domingo, 12 de julho de 2009
O PIRATA E O IMPERADOR
(...) É o que disse o outro pirata a Alexandre Magno. Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido a sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém ele que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: “basta, Senhor, que eu porque roubo em uma barca sou ladrão, e vós porque roubais em uma armada, sois imperador?” Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades e interpretar as significações, a uns e outros, definiu com o mesmo nome: “Eodem loco pone latronem, est piratam, quo Regem animus latronis, est piratae habentem”. Se o Rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o Rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.
A citação, apesar de demasiadamente atual, é trecho do “SERMÃO DO BOM LADRÃO”, pregado pelo Padre Antônio Vieira na Igreja da Misericórdia de Lisboa, há quase quatro séculos atrás. Mas sobre as questões suscitadas, ainda é possível acrescentar: em relação ao pirata, aquele que presencia os fatos criminosos por ele praticados e os leva ao conhecimento das autoridades é uma testemunha, pessoa cumpridora do dever de cidadania; no que diz respeito ao imperador, é sempre um desqualificado ou um caluniador, em que pese sua coragem de estabelecer um confronto com o poder constituído, em prejuízo pessoal e familiar.
Para o imperador, mesmo diante de uma situação de clareza meridiana, há a tão decantada presunção de inocência; para aquele que o acusa, sequer existe a presunção de idoneidade, e o pior: ainda lhe é jogado sobre as costas o fardo de comprovar aquilo que está dizendo, como se o próprio testemunho já não fosse uma prova e como se autoridades outras, remuneradas pelos cofres públicos, não tivessem a obrigação de investigar.
Humilhado, desmoralizado e até imbecil! É assim que muitas pessoas honestas, que pagam seus impostos, estão se sentindo diante da situação que se apresenta. Ou como deveria sentir-se o empresário que percebe que quase tudo o que produz é consumido pela máquina da ineficiência e da corrupção? Como poderia se sentir o contribuinte que se encoraja a denunciar e acaba sendo pressionado ao vivo e ameaçado de morte?
Infelizmente, o número de pessoas que pretendem se auto-exilar por falta de perspectivas cresce a cada dia. Torna-se necessário dizer que o Brasil e os brasileiros são maiores que suas instituições, que seus políticos. A indignação e a participação cívica devem substituir o desalento e o desencanto. A sociedade precisa reagir e cobrar dos políticos e dos partidos sérios e responsáveis saídas e alternativas.
É verdade que a corrupção precisa ser combatida pelo aperfeiçoamento das leis e dos mecanismos públicos de fiscalização e controle. Reformas legislativas, com o fim da imunidade parlamentar e da prerrogativa de foro, se fazem imperiosas e urgentes para que a corrupção deixe de ser estrutural, para que as instituições funcionem e para que a impunidade deixe de existir. Se isto não for feito, um honesto poderá até vir a governar por quatro ou oito anos, mas, se for novamente substituído por um corrupto, tudo voltará a ser como era antes.
Entretanto, o combate à corrupção deve passar também por uma reforma no âmbito dos conceitos morais e dos preceitos éticos da sociedade. Não é mais possível acreditar que o “rouba mas faz” produz algum tipo de vantagem – na verdade, o que a corrupção produz é a falência dos serviços públicos, o atraso econômico e a miséria social e moral, dívidas que acabarão sendo pagas por nossas gerações futuras.
Resta saber se o povo terá oportunidade de, rapidamente, conhecer e ver penalizados os verdadeiros ímprobos, ladrões e estelionatários, os quais, dilapidando o patrimônio público, estão sempre a se esconder sob o manto do poder e da impunidade. Ou será que ainda teremos que aguardar mais quatrocentos anos para que seja dado o mesmo nome e sejam colocados no mesmo lugar o pirata e o imperador?
MARCELO ZENKNER
Promotor de Justiça no ES
Membro Fundador da Transparência Capixaba
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