domingo, 29 de abril de 2012

Fome – Uma questão política, não de quantidade

Segundo dados mais recentes da FAO, a safra 2011/2012 deverá fechar com mais um recorde de produção de cereais. Em números seriam 2,325 bilhões de toneladas métricas, que se dividindo pela população mundial e por 365 dias do ano haveria uma disponibilidade técnica de 930 gramas para cada terráqueo. Em termos dietéticos isto é mais que necessário para alimentar a todos. Estes números são somente cereais. Se somarmos outros itens da dieta humana (legumes, frutas, carnes, peixes etc.) então dá para se empanturrar. Mesmo assim uma em cada sete pessoas passa fome. 
 
Agora vem a grande pergunta: o porquê de tanta fome pelo mundo? Será que a diferença fica por conta do “gato que comeu” - usando nossa gíria popular?
 
Sim há um gato que comeu e continua comendo. Sinistramente há um grande interesse político que assim o seja. Há uma certa analogia com o “exército de desempregados” de Marx, uma manobra do modelo capitalista, para manter salário baixos e com isto maiores lucros. Pela lei do mercado, um exército de famintos também levanta preços.
 
Homem com fome, como o homem analfabeto, seu espírito critico fica limitado. Não há tempo para quem passa fome, pensar mais em outra coisa a não ser como conseguir a comida para as próximas seis horas. Assim para manter um nível de preço que seja condizente com os custos da indústria do Agronegócio, é “necessário” que haja fome. Quem se beneficia com a fome são os especuladores do mercado alimentício. Fora os desvios para o mercado de bicombustíveis, os alimentos básicos transformaram-se em objetos de especulação e manobra política, cujos preços aumentaram 35% de 2010 para cá.
 
Por outro lado, uma parcela da população de renda elevada acaba consumindo  alem das suas necessidades básicas. A ansiedade pela sobrevivência gerado pela insegurança leva as pessoas armazenarem maior quantidade de comida tanto em espécie, como através da comilança até onde alcança seus limites físicos. Assim vemos dois limites catastróficos, uns morrendo por doenças ligadas ao excesso de obesidade, e na outra ponta outros morrendo de insuficiência alimentar. Neste último caso, sinistramente as crianças são as maiores vítimas. A elevação dos preços agrícolas ocorrido na primeira crise (2007/2008) empurrou mais 100 milhões de terráqueos para o contingente da fome e miséria e na alta de 2010/2011 mais 40 milhões.    
 
No terreno político, a voz dos famintos não conta - se é que tem voz - nas grandes resoluções. Uma imensa maioria das famílias mora no campo, por conseqüência vivem da agricultura familiar onde não tem seus interesses representados nas instituições econômicas multilaterais mesmo neste mundo globalizado. Eles não têm lobby. A preocupação política está sempre por conta da produção industrial, do crescimento do PIB, dos índices da Bolsa de Valores. Depois disto vamos nos preocupar com a fome – dizem eles. Só que esquecem que povo morto de fome não gera PIB.
 
Se politicamente os países ricos ou desenvolvidos fizerem doações generosas (não empréstimos) ativará a economia global. Em outros termos, abrir mão da comilança é num primeiro momento reduzir o lucro das multinacionais. Mas a médio prazo todos ganharão. O Brasil através de uma distribuição de renda na forma de bolsas famílias gerou uma dinâmica interna de mercado sem precedentes na história. Em termos orçamentários é uma “titica”.  
 
Sinistramente o sistema capitalista como concebido, somente sobreviverá pela diferença de mercado entre a oferta e a procura, que no final será a morte de milhões pela fome para que os outros sobrevivam. 
 
Por ironia do destino, a única saída para salvar a economia do desastre será pela solidariedade e não pela ganância de uma minoria privilegiada.
 
Sergio Sebold – Economista Independente e Professor.

sábado, 21 de abril de 2012

Carta manuscrita pelo companheiro farmaceutico grego

 Carta manuscrita pelo companheiro farmaceutico grego, reformado de 77 anos, que se suicidou no passado dia 4, em frente ao Parlamento Grego.

«O governo de ocupação de Tsolakoglou |1| aniquilou literalmente os meus meios de subsistência, que consistiam numa reforma digna para a qual me quotizei durante 35 anos (sem qualquer contributo do Estado). Como a minha idade já não me permite uma acção individual mais radical ( ainda que não exclua que se um grego tivesse empunhado uma Kalachinikov eu teria sido o segundo), eu não encontro outra solução que não seja uma morte digna, porque recuso procurar alimentos no lixo. Espero que um dia os jovens sem futuro empunharão as armas e pedurarão (enforcarão) os traidores, como fizeram os italianos em 1944 com Mussolini, na Praça Loreto de Milão.»

Ver em linha : http://kathimerini.gr

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Todo Dia Era Dia De Índio.

Baby Consuelo, cantando nesse show ao lado de

Jorge Ben, Todo Dia Era Dia De Índio.
Essa letra que é a expressão certa sobre a realidade dos índios.

Composição: Jorge Ben

Curumim, chama Cunhatã
Que eu vou contar

Curumim, chama Cunhatã
Que eu vou contar

Todo dia era dia de índio
Todo dia era dia de índio

Curumim, Cunhatã
Cunhatã, Curumim

Antes que o homem aqui chegasse
Às Terras Brasileiras
Eram habitadas e amadas
Por mais de três milhões de índios

Proprietários felizes
Da Terra Brasilis

Pois todo dia era dia de índio
Todo dia era dia de índio

Mas agora eles só tem
O dia dezenove de abril

Mas agora eles só tem
O dia dezenove de abril

Amantes da natureza
Eles são incapazes
Com certeza
De maltratar uma fêmea
Ou de poluir o rio e o mar
Preservando o equilíbrio ecológico
Da terra, fauna e flora

Pois em sua glória, o índio
É o exemplo puro e perfeito
Próximo da harmonia
Da fraternidade e da alegria

Da alegria de viver!
Da alegria de viver!

E no entanto, hoje
O seu canto triste
É o lamento de uma raça que já foi muito feliz
Pois antigamente

Todo dia era dia de índio
Todo dia era dia de índio

Curumim, Cunhatã
Cunhatã, Curumim

Terêrê, oh yeah!
Terêreê,oh!


terça-feira, 17 de abril de 2012

Kurz : Aonde Está A Revolução

NÃO HÁ REVOLUÇÃO EM LADO NENHUM
Há muito que a chamada esquerda do movimento se julgou superior à oposição ou mesmo à simples relação entre reforma e revolução. O que só podia significar que já não se sabia o que poderia ser tanto uma como a outra. O objectivo da abolição revolucionária do capitalismo, como catalisador necessário até da mais pequena reforma social, não foi reformulado, mas apressadamente imputado ao extinto marxismo de partido e de Estado, para mais facilmente o poder descartar. A monotonia pós-moderna dum culto das superficialidades habituais e dos detalhes a-conceptuais, fanfarronando a sua pluralidade, não está para lá do antigo nível de certeza, mas simplesmente esperneando desamparada ao lado dele.

Na verdade, a ideia de revolução só foi considerada arrumada e selada pela operação do movimento de esquerda e sua ideologia desconstrutivista porque se perdeu a força para as habituais reformas dentro do capitalismo. Como é sabido, o neoliberalismo comum a todos os partidos roubou o conceito de reforma e transformou-o no seu contrário, sem encontrar qualquer resistência significativa. Lutas sociais reais não só eram cada vez mais raras, mas também sem qualquer referência à crítica social radical, permanecendo presas a interesses particulares tacanhos. Em vez de uma interferência mais forte nas relações sociais surgiu a performance de acções simbólicas; ou seja, a farsa de movimentos que já não eram movimentos, mas só queriam representar a sua própria simulação mediática. Às bolhas financeiras do capital de crise correspondiam as bolhas do movimento de esquerda, que tinham de estourar do mesmo modo.

Tanto menos credível é a repentina inflação do termo revolução, que teria vivido a sua segunda primavera por todo o mundo em 2011, sem que as ideias do passado tivessem sido criticamente revistas e transformadas. Em primeiro lugar surge naturalmente a chamada revolução árabe, que derrubou alguns regimes autoritários (Tunísia, Egipto e Líbia) com grande sacrifício de vidas humanas, enquanto noutros lugares (Síria, Argélia, Bahrein, Iémen) por enquanto tem vindo a ser metralhada. Em rápida sucessão a agitação cintilou também na Europa. A Grã-Bretanha testemunhou violentos distúrbios de jovens de classe inferior desesperados, a que o governo conservador respondeu com um padrão de repressão por assim dizer arábico. Nos países da crise da dívida do Sul da Europa (Grécia, Espanha, Portugal, Itália), houve um grau variável de movimentos sociais contra a brutal política de austeridade, impulsionado principalmente pela geração jovem. Um quadro semelhante se apresentou em Israel, com manifestações de massa contra a política anti-social do governo de Netanyahu. No Chile, os estudantes rebelaram-se contra a orientação neo-conservadora do sistema de ensino. Finalmente, nos Estados Unidos, deu que falar o chamado movimento occupy que, em protesto contra a desigualdade crescente e contra o poder dos bancos, foi entendido como um contrapeso ao ultra-conservador tea party e constituiu ramificações em muitos países, entre os quais a Alemanha.

