O
imperialismo norte- americano (com o apoio dos governos do Reino Unido e
da França) está na ofensiva em duas frentes. Obrigado pela Rússia a
recuar na Síria ataca na Ucrânia e na Venezuela.
Na
Ucrânia, o apoio de Washington às forças empenhadas em derrubar o
presidente Iakunovitch foi ostensivo (ver artigo de Paul Craig Roberts (
http://www.odiario.info/?p=3187).
Na Venezuela, a estratégia dos EUA é mais subtil. Nela a Embaixada em Caracas e a CIA têm desempenhado um importante papel.
O
projeto inicial de implantar no país uma situação caótica fracassou. Os
apelos à violência de Leopoldo Lopez que assumiram caracter
insurreccional na jornada de 12 de Fevereiro tiveram a resposta que
mereciam das Forças Armadas e das massas populares solidarias com a
revolução bolivariana. Os crimes cometidos pelos grupos de
extrema-direita suscitaram tamanha repulsa popular que até Capriles
Radonski – o candidato derrotado à Presidência da Republica - optou por
se distanciar de Lopez e sua gente, mas convoca novas manifestações
«pacíficas».
Inviabilizada a tentativa de golpe com recurso à
força, o esforço para desestabilizar o país prosseguiu, mas o projeto de
tomada do poder foi alterado. O governo define-o agora como «um golpe
de estado suave».
Uma campanha de desinformação,
que envolve os grandes media dos EUA e da União Europeia, transmite
diariamente a imagem de uma Venezuela onde a violência se tornou
endémica, manifestações pacíficas seriam reprimidas, a escassez de
produtos essenciais aumenta, a inflação disparou e a crise económica se
aprofunda.
Ocultam a realidade. Quem promove a
violência é a extrema-direita, quem incendiou lojas da Mision Mercal que
vende ao povo mercadorias a preços reduzidos, quem saqueia
supermercados é essa oposição neofascista que se apresenta como
“democrática», é ela que sabota a economia e organiza o açambarcamento
de produtos essenciais.
No Estado de Táchira,
grupos terroristas paramilitares vindos da Colômbia semeiam o terror,
forçando o presidente Maduro a decretar ali o estado de exceção.
É
significativo que o embaixador da Venezuela em Lisboa, general Lucas
Rincón Romero, tenha sentido a necessidade de emitir um comunicado (
http://www.odiario.info/?p=3186) para esclarecer que os media
internacionais publicam quase exclusivamente declarações da oposição que
deturpam grosseiramente os acontecimentos do seu pais.
A
Revolução Bolivariana enfrenta hoje uma guerra económica - a expressão é
de Maduro - que é simultaneamente uma guerra psicológica, política e
social.
Nesse contexto, o Presidente da
Venezuela ao alertar o seu povo para a cumplicidade de Washington na
montagem de «um golpe de estado» denunciou o envolvimento em atividades
conspirativas da oposição de três funcionários consulares dos Estados
Unidos, e ordenou a sua imediata expulsão. Reagindo também à campanha
anti-venezuelana da CNN, acusou aquele canal de TV de uma «programação
de guerra».
Como reage Barack Obama? Com hipocrisia e arrogância.
Não citou o episódio da expulsão dos diplomatas, mas pediu a Maduro que
liberte os dirigentes da oposição presos. Como nele é habitual invocou
no seu apelo retórico princípios humanitários, o respeito pelos direitos
humanos, o diálogo democrático, enfim, aquilo os EUA violam com a sua
política de terrorismo de estado.
Somente faltou
mencionar explicitamente Leopoldo Lopez, o líder das jornadas de
violência que provocaram mortes e destruições em Caracas e noutras
cidades.
O senador republicano John McCain, ex
candidato à Casa Branca, foi mais longe do que Obama. Numa entrevista à
BBC sugeriu com despudor uma intervenção militar direta na Venezuela
para «estabelecer a paz e a democracia».
A
escalada golpista assumiu tais proporções que desencadeou a nível
mundial um poderoso movimento de apoio à Revolução Bolivariana, ameaçada
pelo imperialismo e o fascismo caseiro.
