E
a vida vai continuar. Nos lares das famílias pobres o velho retrato do
Papa alemão que substituiu o reacionário polonês será substituído pelo
do argentino. Os latino-americanos serão tomados por um orgulho
incompreensível. A rivalidade com nossos amigos argentinos vai ganhar
novas piadas. O papa pode ser argentino, mas Deus continua sendo
brasileiro. A vida segue.
Um
senhor chamado Mennini que dirige uma coisa chamada Amministracione Del
Patrimônio della Sede Apostólica, que trabalha com a gestão do
patrimônio da Santa Sé, uma bagatela de 680 milhões de euros que tem sua
origem no dinheiro que Mussolini (aquele mesmo, o Benito) havia dado ao
Vaticano em 1929 em troca do reconhecimento do regime fascista
(certamente é só mais um mal entendido), vai explicar ao novo Papa, como
andam os negócios, em Bancos, empresas, e outras áreas desta ordem
mundana.
Por
alguma razão estranha à minha compreensão, os pobres latino-americanos
acordaram mais esperançosos. A Santa Igreja, certamente acordou um pouco
mais rica.
Conta-se
uma história que o presidente Juscelino Kubtischek ia visitar o Papa e
queria levar um presente especial. Lá em Minas havia um artesão
extremamente talentoso famoso por suas caixas de madeira com finos
acabamentos de marchetaria e que, além de artista, era militante do PCB.
O comunista inicialmente se recusou, mas diante da insistência do
presidente fez uma linda caixa toda trabalhada e forrada do mais fino
veludo roxo vaticânico e repassou ao viajante que a entregou ao Papa.
Em
seu retorno, Juscelino foi agradecer ao comunista mineiro e este lhe
falou: “sabe aquela caixinha que foi dada ao Santo Padre, então, embaixo
daquele veludo que cobre o interior da caixa, está gravado com fogo,
fundo e indelével, uma foice e um martelo junto à inscrição – Viva o
partido Comunista Brasileiro”.
Bom,
nós também queríamos dar um presente ao novo Papa. É só procurar
naquele enorme acervo onde estão guardados os presentes que os Papas
recebem, uma caixinha que deve estar com seu forro um pouco corroído
revelando um velho recado de um querido e criativo camarada.
Viva os 91 anos do Partido Comunista Brasileiro!
***
Mauro
Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ,
presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e
Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do
PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.
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