A esquerda que cheira o traseiro de cada manifestação social à vista na rua o que mais gostaria era de se regalar nas paisagens florescentes de um ano revolucionário em 2011. Para além da falta de vergonha para voltar a desenterrar e a remoer freneticamente a palavra começada por R, que estava enterrada e esquecida, a mera adulação dos diversos protestos e levantamentos não ajuda nada a causa da libertação social. Marx sublinhou com razão que uma transformação verdadeiramente revolucionária apenas progride na medida em que os seus começos e fases de transição são criticados sem dó nem piedade, para os superar e para repelir as suas meias-verdades, falácias e aberrações. Se assim não for, todo o empreendimento se pode transformar no seu contrário. Decisiva aqui é a importância da reflexão teórica. Isto é especialmente verdade numa situação como a de hoje, em que ainda não há uma ideia desenvolvida da ruptura revolucionária com a ordem estabelecida. A forma de mediação é a polémica contra o estado dos movimentos, e não o envolvimento disposto a adaptar-se, reagindo de modo puramente táctico às dificuldades ideológicas e limitando-se a reflectir afirmativamente para os intervenientes a sua falsa consciência imediatista. Depois de mais de 250 anos de história da modernização não há mais espontaneidade inocente.

Para uma análise crítica é preciso em primeiro lugar verificar a diferença de certo modo existencial no grau de dureza da revolta e da repressão. Os movimentos de massas árabes pagaram deliberadamente um pesado tributo em vítimas e na verdade derrubaram governos. No sul da Europa e na Grã-Bretanha os embates foram violentos para as condições de metrópoles ocidentais, mas muito menos intensivos e em grande parte ineficazes. O mesmo se pôde ver em Israel e no Chile. O movimento occupy dos E.U.A., finalmente, caracterizou-se em grande parte por um mero moralismo superficial e piegas, sem garra, que entre os seus imitadores na Alemanha ainda foi rebaixado ao nível de gnomos de jardim por chefes de turma colocando questões bem comportados. É claro que as diferenças na militância externa não dizem nada sobre um conteúdo revolucionário, que só pode ser determinado pela profundidade da crítica radical, mas indicam o diferente nível de ruína e desespero.

A nova crise económica mundial de modo nenhum está terminada e não é apenas económica, mas em grande parte do mundo também levou a sérias distorções sociais que não podem resolver-se nas respectivas condições e formas de desenvolvimento específicas, pois referem-se a estruturas gerais do capitalismo global. Por um lado, em toda parte se pode ver uma explosão nos preços dos alimentos, que afecta sobretudo as classes mais baixas, mas também para os consumidores de renda média se torna cada vez mais dolorosa. Sobrepõem-se aqui o limite interno económico e o limite externo ecológico do capital. A política geral de inflação com a inundação de dinheiro dos bancos centrais é agravada para os produtos agrícolas pela produção crescente de biocombustíveis em vez de alimentos básicos, que ao mesmo tempo se tornam ainda mais escassos por desastres naturais socialmente provocados. Isso é notório em todos os países sem excepção, mas tal tendência torna-se insuportável em primeiro lugar onde, como nos países árabes, o custo dos alimentos básicos já consome a maior parte do orçamento da maioria da população.

Por outro lado, a precarização dos jovens académicos há muito latente agravou-se dramaticamente na crise económica mundial. Também este fenómeno é global; mesmo na Alemanha é conhecida a “geração estágio” e não é só desde ontem. No sul da Europa o desemprego juvenil generalizado atingiu a marca dos 50 por cento ou mais e disparou o corte na formação e o subemprego dos finalistas do ensino secundário e das universidades. Mesmo na China cada vez menos licenciados encontram um trabalho adequado. De doutorando para ajudante de empregado de mesa, diz o slogan da decadência. Claro que também há uma gradação global neste desenvolvimento. Enquanto na Europa e na América do Norte os rebentos da classe média qualificada ainda podem conseguir em parte apoio dos pais perante a falta de perspectivas, noutros lados eles já têm de ajudar a alimentar as famílias arruinadas. Não é de admirar que o tiro de partida simbólico para a revolta árabe tenha sido a auto-imolação de um jovem académico tunisino que já nem sequer como vendedor ambulante conseguia sobreviver.

Na história moderna a degradação social da juventude estudantil sempre foi fermento de erupções revolucionárias. Mas para que a partir daí ocorresse uma verdadeira revolução social teve de se criar em primeiro lugar um esboço teórico actualizado e, em segundo lugar, teve de realizar-se uma organização social abrangente, incluindo as classes mais baixas. A este respeito se mostra a completa vergonha intelectual, social e organizacional da geração Facebook. Em todos os movimentos não há vestígios de uma ideia nova e revolucionária, a classe média académica comporta-se em grande parte de modo auto-referencial e sem qualquer conexão sistemática com as classes mais baixas e o encontro não vinculativo através da Internet permanece sem força organizativa no domínio social. Além de frases democráticas ocas não há mais nada. Portanto, também em lado nenhum se pode falar de uma revolução, se se entender isso como mudança fundamental social e económica e não apenas como substituição das personagens da administração da crise por outras ainda piores.

Como não há qualquer dialéctica qualitativamente nova entre reforma e revolução, mesmo as abordagens sindicalmente limitadas não conseguiram implantar-se. A redistribuição dos rendimentos do petróleo e do turismo não se concretizou. Na Europa e nos EUA nem sequer exigências sociais específicas atingiram uma amplitude apreciável. Assim, a revolta está a ser instrumentalizada por forças muito diferentes que fazem valer a sua tendência para a barbarização perante o vazio ideal e organizacional. Nos países árabes são os fascistas religiosos islamistas que vencem uma eleição após a outra, assim pondo a descoberto a indiferença de conteúdo da democracia aridamente formal como padrão de legitimação. Eles já usurparam em parte os sindicatos, colocaram a sua política de caridade no lugar da emancipação social e, assim, ganharam as classes mais baixas, puseram em marcha o seu terror virtuoso hostil às mulheres e aos homossexuais e transformaram o incitamento anti-semita contra Israel numa válvula de escape para a raiva contra a falta de melhorias económicas. No sul e no leste da Europa está em grande ebulição o anacrónico fascismo nacionalista, que oferece a superfície de projecção para as formas bárbaras de digerir o vazio de ideias e a impotência social. Os pogroms contra os roma na Itália e na Hungria ou o tratamento cruel de refugiados e migrantes na Grécia falam por si. O complemento ideal para isso é dado pelo tom inequivocamente anti-semita do movimento occupy.

Israel demonstra a sua natureza dual em que, por um lado, como Estado dos judeus, se transformou no objecto de ódio número um na digestão ideológica da crise a nível mundial. Por outro lado, enquanto Estado capitalista, passa pelas mesmas rupturas sociais que todos as outros e produziu o seu próprio fascismo religioso, como poder autodestrutivo interno (um fenómeno comum a todas as culturas da pós-modernidade). Rabinos proeminentes falam do perigo de talibanização por uma minoria de fanáticos ultra-ortodoxos, que se equiparam aos seus irmãos inimigos islamistas como um ovo ao outro. Juntamente com os colonos chauvinistas, ameaçam barbarizar Israel e privá-lo da sua legitimação histórica. O movimento social da juventude israelita contra a administração da crise é semelhante em muitos aspectos ao da Europa. Dada a situação geral, teria de se ligar a revitalização do poder de intervenção quase sindical com a manutenção da força militar contra os inimigos de Israel unidos que querem em última instância uma limpeza anti-semita do mapa; dadas as circunstâncias, o espaço de manobra só poderia ser ganho fechando a torneira do subsídio financeiro aos ultras religiosos e nacionalistas. O protesto social pode de facto invocar o projecto sionista fundamental, que remonta a Moses Hess, mas a ideia socialista também aqui é apenas uma sombra do passado.