Um
manifesto de solidariedade ao governo de Maduro, iniciado na Argentina,
já foi assinado em muitos países por milhares de intelectuais, artistas,
dirigentes políticos, parlamentares e sindicalistas.
A solidariedade com o povo de Bolívar corre mundo como torrente caudalosa.
“Existem dias que valem por cem anos ” – John Reed , autor de “Os 10 dias que abalaram
o mundo ”
Um processo revolucionário não é algo simples de se entender devido a
sua complexidade e pela sua multifacetada forma de se apresentar. Não
se coloca com um início claramente identificável e nem mesmo com um fim
que possamos determinar. O máximo que podemos ver dele são facetas,
momentos no tempo e espaço, nos dando algumas idéias do que é naquele
momento : sua hegemonia, seus personagens e momentos críticos .
Um dos elementos que ele nos deixa à mostra são suas manifestações
culturais, expressas sob diversas formas,notadamente através da música,
pintura, cinema ou outros tantos elementos estéticos .
Uma coisa é fato : um processo revolucionário traz à tona, pelo
embate que trava entre os valores que saem de cena e os outros que
afloram , aquilo que até um momento não era visível, aquilo que estava
submerso e só era visto por uma pequena parte da sociedade , e que se
expressam através de obras de arte, com um papel claramente definido de
armas de mudanças da realidade pré existente .
Sem dúvidas vivemos um desses momentos e a riqueza cultural é
iincrível, nos confrontando com os elementos ainda não capturados pela
lógica da Sociedade do Espetáculo que tudo transforma em mercadoria.
Infelizmente estes momentos, além de serem muito fugazes, pois duram
muito pouco tempo, rapidamente se transformam e suas manifestações
originais logo desaparecem , como aquelas flores raras que duram
apenas algumas horas, em um momento se apresentando de uma forma e em
outro, capturado pelo sistema, de outra forma, perdendo sua
característica inicial.
Deleitamos-nos, então, com essas manifestações que para alguns se
mostram estranhas , embora sejam cotidianas para aqueles que conhecem
as ruas.
Durante as recentes manifestações juvenis-populares de junho muitas
destas obras foram produzidas no calor das lutas e o “Hino às ruas –
Canção dos Protestos de 2013″, realizado pelo Baderna Midiatica é, sem
dúvidas, umas das que se destacam .
Vejam e reflitam : Hino à Rua – Letra Ela é mais que o asfalto onde eu piso
Ela é o caminho que nos leva à liberdade
Quando os povos oprimidos a conquistam
É a parte mais bonita da cidade
É ela quem escuta os nossos gritos
O riso, o choro, o lamento de dor
As bombas, disparos, os golpes brutais
De quem pratica a guerra e fala em paz
[Refrão]
Ela é dos cantos, das batucadas
É o povo unido quem a detém
É das bandeiras, das barricadas
Ela é de todos porque é de ninguém
Não é dos chefes, nem dos patrões
Não é uma posse, não é um bem
Nem dos Estados, nem das nações
Ela é de todos porque é de ninguém
“A Sociedade do Espetáculo” é um filme que não iremos encontrar facilmente nas locadoras.
Para assistirmos essa obra, ou algumas das outras obras
cinematográficas do pensador, poeta, cineasta e ativista político Guy
Debord, teremos que nos valer da internet, ou mesmo de cópias feitas por
integrantes da imensa legião de admiradores que ele tem em todo mundo.
Além de seus filmes, também é difícil ter acesso as suas publicações ,
e, só recentemente, uma editora em Paris resolveu publicar suas obras
completas, num volume de 2.000 páginas.
Mas, por incrível que pareça, as suas ideias e mesmo sua militância política encontram cada vez mais ressonância no mundo atual.
Segundo o filosofo alemão Anselm Jappe, autor do livro “Guy Debord”,
isto se dá devido ao fato de que sua obra como um todo é inaceitável
para aqueles que dominam a mídia em todo o globo, e, quando são
divulgadas, suas ideias são banalizadas , como por exemplo, a voz
corrente nos bancos escolares e nos estúdios de televisão, sobre o que é
a sociedade do espetáculo.
