sábado, 9 de fevereiro de 2013

O custo oculto dos hipermercados


A abertura de um grande centro comercial, um supermercado… sempre vem associada à promessa de criação de emprego, dinamização da economia local, preços acessíveis e, definitivamente, ao progresso. Mas será esta a realidade? A distribuição comercial massiva se sustenta em uma série de mitos que, geralmente, sua prática desmente.
A Associação Nacional de Grandes Empresas de Distribuição (ANGED), o patronal da grande distribuição, que agrupa empresas como Alcampo, El Corte Inglês, FNAC, Carrefour, Ikea, Eroski, Leroy Merlin, entre outras, acaba de impor um novo e duro acordo a seus 230 mil empregados. A partir de agora, trabalhar no domingo equivalerá a trabalhar em um dia de semana, e aqueles que até o momento estavam isentos por motivos familiares, também terão que fazê-lo. Desse modo, fica ainda mais difícil conciliar a vida pessoal/familiar com a profissional, em um setor onde a maioria dos trabalhadores é formada por mulheres.
Além disso, aplica-se a regra de ouro do capital, trabalhar mais por menos: amplia-se a jornada de trabalha e diminui-se o salário. Da mesma forma, se as vendas caírem para abaixo do registrado em 2010, salários serão cortados em 5%. Chover no molhado em um setor por si só já extremamente precário. A ANGED, por sua vez, considera que “o acordo reflete o esforço de empresas e trabalhadores para manter o emprego”. Mas que emprego?

Foto: Amy Whelan via Flickr, em CC-BY
E agora Caprabo, propriedade de Eroski, anuncia que quer demitir 400 trabalhadores, não aplicar o aumento salarial pactuado e cortar em 20% os salários de parte de seus funcionários. A culpada? A “previsível” queda nas vendas e a crise. No ano passado, curiosamente, a empresa anunciou que em 2011 seus lucros haviam aumentado 12%. A santa crise “resgata” de novo a empresa.
Nesse contexto, supermercados e criação de emprego parecem muito mais um paradoxo. São vários os estudos que observam como a abertura destes estabelecimentos implica, consequentemente, o fechamento de lojas e comércio locais e, portanto, a perda de postos de trabalho. Assim, desde os anos 80, e na medida em que a distribuição moderna se consolidava, o comércio tradicional sofria uma erosão constante e incontrolável chegando a ser hoje em dia quase residual. Se em 1998 existiam 95 mil lojas, em 2004 este número foi reduzido a 25 mil, segundo dados do Ministério da Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente.
E se o pequeno comércio diminui, o mesmo ocorre com a renda da comunidade, já que a compra em uma loja de bairro repercute em maior medida na economia local do que a compra em uma grande rede varejista. Segundo um estudo de Friends of the Earth (2005), na Grã Bretanha , 50% dos lucros do comércio em pequena escala retorna ao município, normalmente através da compra de produtos locais, salários dos trabalhadores e dinheiro gasto em outros negócios, enquanto que empresas da grande distribuição reinvestem apenas insignificantes 5%.
Ademais, devemos nos perguntar que tipo de emprego os supermercados, redes de desconto e hipermercados fomentam. A resposta é fácil: jornadas de trabalho flexíveis, contratos a tempo parcial, salários baixos e tarefas rotineiras e repetitivas. E o que acontece se alguém decide se organizar em um sindicato e lutar por seus direitos? Se o contrato de trabalho for precário, é melhor ir se despedindo do seu trabalho. Wal-Mart, o gigante do setor e a multinacional com o maior número de trabalhadores no mundo todo, é o exemplo por excelência. Seu slogan “Sempre preços baixos”, pode ser substituído por “Sempre salários baixos”. E não só isso, um estudo sobre o impacto do Wal-Mart no mercado de trabalho local, de 2007, concluía que por cada posto de trabalho criado pelo Wal-Mart, 1,4 postos de trabalho eram destruídos nos negócios preexistentes.
Mas as consequências negativas da grande distribuição para os que participam da cadeia de produção, distribuição e consumo não acabam aqui. Desde os agricultores, que são os que mais perdem com as grandes varejistas, obrigados a acatar condições comerciais insustentáveis e que os condenam à desaparição, até consumidores instados a comprar para além de suas necessidades produtos de má qualidade e não tão baratos quanto parecem, até um tecido econômico local que se fragmenta e descompõe. Este é o paradigma de desenvolvimento que promovem os supermercados, de onde a grande maioria de nós sai perdendo enquanto uns poucos sempre ganham.