O mais impressionante é que, apesar das diferenças, por todo o mundo a rebelião é em grande parte "sem a esquerda", como o Frankfurter Allgemeine Zeitung registou com satisfação. Portanto, mesmo para os políticos da tertúlia pós-operaista da globalização, o entusiasmo com o movimento da multitude está um pouco entalado na garganta. Mas afinal o que teria ainda para dizer o mainstream do actual marxismo residual ou pós-marxismo, que está por um fio, aos que engrossam o protesto no movimento, independentemente dos seus protagonistas? Se a falta de ideias no plano intelectual e a impotência no plano social da geração Facebook é um produto directo da socialização do capitalismo de crise virtualizado, também os círculos de esquerda nas suas várias correntes representaram apenas uma ideologia postiça dessa mesma situação. Um mero reflexo da sua própria tacanhez teórica nos conceitos do batido desconstrutivismo não pode abrir qualquer perspectiva histórica aos novos intervenientes. Também não ajuda nada tratar a economia, redescoberta pela força das circunstâncias, com as grelhas de interpretação da década de 1970 (ou até mais antigas), e pretender juntar estas com o pensamento pós-moderno, numa mistura intragável.

A teoria de Marx não está a ser desenvolvida para lá das leituras historicamente obsoletas, mas está a ser despojada de sua crítica essencial das formas fundamentais do capitalismo, para transformar o limitado marxismo do movimento operário tradicional num marxismo de classe média pós-moderno ainda mais limitado. Em vez de criar uma nova ideia de revolução e, assim, formar um pólo oposto à barbárie da crise, a esquerda iludida pelo culturalismo em parte fantasiou até mesmo o fascismo religioso islâmico como força susceptível de aliança (viva a diversidade) e, inversamente, deu espaço a um impulso estupidamente anti-semita, inimigo de Israel por princípio; a condizer com o enterro da crítica radical da economia política.

O que une o protesto não-de-esquerda com a pós-esquerda com ele boquiaberta é a justificação aparente da frase democrática com a frase existencialista. O que falta de ambos os lados é a crítica conscientemente antipolítica da esfera da regulação capitalista; só que o protesto é apolítico até à medula, enquanto a esquerda volta sempre a requentar de novo o politicismo mais batido e na crise ressocialdemocratiza-se com gosto para manter a sua inocência comprovada. Como reverso da mesma medalha, em toda a parte se fazem as honras a um revoltismo hostil à teoria (em França com coloração pós-situacionista), que julga poder evitar a renovação conceitual e analítica da crítica radical, atribuindo à falsa consciência das massas uma partida para novas fronteiras, em suplementos culturais entusiasmados.

A Insurreição Que Vem já aí está, mas o seu conteúdo é tão pobre como a situação em si, que ela em lado nenhum é capaz de transcender conceitualmente. Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário, esta verdade antiga precisa de ser reinventada para a situação historicamente mudada. É no desenvolvimento e disseminação de conteúdos inovadores de reflexão, na própria intervenção teórica, que reside hoje a resposta à questão do que fazer; não em pseudo-atividades inventadas, nem na actividade artesanal em pequenos mundos ilusórios resguardados, que ainda ficam trás dos movimentos de protesto. Somente quando estes se modificam a si mesmos, confrontando-se com a teoria reformulada e justamente assim se mediando consigo mesmos, só então eles deixam de funcionar no vazio. Não deixa de ser involuntariamente cómico que a esquerda parada ao lado volte a tematizar outra vez a “questão da organização” com grande vazio de conteúdo teórico e sem uma ruptura fundamental com o padrão de pensamento falido do antigo marxismo e da pós-modernidade. Isso já em 1968 correu horrivelmente mal.

A renovação teórica em atraso só pode visar negativamente o falso todo de modo essencialista e anti-relativista. Quem não quiser apreender e combater a totalidade capitalista já perdeu. A viragem culturalista e desconstrutivista levou a um impasse, porque pretendeu fazer esquecer a lógica objectivada do fetiche do capital para poder fazer desaparecer a crítica no design das particularidades. Deve-se, pelo contrário, provocar uma espécie de contenda do universalismo, que caracterize a abstracção categorial como referência essencial da realidade. Não será com a barriga nem com os pés que se tocará para as relações de crise a sua própria melodia.

Certamente que é necessário um esforço teórico de muitas forças a nível mundial para suplantar a paralisia da transcendência revolucionária. Não, porém, como gritaria pluralista burguesa, mas sim na determinação da questão geral, o capital mundial, e na batalha pela verdade teórica do tempo. A elaboração teórica da crítica da dissociação e do valor formulada no contexto da revista EXIT tenta contribuir para isso no espaço de língua alemã e para além dele. A crítica da relação de dissociação e valor também determinada sexualmente mostrou que não se trata da antiga exegese do capital na lógica da derivação; mas, justamente por isso, por maioria de razão é preciso insistir em sintetizar a totalidade do capital em si quebrada. Não temos para apresentar a pedra filosofal, mas a partir do foco da crítica da forma basilar e da localização histórica foram produzidas as primeiras abordagens duma transformação da teoria crítica. Quem com razão se queixa de que a elaboração teórica ainda não foi suficientemente desenvolvida e concretizada não deve deixar desaparecer as condições para isso. Sem apoio material nada feito, a produção teórica e a possibilidade da sua recepção independente não podem ser tidas por adquiridas. Impacientes e não só são convidados a ajudar a EXIT a "nadar contra a corrente".

Robert Kurz pela redacção da EXIT!, Janeiro de 2012
 Fonte:http://www.exit-online.org/



domingo, 15 de abril de 2012

A Cegueira da Esquerda Desenvolvimentista

O 'desenvolvimentismo de esquerda'Neste início do século XXI, parece que o “desenvolvimentismo de esquerda” estreitou tanto o seu “horizonte utópico”, que acabou se transformando numa ideologia tecnocrática, sem mais nenhuma capacidade de mobilização social. Como se a esquerda tivesse aprendido a navegar, mas ao mesmo tempo tivesse perdido a sua própria bússola.
No Brasil, a relação entre a esquerda e o desenvolvimentismo nunca foi simples nem linear. Sobretudo, depois do golpe militar de 1937, e do Estado Novo de Getulio Vargas, que foi autoritário e anti-comunista, mas foi também responsável pelos primeiros passos do “desenvolvimentismo militar e conservador”, que se manteve dominante, dentro do estado brasileiro, até 1985. Neste contexto, não é de estranhar que a esquerda em geral, e os comunistas em particular, só tenham mudado sua posição crítica com relação ao desenvolvimentismo, depois da morte de Vargas.

Não é fácil classificar idéias e hierarquizar instituições. Mas mesmo assim, é possível identificar pelo menos três instituições que tiveram um papel central, nos anos 50, na formulação das principais idéias e teses do chamado “desenvolvimentismo de esquerda”.

Em primeiro lugar, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que apoiou a eleição de JK, em 1955, mas só no seu V Congresso de 1958, conseguiu abandonar oficialmente a sua estratégia revolucionária, e assumir uma nova estratégia democrática de aliança de classes, a favor da “revolução burguesa” e da industrialização brasileira, que passam a ser classificadas como condição prévia e indispensável de uma futura revolução socialista.

Em segundo lugar, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), que foi criado em 1955, pelo Governo Café Filho, e que reuniu um numero expressivo e heterogêneo de intelectuais de esquerda que foram capazes de liderar uma ampla mobilização da intelectualidade, da juventude, e de amplos setores profissionais e tecnocráticos, em torno do seu projeto nacional- desenvolvimentista, para o Brasil.

Por fim, desde 1949, a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), produziu idéias, informações e projetos que influenciaram decisivamente o pensamento da esquerda desenvolvimentista brasileira. Mas apesar de sua importância para a esquerda, a CEPAL nunca foi uma instituição de esquerda.

Do ponto de vista político prático, no início da década de 60, a “esquerda desenvolvimentista” ocupou um lugar importante na luta pelas “reformas de base”, mas, ao mesmo tempo, se dividiu inteiramente, na discussão pública do Plano Trienal proposto pelo Ministro Celso Furtado, em 1963. Mas logo depois do golpe militar de 1964, a esquerda e o desenvolvimentismo voltaram a se divorciar, e sua distância aumentou depois que o regime militar retomou e aprofundou a estratégia desenvolvimentista do Estado Novo. Três dias depois do golpe, o ISEB foi fechado; o PCB voltou à ilegalidade e a própria CEPAL fez uma profunda auto-crítica de suas antigas teses desenvolvimentistas.

Mesmo assim, apesar destas condições políticas e intelectuais adversas, formou-se na Universidade de Campinas, no final dos anos 60, um centro de estudos econômicos que foi capaz de renovar as idéias e as interpretações clássicas – marxistas e nacionalistas -do desenvolvimento capitalista brasileiro.