Recorrendo a Anselm Jappe, diria também: “devemos lamentar essa
desinformação? Quando li Marx pela primeira vez fiquei surpreendido por
não ter ouvido falar dele nas escolas. Quando comecei a entender Marx,
isso deixou de me surpreender.”
Também as teorias de Marx foram deturpadas, ou reduzidas a uma
simples doutrina econômica acerca do empobrecimento pretensamente
inevitável do proletariado, para em seguida, por isso não se dar
plenamente, ser denunciada como uma teoria sem valor.
No caso de Debord, o entendimento de sua teoria vai muito além da
constatação de ser ele um expoente das vanguardas artísticas, como os
integrantes do seu grupo “A Internacional Situacionista, que queriam
superar a própria arte através do “detournement” (desvio), ou mesmo da
“teoria da deriva”, que se tornou famosa, inclusive, aplicada nas
escolas de urbanismo em todo o mundo.
Detournement seria então, um procedimento utilizado na maioria de
suas obras, inclusive na “A Sociedade do Espetáculo”, que consistiria na
utilização de imagens retiradas de filmes variados, documentários
históricos, spots publicitários, que são compartilhados por textos lidos
em off, dentro da concepção de que a arte tem um valor universal, não
cabendo a privatização de seus elementos por direitos autorais.
Seus filmes não eram comerciais, e tinham claramente um sentido
político. Por isso, seu amigo Lebovici, que editou a maior parte de sua
obra, antes de ser assassinado misteriosamente, chegou, inclusive, a
comprar um pequeno cinema no Quartier Latin, onde durante um tempo
seriam exibidos somente filmes de Debord.
Dentre muitas experiências nessa área, inclusive com a realização de
filmes sem imagens, destaca-se o último de seus filmes que é : In girum
imus nocte et consumimur igni , ( movemo-nos na noite sem saída e somos
devorados pelo fogo), polídromo latino que pode ser lido da mesma
forma, da direita para a esquerda.
Para compreendermos a teoria de Guy Debord precisamos saber,
preliminarmente, o que é, de fato, aquilo que chamamos de Sociedade do
Conhecimento- conceito que é amplamente aceito para nomearem-se as
principais características de um tipo de sociedade que vai emergindo e
substituindo a sociedade industrial, que conhecemos até então.
Esta sociedade, fruto da revolução tecnológica que tomou força a
partir dos anos 50, tem, grosso modo, como principais características:1.
globalização das economias e dos costumes, moldando um mundo cada vez
mais igual, onde é reproduzindo o modus viventis da matriz ideológica – a
sociedade americana;2. rápidas mudanças tecnológicas, fazendo com que o
tempo útil da mercadoria seja cada vez menor, acentuando nela o seu
valor de troca; 3. desmaterialização das mercadorias, aonde o mercado
dos intangíveis vai substituindo o dos tangíveis, fazendo com que a
imagem do produto tome o lugar dele próprio, como objeto de consumo;4.
customização dos produtos, onde o consumo é cada vez mais dirigido,
criando-se tribos definidas para este fim, além, é claro, da estrema
concorrência à nível global.
Mas, o conceito de Sociedade do Conhecimento, por si só, não é
suficiente para que possamos ter uma compreensão exata do mundo em que
vivemos. Para isto teremos que utilizar outros conceitos, mais
específicos e menos abrangentes do que o da Sociedade do Conhecimento.
Ora, tornou-se um lugar comum dizer que uma teoria tem caráter
científico quando ela é demonstrável e pode ser aplicada numa realidade
universal.
Num caso específico da filosofia, e da forma de se observar a
sociedade capitalista contemporânea, parece-me que as idéias
desenvolvidas por Debord no livro que denominou “Sociedade do
Espetáculo”, e que é relatada através do filme do mesmo nome, podem ser
plenamente demonstráveis no mundo contemporâneo: ele nos diz que a
mercadoria é o nexo que estrutura a sociedade contemporânea – o mundo do
presente-vivido, e me parece que este é um conceito concreto, visível a
todos, passível de levarmos em consideração.
Vemos nos tempos atuais o capitalismo completar o seu ciclo final,
após ter-se globalizado totalmente, banindo da terra outros modos de
produção, que ainda insistiam em sobreviver.