Esther Vivas
do blog Público.es
Traduzido por Natália Mazotte, do Canal Ibase


Chapecó foi "contemplada" recentemente com a presença desta empresa via BIG. Vale a pena ver esse documentário sobre essa rede de supermercados: 
 O filme apresenta a face pouco conhecida e desfavorável das práticas comerciais da rede de supermercados Wal-Mart. São apresentadas entrevistas com ex-empregados, ex-gerentes, proprietários de pequenos negócios familiares que, segundo o filme, faliram em razão da concorrência desleal do Wal-Mart, e vídeos promocionais da empresa.




sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

À Sombra de um Delírio Verde.



Na região Sul do Mato Grosso do Sul, fronteira com Paraguai, o povo indígena com a maior população no Brasil trava, quase silenciosamente, uma luta desigual pela reconquista de seu território. Expulsos pelo contínuo processo de colonização, mais de 40 mil Guarani Kaiowá vivem hoje em menos de 1% de seu território original. Parabéns à omissão do governo "Democrático-Popular" por permitir o assassínio de ancestrais aos quais o comissariado trabalhista não se vê como descendente e por entregar as terras brasileiras a estrangeiros. Nem o PSDB foi tão eficaz.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Engels: bem mais que um segundo violino



José Paulo Netto comenta a trajetória de Friedrich Engels, situando sua importância para muito além do papel de coadjuvante de seu amigo Karl Marx.