A “escola campineira” partiu da crítica da economia política da CEPAL, e de uma releitura da teoria marxista da revolução burguesa, para postular a existência de várias trajetórias possíveis de desenvolvimento para um mesmo capitalismo nacional. Por isso, a escola campineira fez sua própria leitura e reinterpretação do caminho específico e tardio do capitalismo brasileiro e dos seus ciclos econômicos E, se posicionou favoravelmente à uma política desenvolvimentista capaz de levar a cabo os processos inacabados de centralização financeira e industrialização pesada, da economia brasileira.

Hoje, parece claro que a “época de ouro” da Escola de Campinas foi da década de 70, até a sua participação decisiva na formulação do Plano Cruzado, que fracassa em 1987. É verdade que logo depois do Cruzado, e durante a década de 90, a crise socialista e a avalanche neoliberal arquivaram todo e qualquer tipo de debate desenvolvimentista, independente do que passou em Campinas. Mas parece claro que a própria escola recuou, neste período. E dedicou-se cada vez mais ao estudo de políticas setoriais e específicas, e para a à formação cada vez mais rigorosa de economistas heterodoxos, e de quadros de governo.

Seja como for, a verdade é que – com raras exceções - depois do Plano Cruzado, a “escola campineira” perdeu sua capacidade de criação e inovação dos anos 70, e a maioria de suas idéias e intuições originárias acabaram se transformando em fórmulas escolásticas. Por isto, não é de estranhar que neste início do século XXI, quando o desenvolvimentismo e a escola campineira voltaram a ocupar um lugar de destaque no debate nacional, a sensação que fica da sua leitura, é que o “desenvolvimentismo de esquerda” estreitou tanto o seu “horizonte utópico”, que acabou se transformando numa ideologia tecnocrática, sem mais nenhuma capacidade de mobilização social. Como se a esquerda tivesse aprendido a navegar, mas ao mesmo tempo tivesse perdido a sua própria bússola.

José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
 

 

sábado, 14 de abril de 2012

A DIVIDOCRACIA ( Português)



 Os principais atores do documentário (cerca de 200 pessoas) assinam um pedido de criação de uma comissão internacional de auditoria, que teria por missão especificar os motivos da acumulação da dívida soberana e condenar os responsáveis. No caso vertente, a Grécia tem direito a recusar o reembolso da sua "dívida injustificada", ou seja, da dívida criada através de atos de corrupção contra o interesse da sociedade.

"Debtocracy" é uma ação política. Apresenta um ponto de vista sobre a análise dos acontecimentos que arrastaram a Grécia para uma situação preocupante. As opiniões vão todas no mesmo sentido, sem contraponto. Foi essa a opção dos autores, que apresentam a sua maneira de ver as coisas, logo nos primeiros minutos: "Em cerca de 40 anos, dois partidos, três famílias políticas e alguns grandes patrões levaram a Grécia à falência. Deixaram de pagar aos cidadãos para salvar os credores".
Os "cúmplices" da falência perderam o direito à palavra.

Os autores do documentário não dão a palavra àqueles que consideram "cúmplices" da falência. Os primeiros-ministros e ministros das Finanças gregos dos últimos dez anos são apresentados como elos de uma cadeia de cúmplices que arrastaram o país para o abismo.

O diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, que se apresentou aos gregos como o médico do país, é comparado ao ditador Georges Papadopoulos [primeiro-ministro sob o regime dos coronéis, de 1967 a 1974]. O paralelo é estabelecido com uma facilidade notável desde o início do documentário mas não é dado ao personagem relevante (DSK) o direito a usar da palavra.

À pergunta "Porque não fazer intervir as pessoas apontadas a dedo", um dos autores, Kateina Kitidi, responde que se trata de "uma pergunta que deve ser feita a muitos órgãos de comunicação que, nos últimos tempos, difundem permanentemente um único ponto de vista sobre a situação. Nós consideramos que estamos a apresentar uma abordagem diferente, que faz falta há muito tempo". O público garante a independência do filme.

Para o seu colega Aris Hatzistefanou, o que conta é a independência do documentário. "Não tínhamos outra hipótese", explica. "Para evitar as limitações quanto ao conteúdo do filme, que as empresas [de produção], as instituições ou os partidos teriam imposto, apelámos ao público para garantir as despesas de produção. Portanto, o documentário pertence aos nossos 'produtores associados', que fizeram donativos na Internet e é por isso que não há problemas de direitos. De qualquer modo, o nosso objetivo é difundi-lo o mais amplamente possível."

O documentário utiliza os exemplos do Equador e da Argentina para suportar o argumento segundo o qual o relatório de uma comissão de auditoria pode ser utilizado como instrumento de negociação, para eliminar uma parte da dívida e do congelamento dos salários e pensões de reforma.

"Tentamos pegar em exemplos de países como a Argentina e o Equador, que disseram não ao FMI e aos credores estrangeiros que, ainda que parcialmente, puseram de joelhos os cidadãos. Para tal, falámos com as pessoas que realizaram uma auditoria no Equador e provaram que uma grande parte da dívida era ilegal", acrescenta Katerina Kitidi. Contudo, "Debtocracy" evita sublinhar algumas diferenças de peso e evidentes entre o Equador e a Grécia. Entre elas, o facto de o Equador ter petróleo.

Fonte original do vídeo:
http://www.debtocracy.gr

Fonte da matéria utilizada para esta descrição:
http://www.presseurop.eu/pt/content/article/618481-debtocracy-o-julgamento-da...

domingo, 8 de abril de 2012

Perverso modelo econômico

“Há uma miséria maior do que morrer de fome
no deserto: é não ter o que comer na terra de Canaã”
José Américo de Almeida, A Bagaceira (1928)
 
O século XX, indiscutivelmente, nos legou grande êxito tecnológico, mas também, ao mesmo tempo, nos deixou como herança um total fracasso ético e social representado nas estatísticas perversas que dão conta de que todas as noites 900 milhões de pessoas vão se deitar com fome, e cinco milhões de crianças menores de 10 anos de idade, morrem todos os anos em decorrência da fome.
 
Se os homens da modernidade deseja mesmo continuar evoluindo, esta evolução somente fará sentido e terá plena e irrestrita validade quando perversidades como a morte pela fome ou por doenças dela decorrentes forem definitivamente banidas do planeta.
 
É a essa nova geração que cabe a principal tarefa do momento: pôr fim a essa perversidade, tal qual outra geração - de 150 anos passados – fez pondo fim à escravidão em diversas sociedades. De tempos em tempos, novas gerações têm construído as sociedades que não param de apresentar mudanças. Essas sociedades, é forçoso ressaltar, são “construídas” pelo livre pensar dos Homens, usando, para tanto, os pilares do sistema econômico, dos regimes políticos, da justiça, dos códigos do Direito, dos deveres e direitos dos cidadãos, dos princípios morais e também das ações dos governantes.
 
Nesse sentido, em especial pelo viés da atividade econômica, que tanto pode responder rapidamente pela expansão (melhoria) ou pela regressão (piora) do modo de vida das pessoas, é interessante notar que os modelos econômicos praticados atualmente tanto nos países desenvolvidos quanto nos mercados emergentes, precisam se descolar, primeiramente, de um falso argumento que permeia a teoria econômica: não é aumentando a riqueza daqueles que já tem muito que se conseguirá diminuir a pobreza daqueles que nada tem.
 
Em outras palavras, não se pode pensar nos caminhos que levam ao aumento da riqueza, ignorando, para isso, as possibilidades da redução de pobreza.
 
Igualmente é necessário romper, de forma definitiva, com o conceito dominante na ciência econômica tradicional que dá conta de que riqueza e pobreza devem ser medidas pelo mesmo padrão: o Produto Interno Bruto e a consequente renda per capita.
 
É fundamental que tenhamos a lucidez conceitual para verificarmos que crescimento econômico (elevação do PIB) não significa, de imediato, queda da pobreza, até mesmo porque medir riqueza pelo critério de PIB é um tremendo equívoco.
 
É certo, entretanto, que não se acaba com a pobreza crônica apenas gerando empregos e fazendo o produto interno se expandir. Elimina-se a pobreza, definitivamente, a partir da melhoria no sistema de saúde, tratando com qualidade à educação para oferecer educação com qualidade, melhorando as condições de higiene e alimentando adequadamente os mais pobres; portanto, proporcionando aos mais necessitados todas as básicas condições para o bem-estar.
 
O padrão de crescimento econômico das sociedades modernas não pode ser praticado, como temos presenciado, sob uma plataforma socialmente perversa que desrespeita o indivíduo, não privilegia as condições dignas de trabalho, faz uso inadequado dos recursos naturais, polui o ar que respiramos e que se centra, na prática, sob a ótica mercantil.
 