Podemos dizer que ele parte agora para um novo momento- seu momento
mais importante, o ápice da sua existência: a conquista das almas de
todos os seres humanos.
A idéia é a de uma sociedade em que tudo se torna descartável. A
busca por objetos é incessante e parte de uma equação que diz que ter
esses objetos é sinônimo de felicidade. O consumo, então, acaba por
reger nosso modelo de vida atual, definida pelo excesso de ofertas,
demandas vorazes e liquidez destes mesmos objetos.
A atualidade seria, então, marcada por uma “cultura das sensações”,
na qual imperaria o culto ao corpo e a beleza e certo hedonismo:
tendência a querer obter permanentemente o prazer e evitar o sofrimento.
Desta forma, vemos o capitalismo tornar à todos consumidores, com
objetos customizados para todos os gostos, com preços plenamente
alcançáveis para aqueles que estão dentro do mercado de consumo, onde o
conceito de “ter” que antes tinha substituído completamente o conceito
de “ser”, dá lugar ao conceito do “parecer”, isto é: não é mais
necessário se possuir um produto se uma cópia perfeita pode me dar a
mesma sensação de satisfação, dentro do grupo social que freqüento, pois
o que importa é a sensação que aquela mercadoria me dá.
Tal característica do capitalismo dá contas então de um dos maiores
problemas estruturais de seu modo de produção, que é a existência
constante das crises de superprodução. Globalizando os mercados e
transformando a humanidade como um todo num exército de consumidores, o
capitalismo abriu mão do trabalho como o elemento determinante da sua
existência, através do uso continuado e cada vez mais incessante da
tecnologia, notadamente da tecnologia digital, sucessora da tecnologia
analógica. A descaracterização do trabalho e a transformação de todos em
meros consumidores, eis aí a base de entendimento desta nova sociedade.
Regra geral, a observação das características desse tipo de sociedade
foram feitas pelo filósofo francês Guy Debord, na década de 60,
influenciando os jovens nas barricadas de Paris e em todo mundo.
Naquela ocasião, ele tornou claro que o espetáculo, adjetivo com que
nomeava esta nova característica da sociedade contemporânea, seria o
resultado e o projeto do modo de produção existente -que entendo eu ser o
modo de produção capitalista- erigido para um novo momento da
humanidade, uma a visão de mundo ( weltanschauung) da burguesia liberal
que, em última instância, desenvolveu até as ultimas conseqüências os
preceitos do mundo esclarecido.
Portanto, o espetáculo seria o elemento mais importante da atual
sociedade produtora de mercadorias: como todo intercâmbio entre os
indivíduos só se realiza por intermédio das mercadorias, então os
indivíduos converter-se-iam em espectadores do movimento autônomo das
coisas, tornando-se, inclusive, eles próprios mercadorias.
No espetáculo já não predominaria simplesmente a produção mercantil,
mas a imagem. A separação, ou alienação do trabalho, consumada no âmbito
da produção capitalista retornaria como falsa unidade no plano da
imagem.
O espetáculo seria a autonomização das imagens, doravante
contempladas passivamente por indivíduos que já não vivem em primeira
pessoa. Ali, a imagem não reflete apenas a mercadoria, como numa banal
teoria pseudocrítica do consumo, mas o conjunto da relação social
capitalista baseada na separação. Por isso, o espetáculo não seria
simplesmente um conjunto de imagens, um abuso do mundo visível, e sim um
tipo particular de relação social entre pessoas mediada por imagens.
Tratar-se-ia, evidentemente, das relações de produção capitalistas,
radicadas na alienação do trabalho, isto é, na total indiferença da
produção em relação à vontade e ás necessidades dos produtores. A
contemplação passiva das imagens, que foram escolhidas por outros,
substituiria o vivido e próprio poder de determinar o futuro do
indivíduo. O espetáculo torna-se o capital concentrado a tal ponto que
se transforma ele próprio em imagem.
O espetáculo é, portanto, o capital que esgotou a fase de acumulação
primitiva – dissolução dos últimos laços pré-capitalistas que ainda
restavam como limites exteriores do capitalismo – e passa a reproduzir
essa mesma acumulação como seu elemento interior e incessantemente
renovado.