Após a morte de K. Marx (1818-1883), F. Engels, dois anos mais novo que seu amigo e camarada, tornou-se a referência maior do movimento socialista revolucionário. Pelos doze anos seguintes (Engels faleceu em 1895), a ele recorreram teóricos e publicistas do movimento para clarificar questões de natureza teórica, dele se socorreram lideranças políticas para esclarecer dúvidas estratégicas e/ou pontuais – e o reconhecimento universal da relevância deseu protagonismo revolucionário foi atestado pela sua recepção triunfal no “Congresso Operário Internacional” (Zurique, agosto de 1893).
Naqueles doze anos, fez-se incansável a atividade de Engels na divulgação do pensamento de Marx.Graças a ele, vieram à luz os Livros II (1885) e III (1894) d´O capital – no caso deste último, seu trabalho não foi apenas editorial, mas pode ser considerado como o de um coautor, dado o caráter fragmentário dos manuscritos marxianos – e se republicaram importantes textos de Marx. E nos mesmos doze anos, em que também escreveu ensaios seminais, Engels nunca se cansou de repetir que, junto de Marx, não passava de um “segundo violino”. Auto-caracterização modesta, que foi posteriormente utilizada não só para amesquinhar a grandeza da sua contribuição à obra marxiana como, também, para reduzir o signi ficado da sua própria produção.
Com efeito, Engels não só se vinculou ao pensamento comunista antes que Marx o fizesse, como foi ele quem descortinou para o futuro camarada o domínio da crítica da economia política (com o ensaio, que Marx qualificou como “genial”, Esboço de uma crítica da economia política, de 1844). E no momento mesmo em que Marx ainda tateava na descoberta da figura histórica do proletariado, Engels dava a público o notável estudo sobre A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (1845). Por outra parte, cabe-lhe a co-autoria d’A ideologia alemã (1845-1846) e do Manifesto do partido comunista (1847-1848). Ademais, e sobretudo, não se pode esquecer que inúmeros problemas teóricos, surgidos no processo de elaboração d´O capital, foram equacionados mediante o contínuo diálogo de Marx com ele. Enfim, algo expressivo da produção jornalística de Marx, especialmente nos anos 1850, deveu-se à lavra de Engels. Vale dizer: a auto-caraterização como “segundo violino” não é só modesta – é unilateral e, pois, incorreta, já que obstaculiza a apreciação de Engels como um pensador revolucionário que possuía luz própria, e intensa.
Uma oportunidade para a justa avaliação da estatura teórica de Engels se oferece quando se considera A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Como todo livro, este, redigido por Engels em março/maio de 1884 e publica do em outubro do mesmo ano, em Zurique, tem a sua própria história. Em manuscritos nos quais Marx, entre 1879-1882,  registrou leituras de vários estudos antropológicos, Engels encontrou páginas (provavelmente de fins de 1880 ou início de 1881) em que o companheiro fazia um detalhado resumo crítico de Ancient society (1877), livro do etnógrafo norte-americano L. H. Morgan (1818-1881). Nele, Morgan, que pesquisara as tribos iroquesas do norte do estado de Nova Iorque, esboça a evolução da sociedade humana do estágio primitivo à civilização. Marx, mesmo discordando de muitas passagens da obra, julgou-a extremamente importante porque, conforme Engels, “na América, Morgan descobriu de novo, e à sua maneira, a concepção materialista da história – formulada por Marx 40 anos antes – e, baseado nela, chegou [...] aos mesmos resultados de Marx”. Ou seja: o trabalho de Morgan oferecia elementos (basicamente empíricos) para demonstrar a validez universal do materialismo histórico. Ainda segundo Engels, Marx pretendia expor em livro “os resultados das investigações de Morgan para esclarecer todo o seu alcance em relação com as conclusões” da sua (de Marx, mas também do próprio Engels) análise materialista da história. Como Marx não realizou seu projeto, Engels tomou a peito a tarefa: redigir A origem da família... foi, para ele, “de certo modo, a execução de um testamento” – e, novamente aqui, a modéstia do “segundo violino”: “Meu trabalho só debilmente pode substituir aquele que o meu falecido amigo não chegou a escrever”.
Não se pode avaliar uma obra que Marx nunca escreveu e, obviamente, é impossível comparar o livro de Engels (que recorreu expressamente aos apontamentos do amigo e re-examinou o trabalho de Morgan) ao que Marx teria escrito. Mas o que se pode afirmar, com inteira segurança, é que o texto de Engels, ademais de constituir componente básico da concepção materialista histórica do que Florestan Fernandes designou como “o curso histórico das civilizações”, apresenta-se como original e fundante no interior da tradição marxista. Para redigi-lo, Engels recorreu a muito mais que às notas de Marx e ao trabalho de Morgan: percorreu, analisando e criticando, milhares de páginas de especialistas contemporâneos e se valeu, em especial, dos seus indiscutivelmente extraordinários e profundos conhecimentos históricos.
Pela amplitude da documentação que consultou, pode-se constatar que os problemas que Engels tratou n’ A origem da família...estavam na pauta dos debates da nascente Antropologia. Mas a obra também enfrenta criticamente produções de importantes figuras da Segunda Internacional – como o livro A mulher e o socialismo (1879), de A. Bebel(1840-1913), e a série de artigos “A origem do casamento e da família” (1882-1883), de K. Kautsky(1854-1938). Na verdade, A origem da família... é tanto uma polêmica com posições teóricas alinhadas com as ideologias liberais e conservadoras quanto com formulações equivocadas do pensamento social-democrata.
Não cabe aqui um “resumo” do livro. Para dar uma ideia da sua relevância, basta observar que, nele,Engels funda uma nova visão da historicidade da família, repensando inteiramente a posição da mulher (numa análise que, para muitos, favorece teses do feminismo do século XX), estabelece uma cuidadosa faseologia da evolução sócio-cultural da humanidade, da barbárie à civilização, e sistematiza a constituição do Estado, conectando estes movimentos com o estatuto (radicalmente historicizado) da propriedade. Em suma, oferece ao leitor um sintético, mas rico e rigoroso, quadro global do desenvolvimento das formas societárias criadas pelo homem.
É evidente que Engels trabalhou com os dados científicos do seu tempo – alguns posteriormente superados pelos avanços das pesquisas antropológicas. Várias de suas hipóteses, por isto mesmo, ficaram comprometidas. Mas a arquitetura essencial da sua obra permanece exemplar, paradigmática – própria de um pensador que realmente tinha luz própria, bem mais que um “segundo violino”.

Por José Paulo Netto*

* Texto publicado originalmente em Imprensa Popular número 6

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