Nesse pormenor, as palavras de Amartya Sen – prêmio Nobel de economia - são exemplares: “Não se deve olhar o progresso de uma economia verificando o aumento da riqueza dos que já são ricos, mas na diminuição da pobreza daqueles que são muito pobres”.
 
A prática da economia solidária
 
Se realmente desejamos uma sociedade melhor, outro mundo precisa, urgentemente, ser “edificado” sob novos olhares. Especificamente sob o olhar de que a mudança é plausível e está ao nosso alcance. Não tenhamos dúvidas de que reflexão coletiva é irmã siamesa da ação participativa. Assim, mostrando primeiramente as feridas, poderemos chegar mediante ações à sua cicatrização.
 
É necessário conhecer (pensar) para compreender e, é compreendendo que empreenderemos as ações. O pensamento precede a ação, assim como o desejo (o querer) incita o fazer, o agir. Agindo, “forçaremos” a mudança e, mudando, certamente, progrediremos.
 
A Teologia nos ensina que o plano de Deus ao Homem é a sua perfeição. No entanto, quis a Providência Divina que ao próprio Homem coubesse escolher qual caminho percorrer.
 
Assim, os caminhos percorridos pela livre vontade humana foram se alargando e as vielas e atalhos, por conseqüência, se multiplicaram. Desvios de conduta, obstáculos e buracos pelas diversas estradas não faltaram (e não faltam). Eis porque, ainda hoje, por não estar trilhando o caminho correto, o Homem moderno parece conviver “pacificamente” com situações que, à luz do bom senso, aquele que esteja gozando plenamente de suas faculdades mentais jamais poderá admitir. Dentre elas, a existência de seres humanos vitimados pela ignominiosa situação que é a fome.
 
Para mudar essa situação, devemos agir. É nesse sentido que a economia solidária – uma nova maneira de “ver, pensar, sentir e fazer” economia vem ganhando destaque.
Conquanto, essa nova economia somente será solidária e ocupará espaço positivo à medida que um maior número de adeptos engrossarem as fileiras desse novo modelo econômico. De um modelo que respeita os padrões de produção sem agredir os recursos naturais, respeitando assim às gerações futuras.
 
Outrossim, estamos fazendo referência a um modelo que respeita e prioriza o trabalho não remunerado da mulher “dona do lar”, vendo nisso também uma atividade econômica produtiva e, acima de tudo, de um modelo que afirma positivamente o trabalho das organizações não governamentais. O modelo de economia solidária que desejamos ver ganhar maior dimensão respeita a geração presente, priorizando, valorizando e enaltecendo o ser humano em lugar de focar na acumulação de capital, típica da selvageria capitalista.
 
Por sinal, essa “selvageria capitalista”, ao longo dos últimos 200 anos, deu mostras mais que suficientes de que não foram (e não são) as relações igualitárias que prevaleceram (e que prevalecem), mas, sim, uma busca incansável pelo lucro, mesmo que a vida de milhões e milhões de pessoas sejam (e tenham sido) sacrificadas.
 
Por um novo sistema econômico
 
Por isso, um novo sistema econômico, solidário e participativo, mais ético e menos mercantil, precisa emergir para diminuir a abissal diferença entre o modo de viver dos mais ricos em relação aos mais pobres, até mesmo porque essa diferença já extrapolou todo e qualquer limite. Afinal, estamos num mundo em que vinte por cento da Humanidade não hesita em gastar três dólares por dia num simples cappuccino; enquanto, do outro lado, quase 40% da população mundial “tenta” viver com menos de dois dólares por dia.
 
Convivemos com um “modelo econômico” em que para manter uma vaca na Europa central são gastos quatro dólares por animal a cada dia. No entanto, por não receber nem dois dólares (menos da metade do que uma vaca “recebe” em forma de subsídio) por dia, três milhões de pessoas morrem por causa de malária todos os anos na África subsaariana.
 
A cada semana, a pobreza e suas “conseqüências” matam no continente africano o mesmo número de pessoas que foram dizimadas pelo tsunami que atingiu o sudeste asiático anos atrás. No entanto, a maior economia do mundo (EUA) gastou, apenas em 2007, US$ 547 bilhões em material bélico para manter suas tropas ocupando mais de 700 bases militares em mais de 110 países. Segundo o Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo, foi gasto pelos países mais ricos, somente em 2007, a importância de US$ 1,339 trilhão em armamentos (incluindo todos os tipos de armas). Isso representou 2,5% do PIB mundial.
 
E, por fim, cumpre dizer que para cada US$ 1 que a Organização das Nações Unidas (ONU) gasta em campanhas publicitárias para buscar a paz mundial, os três países ricos gastam, cada um, outros US$ 20 para promoverem guerras e destruições. Até onde e quando esse modelo econômico perverso continuará dando as cartas?
 
Por: Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor universitário. Mestre pela USP em Integração da América Latina, especialista em Política Internacional (FESP).

Quem é Judas Iscariotes?

Quero colocar como meditação do Sábado Santo ou de Aleluia, este texto que escrevi em 2007, no caso no dia 05 de Abril de 2007, sobre a figura deste personagem Judas Iscariotes.
                           
                                   Quem é Judas Iscariotes?
                             
  Todos os anos durante a Semana Santa e no Sábado Santo ou de Aleluia, após as dolorosas recordações da Paixão e Morte do Senhor, o povo de modo satírico, tem mania de malhar o Judas.
  A tradição esta originada na Idade Medieval quando a população saia as ruas, praças das cidades e aldeias para malhar o Judas, que era a personificação de algum desafeto das comunidades, como no caso de algum ladrão, político...
  Depois chegou ao Brasil, através dos colonizadores ibéricos, principalmente portugueses e açorianos, que após as penitencias da Quaresma e as lamentações da Paixão, caiam em alegria ou vingança pela morte de Jesus, por assumir a culpa pela sua crucificação por causa dos nossos pecados.
  Na Bíblia encontramos 15 referencias á este personagem, que foi um dos integrantes do colégio apóstolico, na qual na lista esta Judas Iscariotes " aquele que traiu ou entregou", o porta bolsa, que com um beijo traiu Jesus e depois se enforcou.
  Se chegou até absolver a sua figura e ato, como sendo um pedido de Jesus para realizar o plano de Salvação, onde á vitima se torna ré e o réu se converte em herói, seguindo á famosa cultura da impunidade brasileira.
  Mas afinal que é Judas Iscariotes, o décimo segundo discípulo?
  Judas Iscariotes,nada mais é do que cada um de nós, eu e você que lê este texto, nós somos Judas, pois traímos Jesus de diversas formas e atos, pode ser por trinta moedas de prata( Mt 26,15:Mc14,10-11;Lc 22,5) e um beijo( Lc 22,47-48;Mc 14,44-45;Mt 26,48-49), como fez o traidor.
  Mas as formas de trair podemos usar de diversas formas, desde usar a Palavra de Deus para justificar a dominação, exploração e a violência, ouvir e saber o Evangelho e não por em prática.
  Traímos Jesus quando banalizamos a violência, a morte sem sentido de milhares de inocentes, acumulação de riquezas, enquanto 800 milhões vivem na miséria e na pobreza e do outro lado se esbanja dinheiro e alimentos em futilidades e se fala que isso é normal e sempre existiu.
  Se usa o nome de Deus e a religião para matar e fabricar armas que destruira o semelhante, para destruir e poluir a natureza e o planeta a nossa comum, explorar e cometer fraudes, fazer juramentos falsos que prejudicam os mais pobres e excluidos, os pequenos de Jesus, aqueles em que a face sofredora do Mestre se espelha ( Mt 25,31-46; Is 52,13-53,1-12).
  Os casamentos de fachadas e amizades sem amor e respeito para com o próximo, á hipocresia que fere e que mata, o homem espiritualmente e corporalmente.
  Este é o Judas Iscariotes que mora em nós e que procuramos esconder no nosso dia a dia, através de atos que gostamos de atribuir ao demônio e aos seus anjos decaídos que vagam por ai.
 Todos os dias e momentos de nossa vida vendemos, traímos, crucificamos e matamos Jesus,desde os nossos pecados leves até os grandes que brandam os céus que nós temos medo de revelar no Sacramento da Penitência, como medo do sacerdote nos olhar com indiferença.
  Talvez a malhação de Judas, seja á nossa forma de exorcisar e penitenciar este personagem bíblico, que vive no nosso interior, onde o boneco se torna na nossa brincadeira o lado mal que temos e que queremos nos livrar.
  E esta é a forma que conseguimos para livrar-nos da culpa da morte de Jesus que morre todos os dias e que teimosamente Ressuscita para nos apontar o caminho da Salvação e Redenção.
____________-
  Por:Júlio Lázaro Torma
  Membro da Equipe da Pastoral Operária da Arquidiocese de Pelotas/ RS
 Colaborador deste Blog