A separação dos homens de suas condições de vida foi estendida agora
ao mundo todo e completada, não restando ao capital outra saída senão
intensificar esta separação, privando do homem dos seus aspectos mais
elementares – seus desejos, afetos, seus sonhos. Isolados, separados num
mundo onde não tem mais nenhum papel ativo, sucumbe o homem a uma total
dominação, invisível e implacável. Seria o racionalismo pleno de um
mundo onde até o sonho é previsível e controlado.
Sou da opinião de que esta forma de observar o mundo, este pensamento
de Guy Debord, insere-se na vertente das obras iniciadas, no inicio do
século XX com os pensadores da Escola de Frankfurt, ou do Instituto de
Pesquisas Sociais da Universidade de Frankfurt ,onde eles fazem a
crítica do valor, de forma diferenciada da escola marxista oficial,
presente principalmente nos partidos comunistas europeus.
Embora em nenhum momento, Debord, tenha comungado abertamente das
teses dessa escola, suas idéias, assim como suas atitudes políticas, nos
levam a ver similitudes no pensamento de muitos teóricos daquela
escola, que acabam revendo os conceitos gerais elaborados pelo
iluminismo, que servem de base para o pensamento ocidental da
atualidade, e dão suporte para a sociedade da mercadoria.
Uma das obras mais conhecidas desta Escola e que nos leva a repensar
esses conceitos é a “A Dialética do Esclarecimento” de Theodor W. Adorno
e Max Horkheimer. Editada em 1947, em pleno pós-guerra, transformou-se
em importante documento de análise filosófica da história humana, e em
particular, sobre os conceitos gerais do iluminismo, que aqui eles
chamam de esclarecimento.
O resultado de suas obras levava a um caminho diferente do marxismo
oficial, profundamente integrado ao pensamento leninista e mais tarde ao
estalinismo, que dominava a maioria dos partidos comunistas do mundo.
Seus estudos utilizavam-se tantos dos pressupostos teóricos marxistas
como da psicanálise freudiana, integração que irá perpetuar-se ao longo
da produção teórica da maior parte dos membros do Instituto.
A Dialética do Esclarecimento é uma obra que tem um inestimável
valor, por procurar responder as perguntas freqüentes que assolam o
homem contemporâneo: por que após o avanço inquestionável da ciência que
deu ao homem condições de superar a maioria dos males que afligem a sua
existência, como a fome, a desigualdade, o medo e a exploração do homem
pelo homem, ao invés de conduzir-se para um mundo de plena emancipação,
dá testemunho do curso de uma nova barbárie?
Os autores, num escrito que desenvolveram propositalmente de forma
assistemática, num texto complexo e difícil, nos fazem mergulhar nessa
problemática, levando-nos para as origens da civilização: vendo nos
mitos e na civilização clássica grega a gênese do esclarecimento,
colocando-o como uma forma de libertação que o homem encontrou da
natureza.
Deixando de abordar a gênese do esclarecimento à partir do pensamento
ilustrado dos filósofos do século XVIII, notadamente dos conceitos de
Kant, que criou na modernidade as bases racionais da sociedade em que
vivemos, Adorno e Horkheimer partem do axioma de que “o mito já é o
esclarecimento e esclarecimento acaba por reverter à mitologia”, e por
isto o retornar de aspectos da interpretação da Odisséia de Homero,
mormente os relacionados ao drama de tipo prometeico entre
autoconservação e sacrifício, que de certa forma aborda a racionalidade
humana, presente na civilização moderna.
No estudo dos conflitos dos homens com os deuses e na sua luta pela
libertação, e condução de sua história, longe das amarras das forças
naturais, subjugando-a aos seus propósitos, o texto nos leva a entender
que longe de se tornar livre o homem cria para si um novo senhor, que o
aprisiona: a lógica cientifica, a forma racional de ver e se relacionar
com a natureza, que o afasta do mundo real.
Querendo ser livre o homem torna-se escravo da técnica e cria um
mundo reificado aonde os valores humanos vão desaparecendo. O desencanto
do mundo na verdade cria um mundo desumano. Para eles o mito
converte-se em esclarecimento, e a natureza em mera objetividade. O
preço que os homens pagam pelo aumento do seu poder é a alienação
daquilo sobre o que exercem o poder.