sexta-feira, 6 de abril de 2012

O DIA EM QUE O MORRO DESCER E NÃO FOR CARNAVAL


 
O dia em que o morro descer e não for carnaval 
ninguém vai ficar pra assistir o desfile final 
na entrada rajada de fogos pra quem nunca viu 
vai ser de escopeta, metralha, granada e fuzil 
(é a guerra civil) 
No dia em que o morro descer e não for carnaval 
não vai nem dar tempo de ter o ensaio geral 
e cada uma ala da escola será uma quadrilha 
a evolução já vai ser de guerrilha 
e a alegoria um tremendo arsenal 
o tema do enredo vai ser a cidade partida 
no dia em que o couro comer na avenida 
se o morro descer e não for carnaval 
O povo virá de cortiço, alagado e favela 
mostrando a miséria sobre a passarela 
sem a fantasia que sai no jornal 
vai ser uma única escola, uma só bateria 
quem vai ser jurado? Ninguém gostaria 
que desfile assim não vai ter nada igual 
Não tem órgão oficial, nem governo, nem Liga 
nem autoridade que compre essa briga 
ninguém sabe a força desse pessoal 
melhor é o Poder devolver à esse povo a alegria 
senão todo mundo vai sambar no dia 
em que o morro descer e não for carnaval

 
(Wilson das Neves / Paulo Sérgio Pinheiro)

 

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Gilmar Mauro: ‘Movimentos sociais, partidos de esquerda, todos, estamos a reboque do grande capital e do Estado brasileiro’



Como em poucos momentos da história, o Brasil vive um agitado período de lutas políticas em torno do acesso e domínio de suas terras, com intensas pressões sobre as legislações ambientais e fundiárias. Enquanto o Senado aprova a proposta ruralista de um novo código florestal, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprova a PEC 15, que transfere do Poder Executivo ao Congresso o poder de decisão sobre a homologação de terras indígenas e quilombolas.

Em uma análise do atual contexto político, Gilmar Mauro, dirigente do MST, afirma ao Correio que o momento é parte das tradicionais ofensivas capitalistas, que visam avançar sobre novas fronteiras econômicas e suas férteis terras - ao mesmo tempo em que a esquerda se encontra em grande refluxo, de modo “que apenas age reativamente, corre atrás do prejuízo após a direita tomar iniciativas políticas, em geral, perdendo”.
A condução da política econômica focada nos interesses do ‘agrobusiness’ exportador, altamente desestimulante para os investimentos produtivos e industriais (estão aí os dados de nossa ‘desindustrialização para comprovar), corre ao lado de uma reforma agrária a cada dia mais excluída da pauta política. Gilmar Mauro refuta, no entanto, as críticas que sugerem passividade do movimento em relação ao governo petista, lembrando que o MST está “no mesmo patamar de mobilização da época de FHC, com 80, 90 mil famílias acampadas pelo país”.
Realista, ele ressalta a importância da atual jornada de luta camponesa, incluindo as de outros movimentos, mas prefere não alimentar ilusões de grandes mudanças e conquistas populares para o ano. De todo modo, afirma que há muito tempo o movimento camponês não convergia em torno de pautas e cobranças políticas similares.
Como exemplo do atual momento crítico que vivemos, cita a determinação de Dilma Rousseff de não permitir desapropriações que custem mais de 100 mil reais por família. “Ou derrotamos e destruímos essa proposta da Dilma, ou não tem mais assentamento no centro-sul do país”. Com esse novo e desconhecido golpe que se pretende aplicar à reforma agrária – em um país que gasta 48% de seu orçamento com juros da dívida e 0,22% com reforma agrária -, fica notório que a troca de ministro do Desenvolvimento Agrário tende a ter valor prático nulo, como lembra Gilmar Mauro.
-
Correio da Cidadania: As grandes questões ambientais, agrárias e sociais parecem tratadas de modo cada dia mais raso pelos governantes e pela mídia. Ao mesmo tempo, é notória a efervescência com que o país aparece aos olhos do público, com os números de um agronegócio galopante e com o interesse das multinacionais e grandes corporações em entrar no país, comprando terras e investindo pesado, basicamente, na especulação financeira. Como este cenário vai se associar, daqui em diante, com uma das demandas sociais mais básicas em nosso país, a reforma agrária?
Gilmar Mauro: Toda a lógica apresentada não é nova, mas antiga, e evidentemente aprofunda uma característica histórica de nosso país, a de ser exportador de produtos primários. Faz parte de uma lógica econômica de tentar saldos positivos na balança comercial para se equilibrar no balanço de pagamentos, coisa que por sinal tampouco tem se conseguido. Embora eventualmente o Brasil tenha saldos positivos no balanço comercial, o déficit em conta corrente é altíssimo, fruto de um processo de endividamento externo especulativo, sugando anualmente bilhões e bilhões dos cofres públicos e, consequentemente, da população.
Com isso, a reforma agrária está fora de pauta, fora da agenda. A lógica do modelo econômico é o desenvolvimento do agronegócio. Mesmo em relação à pequena produção, vimos a proposta do governo, no sentido de propor o empreendedorismo rural, uma espécie de “agronegocinho”, integrado aos grandes grupos econômicos, às grandes agroindústrias, ou produzindo para o mercado interno.
Dessa forma, dentro de tal política do governo, podem ser integrados mais uns 2 milhões de pequenos agricultores, da chamada agricultura familiar, para dentro deste modelo. E o restante, a grande maioria, mais uns 2, 3 milhões de famílias, mais os assentamentos, fica com o Bolsa família, compensações sociais etc., mas nenhuma perspectiva dentro de tal modelo.
Concluindo, a reforma agrária agora depende de um debate político da sociedade. Se a sociedade quiser dar esse uso que o Brasil vem dando à terra, à água, aos recursos naturais, não cabe mais a reforma agrária. Se a sociedade brasileira quiser consumir esse tipo de alimento, não precisa mais de reforma agrária.
Se quisermos dar outro uso à água, ao solo, aos recursos naturais e comer outro tipo de comida, a reforma agrária é um dos projetos modernos a serem implantados no país, o que evidentemente exige um novo modelo agrícola. É o debate que a sociedade precisa abrir.
Correio da Cidadania: Os números apresentados em relação à reforma agrária em 2011 denotam, portanto, realmente, que o governo Dilma pouco se empenhará no sentido de promovê-la?
Gilmar Mauro: São números pífios! Como sempre foram os resultados da reforma agrária no Brasil, que praticamente inexiste. Aliás, nunca existiu reforma agrária. Nós temos é política de assentamento. E cada vez menor. Os números de 2011 refletem esse cenário, de uma política de assentamento de menor intensidade, com menos recursos, nenhuma prioridade do governo aos resultados. É o reflexo da política que vem sendo aplicada no último período político.
Não acredito que a presidente Dilma se empenhe na questão. Ao menos é o que tem mostrado, ficando muito mais preocupada com a macroeconomia e sua atual lógica de condução, calcada na exportação de commodities agrícolas.
Aliás, todo o desenvolvimento econômico brasileiro está alavancado em três eixos: a demanda externa dos últimos 10 anos por commodities agrícolas e minerais, que as valorizou e valorizou também as próprias terras; em segundo lugar, grandes injeções de recursos públicos, principalmente via BNDES, patrocinando fusões de grandes empresas que se transformam em transnacionais - injeções realmente grandes financiadas pelo povo brasileiro; e em terceiro lugar, os investimentos que o Estado tem feito em grandes obras de infraestrutura, dos megaeventos, do PAC.
Outro ingrediente que sustentou o crescimento dos últimos anos foi o endividamento das famílias brasileiras, com a abertura do crédito para consumo, a antecipação do consumo, tanto de automóveis como da linha branca. Mas esse modelo econômico tem limites, todo mundo sabe disso. Não dá pra prever a data e a hora da crise, mas ela virá, certamente.
Portanto, dentro do atual cenário macroeconômico (a real preocupação do governo Dilma), a reforma agrária, claro, está fora das prioridades.
Correio da Cidadania: A propósito, em face do atual troca-troca de ministros em um governo de ‘composição’, cada dia mais refém do fisiologismo parlamentar e das imposições midiáticas, qual o significado da troca do ministro do Desenvolvimento Agrário realizada nesses dias, em que Pepe Vargas ocupou o lugar de Afonso Florence?
Gilmar Mauro: Do ponto de vista pessoal, não conheço muito o Pepe Vargas, porém, ele deve entender mais de reforma agrária que o anterior, que não entendia nada.
Mas, de toda forma, sendo objetivo na avaliação, não vai se alterar muito o cenário da reforma agrária. Não é a pessoa, um só ministro, que vai mudar isso. É a política de governo, e quem a determina é a Dilma.
Prova disso é a determinação da Dilma de não fazer assentamento onde a terra custe mais de 100 mil reais por família. Ora, com o preço das terras em São Paulo, no Sul, no Centro-Oeste, não haverá mais desapropriação. Com isso, a presidente altera a Constituição, a qual estabelece que a terra que não cumpre sua função social deve ser desapropriada para fins de reforma agrária, dando lugar a uma medida administrativa, econômica, estabelecendo que o custo por família assentada não pode passar de 100 mil reais. Portanto, não tem mais desapropriação no centro-sul do nosso país.
Correio da Cidadania: Houve informações de que o principal fator a convencer Dilma de trocar o ministro foram informes da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) acerca da grande insatisfação do movimento, e o medo de sua radicalização. Elas são verídicas?
Gilmar Mauro: Que há uma grande insatisfação do MST, e também de outros movimentos, é evidente. Claro, com um ministro da reforma agrária que não entendia do assunto, nada se encaminhava.
Mas a insatisfação não era só com essa pessoa, e sim com o fato de que o Brasil usa 48% de seu orçamento para juros e amortizações da dívida e somente 0,22% para reforma agrária. Esse é o motivo de insatisfação.
Em termos de radicalização, o movimento apenas continua fazendo lutas, estamos no mesmo nível em que estávamos no governo FHC, com 80, 90 mil famílias acampadas em todo o Brasil. Houve um período, logo que o Lula entrou, quando o povo achava que ele avançaria na reforma agrária, que as famílias acamparam em maior número. Mas hoje temos em torno de 80 ou 90 mil famílias.
Continuamos fazendo ocupação, luta, sem ilusão de que vão resolver o problema da reforma agrária. Porém, não deixaremos de fazê-lo, pois é preciso colocar o debate para a sociedade, para outros setores, categorias.
Fora isso, também vivemos um momento de poucas lutas sociais. Aquelas que ocorrem são bastante corporativas, calcadas em reivindicações econômicas, seja do movimento sindical, seja do movimento social. Um cenário difícil para todo o movimento social, a esquerda, os setores progressistas. Mas o nosso movimento vai continuar fazendo o que sempre fez. O ingrediente principal é ampliar o debate no conjunto da sociedade.
Correio da Cidadania: Mas o que pensa desse expediente de infiltração de agentes do Estado nos movimentos sociais?
Gilmar Mauro: Quanto à participação da ABIN, deve ser falta do que fazer, deve faltar serviço lá. Mas, historicamente, sempre fizeram isso conosco. Não só os serviços internos, como também a CIA. Portanto, estamos vacinados com relação a eles, além de ser de fato uma falta do que fazer.
Porém, não acredito que a mudança do ministro seja resultado de tal diagnóstico da ABIN. Essa insatisfação já foi mostrada por vários setores em diversas reuniões. Inclusive, estamos conseguindo reunir uma pauta comum entre vários movimentos sociais, algo inédita no último período, com a participação de Contag, Fetraf e outros movimentos, na perspectiva de realizarmos um encontro nacional de movimentos camponeses, uma espécie de congresso camponês no Brasil. E é a primeira vez, pelo menos nos últimos dez anos, que conseguimos juntar todo esse povo numa pauta em comum.
Sendo assim, acredito muito mais nesses fatores do que nas informações vindas de agências como a ABIN.
Correio da Cidadania: De toda forma, a Abin e outros órgãos do Estado também dedicam seus serviços a investigar as milícias do campo contratadas pelo latifúndio, promotoras de permanente violência, chegando muitas vezes a assassinatos, ou sua atuação reitera o caráter de classe e de discriminação social do Estado?
Gilmar Mauro: Aí tem uma questão importante a ressaltar. Historicamente, sempre houve violência, ora com o viés mais coercitivo, ora desenvolvendo processos de geração de consensos na sociedade. E acredito que o atual momento seja de intensificação de ambos. Um momento de ampliação dos instrumentos de produção de consenso social, e aumento também do uso de instrumentos coercitivos, basta observar os últimos despejos ocorridos em São Paulo.
Mas a tentativa deles, do Estado e da sociedade de classes, é produzir consensos na sociedade que justifiquem processos de coerção; o episódio Cutrale foi isso, a entrada nos morros do Rio de Janeiro também, e assim por diante.
Este é o momento que vivemos, e não é uma particularidade brasileira, e sim uma realidade mundial. À medida que o capitalismo enfrenta dificuldades econômicas e entra em crise, é evidente que o aparelho repressivo dos Estados entra em ação, não sendo diferente o caso brasileiro.
Correio da Cidadania: Como você avalia a recente jornada de lutas das mulheres camponesas e a importância deste tipo de mobilização encabeçada por elas? A marcha das mulheres prenuncia algo para a jornada de lutas do Abril Vermelho?
Gilmar Mauro: Nós iniciamos no começo do ano um processo de luta com várias ocupações. Na jornada em solidariedade aos companheiros do Pinheirinho, levamos 11 ônibus com militantes, quatro caminhões de comida. Agora, colocamos em mobilização por todo o Brasil milhares de mulheres. Em São Paulo, houve paralisações em todas as regiões, envolvendo centenas e centenas de mulheres. E vamos continuar assim na jornada de abril, que estará calcada fundamentalmente na reforma agrária. Ou a gente destrói e derrota essa proposta da Dilma de que terra acima de 100 mil reais por família não deve ser desapropriada, ou a política de assentamentos continuará fora da pauta política.