Debord também se preocupava com esta questão, isto é, a
impossibilidade do homem moderno encontrar sua plena existência num
mundo de ampla oferta de mercadorias.
Porém, o pensamento de Debord vai mais além do que os estudos dos
filósofos da Escola de Frankfurt, pois o aspecto mais atual do seu
pensamento está em interpretar esta situação do homem contemporâneo à
luz da critica de Marx ao valor, partindo do estudo da visão marxiana
desenvolvida na sua Crítica da Economia Política, colocando em relevo o
conceito de fetiche da mercadoria.
Em ultima instância, entendemos o pensamento de Marx como uma
constatação e uma critica da redução de toda a vida humana, no
capitalismo, ao valor, isto é, à economia.
Opondo-se a interpretação dos partidários de Marx, que na sua
geração, que viam a questão da exploração econômica como o mal maior do
capitalismo e, desta forma, propunham uma nova sociedade onde a economia
existiria mas não seria usada para a exploração de uma classe sobre a
outra, Debord, remetendo ao próprio Marx, discorda desse conceito e
concebe a esfera econômica, como ela própria, oposta a totalidade da
vida. E ai está sua originalidade.
Recordando duas conseqüências da critica do fetichismo que Debord
soube aprender com grande antecedência, assim nos diz Anselm Jappe : “em
primeiro lugar, a exploração econômica não é o único mal do
capitalismo, dado este ser, necessariamente, a negação da própria vida
em todas as suas manifestações concretas. Em segundo lugar, nenhuma das
inúmeras variantes no interior da economia baseada na mercadoria pode
realizar uma mudança decisiva. Por isso é que seria totalmente inútil
esperar uma solução positiva do desenvolvimento da economia e da
distribuição adequada dos seus benefícios. A alienação e a expropriação
constituem o núcleo da economia mercantil que, além do mais, não poderia
funcionar de modo diferente, e os progressos da ultima são,
necessariamente, os progressos das duas primeiras. Isso constitui uma
autêntica redescoberta., considerando que o “marxismo”( refere-se aqui
ao “marxismo” dito oficial), a par da ciência burguesa, não fazia
“critica da economia política”, mas limitava-se a fazer economia
política, levando em conta apenas os aspectos abstratos e quantitativos
do trabalho, sem discernir ai a contradição com o seu lado concreto .
Este marxismo já não via na subordinação da vida inteira às exigências
da economia um dos efeitos mais desprezíveis do desenvolvimento
capitalista,mas, pelo contrário,um dado ontológico cuja evidenciação até
parecia um fato revolucionário.”
A “imagem” e o espetáculo de que fala Debord devem ser entendidas
como um desenvolvimento posterior da forma-mercadoria. Têm em comum a
característica de reduzir a multiplicidade do real a uma única forma
abstrata e igual. De fato, a imagem e espetáculo ocupam em Debord, o
mesmo lugar que a mercadoria e respectivos derivados ocupam na teoria
marxiana.
Mas, é importante frisarmos que esses caminhos já tinham sido
trilhados por György Lukás, no seu polêmico livro “História e
Consciência de Classe, que sem dúvidas, influenciou o pensamento de
Debord, pois foi o primeiro dos estudiosos de Marx que retomou o
conceito de fetichismo da mercadoria.
Tal conceito que tinha aparecido em Marx na Crítica da Economia
Política, foi relegado ao esquecimento pelos marxistas posteriores, tais
como Engels Kautsky,Rosa de Luxemburgo, Lenine.E é esse conceito, a
base do pensamento de Debord, quando elabora a teoria da Sociedade do
Espetáculo.
Num momento em que vemos em todo o mundo uma repulsa de pessoas
esclarecidas à “visão de mundo” da burguesia liberal, levar as ideias de
Debord para a praça pública, através de seus filmes, importantes
instrumentos didáticos para o entendimento das características do mundo
contemporâneo, pode ser uma estratégia para aqueles que querem enxergar
uma civilização pós capitalista, pois, como disse alguém: “se queremos
mudar o mundo, é necessário primeiro entende-lo”. Por: Arlindenor
Assistam ao filme ( legendado em português ) e reflitam sobre suas existências.