Assim, estamos iniciando bem o ano, com as forças que temos, com as dificuldades que temos, as quais, como eu disse, são dificuldades do conjunto da esquerda e do movimento social. Mas acho que será um ano de muitas lutas, muitas mobilizações, e principalmente, na minha expectativa, de construções políticas com outros setores da classe trabalhadora, a exemplo do que está acontecendo com o movimento camponês.
Portanto, acho este um ano promissor em termos de lutas sociais, principalmente dos movimentos do campo. E outros setores estão dando os mesmos indicativos, como os professores. Na semana passada, acabou a jornada nacional do MAB, com participação do MST, e agora vem o Abril Vermelho, uma jornada que espero que seja bem grande em nível nacional.
Correio da Cidadania: Qual o significado deste tipo de manifestações na atual conjuntura política e econômica, dominada pelo entrelaçamento do capital fundiário ao financeiro, com a agricultura praticamente refém de grandes grupos econômicos? Que conseqüências efetivas se podem esperar destas manifestações neste contexto?
Gilmar Mauro: Eu não crio ilusões. O capital é o capital, na indústria, no comércio, no sistema financeiro ou na agricultura. A agricultura é só mais um espaço para a sua valorização. E o capital investe muito no Brasil porque está ganhando muito, e vai continuar a fazer isso.
Já a minha falta de ilusão é em relação às manifestações da classe trabalhadora. Creio que a grande maioria das mobilizações da classe trabalhadora se resume a reivindicações de ordem econômica. O movimento sindical em geral e a classe trabalhadora em geral lutam por aumento de salário, Participação nos Lucros e Resultados (PLR) etc. Claro que há outras reivindicações também, significativas, porém, ainda bastante calcadas na luta econômica.
Assim, acredito que o próximo período ainda será marcado por esse tipo de mobilizações, aliás, no mundo inteiro. As mobilizações na Europa são importantes, mas também não tenho dúvida de que estão calcadas nas importantes perdas sofridas pela classe trabalhadora no último período. Não está posta a luta pelo socialismo na Europa, por exemplo. Ao menos com força popular.  O caso do Oriente Médio, nos países árabes, é semelhante, pois são muito mais lutas democráticas do que anti-sistêmicas. O Brasil não foge à regra, as lutas são muito mais econômicas do que por mudanças políticas e anti-sistêmicas. Nesse sentido, ocorrerão mais lutas, até mais greves do que ultimamente, porque o Brasil ainda vive esse período, não tem pleno emprego, mas ainda tem muitas possibilidades.
De toda forma, creio que devemos nos preparar para um longo período. O próprio Plínio Arruda Sampaio (ex-presidente da Associação Brasileira da Reforma Agrária) já disse que temos de nos preparar para uma maratona. Não dá pra pensar em corrida de 100 metros. Eu vejo, tranquilamente, de maneira igual. Os momentos de luta da classe trabalhadora são esparsos, sazonais, às vezes sai só uma greve no ano, e com a luta bastante calcada no aspecto econômico.
Porém, enquanto existir capitalismo, a classe trabalhadora vai bater cartão de dia e de noite. Temos de ir nos fortalecendo em relação às organizações, movimentos. Não se trata de fortalecer indivíduos, fomentar mais divisões, e sim de fazer esforços em favor das organizações e lutas conjuntas, ainda marcadas pelo viés econômico, mas visando politizá-las, discutir os processos vividos. Em alguns cantos, o processo de politização é mais rápido, em outros, mais lento, mas existe o aprendizado coletivo, tanto em relação ao que é esse governo, ao que é o Estado, como à lógica do capital. Nesse sentido, muitas organizações sociais têm evoluído.
Correio da Cidadania: O que implicaria, na atualidade, e a seu ver, uma autêntica e renovada discussão sobre reforma agrária? Quais seriam, ao mesmo tempo, eventuais novas estratégias para levá-la a cabo?
Gilmar Mauro: Eu dividiria a tarefa em duas partes. A primeira é a da resistência. É importante segurar a bandeira em pé, isso é o fundamental. Em tempos de crise é mais fácil sair xingando todo mundo e começar a promover novas rachaduras, sendo que muitos setores da esquerda não conseguem falar com o conjunto da classe trabalhadora, voltando-se a elas mesmas e gerando uma digladiação interna que só gera fragmentação. E assim nem precisa de direita. Manter as bandeiras em pé e resistir a esse tempo histórico é fundamental.
Em segundo lugar, do ponto de vista estratégico, como já comentamos em parte, é preciso fazer um amplo debate na classe trabalhadora sobre o que é o modelo econômico. No nosso caso, o modelo agrícola, colocando em pauta o questionamento a respeito de quem nossas terras estão a serviço, a que custo isso tudo está sendo produzido, com a destruição ambiental, degradação da água, das reservas florestais etc., além do tipo de comida que nossa sociedade quer consumir. Tudo para promover um debate politizado de que é preciso pensar num novo modelo agrícola, que respeite o meio ambiente, produza alimentos, matérias-primas, empregos e condições de vida com novos paradigmas tecnológicos e produtivos.
Para fazer isso, evidentemente, não tenho ilusões, é preciso outro Estado. É preciso outro governo, e isso não depende só de nós. Aliás, para fazer reforma urbana também precisa de outro Estado, outro governo. Porém, tudo acaba recaindo na correlação de forças e avanço do conjunto de setores da classe trabalhadora, o que é o nosso desafio e também de toda a esquerda que acredita e quer mudanças profundas em nosso país.
Enfim, nesse tempo de resistência, é preciso continuar investindo na formação político-ideológica e rever a organização. Enfatizo a organização, pois, como a classe não vive lutando - quem trabalha vive trabalhando, e só luta todo dia quem não trabalha -, caímos no problema da importância da organização, com memória histórica, preparadora de novas lutas, formadora de novos militantes, inclusive com a tarefa da conspiração, no bom sentido, política da classe trabalhadora. É mais que necessário fortalecer as organizações sociais.
Correio da Cidadania: Na época da eleição de 2010, pouco antes da vitória de Dilma, você nos concedeu entrevista na qual reiterava que o Movimento dos Sem Terra não seria refém deste governo, a despeito de não haver tomado partido de nenhum candidato naquele momento. Você acredita que o movimento venha tendo posturas condizentes com essa afirmação?
Gilmar Mauro: Acredito que sim. O MST não é refém de nenhum governo e nem será, muito pelo contrário. Mas é preciso dizer umas coisas. Conversando com sindicalistas, ouço que “o MST não está fazendo muita luta, e não sei que...”, mas devolvo lembrando que estamos no mesmo patamar da época do FHC, replicando com a pergunta: “nas greves do movimento sindical qual é a pauta? Vocês têm pautado a desapropriação das fábricas? As greves não são pra melhorar o salário e PLR? As negociações são com quem? Com o próprio patrão?”.
Com o MST é o contrário. Nós ocupamos o latifúndio e não negociamos com o latifundiário. Negociamos com o governo, com o Estado brasileiro, e reivindicamos que o desaproprie. Assim, é evidente que, embora façamos uma luta radical, a ocupação da terra etc., no fundo fazemos uma luta radical para que a terra seja desapropriada e aí sim legalizada, institucionalizando a ação do nosso movimento. Que seja legalizada para novas famílias assentadas, pois é a única forma de terem acesso aos créditos e outras coisas. Isso porque não temos força para tomar e distribuir o latifúndio por conta própria e fazer a reforma agrária por conta própria. Por isso, na nossa luta, ocupa-se e negocia-se. Nela, vemos o governo brasileiro como o canal da nossa negociação, assim como o sindicato negocia com o patrão que é o dono da fábrica. Portanto, neste contexto, a única diferença é que lutamos pela desapropriação e o sindicato por melhores salários.
Fiz essa reflexão para chegar a outra: quando se parou uma fábrica e o conjunto de seus trabalhadores veio para uma ocupação nossa? Quem vem para as ocupações é a representação política da categoria, do sindicato, o que é importante, mas já paramos nossa produção inteira para prestar solidariedade a outros setores da classe trabalhadora.
Não estou dizendo isso para defender que o MST seja melhor que outros setores, e sim que o estágio da luta ainda se encontra fundamentalmente em torno de lutas econômicas. E aí tenho clareza de uma coisa: uma organização que não responde às necessidades de sua categoria perde o sentido e razão de ser para a sua categoria. Portanto, o MST vai ter que conjugar a necessidade da sua base, a luta pela terra, a lona, a cesta básica, o crédito, mas, concomitantemente, terá de investir na formação político-ideológica, fazendo todas as lutas. Esse é o grande desafio de ser um dirigente do MST no atual momento histórico, a meu ver.
Correio da Cidadania: Ao lado da reforma agrária, mais fora da pauta da grande mídia bem como da agenda governamental, estamos diante das intensas discussões e polêmicas em torno do Código Florestal. O que tem a dizer do imbróglio em que se tornou esta reforma e como ela está associada ao destacado boom de ‘expansão capitalista’ no Brasil e ao tema da reforma agrária?
Gilmar Mauro: Essa é a tentativa deles: avançar nas terras brasileiras e na destruição do que ainda resta de preservação ambiental. É o papel deles no jogo. O que impressiona é ver setores da esquerda – se é que se pode chamar de esquerda -, progressistas, entrarem nessa, inclusive setores da igreja, com um discurso econômico em defesa do modelo atual.
De nossa parte, estamos em campanha contra os agrotóxicos, um debate que a meu ver envolveu e entrou na sociedade. Se for aprovado esse Código Florestal, será goela abaixo, porque há sinais claros na sociedade de que a maioria dos brasileiros é contra a sua aprovação.
Enfim, é o rolo compressor do modelo econômico aplicado no país, mas os impactos da aprovação do código, evidentemente, serão muitos.
Correio da Cidadania: E já há informações de que a presidente poderá vetar o novo texto do Código tal como votado no Senado. Porém, novos decretos viriam a modificar este modelo anterior, de modo a atender às expectativas da bancada ruralista. O que deve ser o desenrolar final desse processo em sua opinião?
Gilmar Mauro: Eu não gosto de fazer projeções, pois seriam mais especulações subjetivas. Em minha opinião, se a Dilma vetar, ótimo. Só não sei se tem tempo pra isso, se o fará de fato, é disso que não tenho nenhuma segurança. Acho difícil ficar apelando agora, “veta, Dilma, veta, Dilma!”. Sei lá, é muito difícil. Tomara que isso ocorra, seria uma medida importante, mas não tenho certeza e nem apostaria minhas fichas nisso. Mas, se vetar, dará mais força para a sociedade continuar se mobilizando. Não acho que facilitaria subterfúgios posteriores.
Na verdade, para ser honesto, tenho que dizer que os movimentos sociais, os partidos de esquerda, todos, estamos a reboque – a reboque – do grande capital e do Estado brasileiro. E estamos agindo reativamente, esse é o nosso problema, e não é só do MST. Estamos sempre correndo atrás das iniciativas que eles tomam. E normalmente perdendo.
Esse é o balanço que precisa ser feito, inclusive para fugir à arrogância de que cada um tem uma verdade, absoluta. É preciso dizer que estamos todos ferrados, pra não usar outra expressão. E se não tomarmos consciência da necessidade de se fazerem lutas com perspectiva de unificação, vamos perder em todas as frentes, nas quais só estamos correndo atrás do prejuízo. Estamos com dificuldade de ter uma estratégia própria e tomar iniciativas. O caso do Código Florestal é evidente, mas é só um. Há a Transposição do São Francisco, os transgênicos... Estamos sempre correndo atrás, e pior, perdendo, como disse.
Correio da Cidadania: Acredita que o descaso com as questões agrárias, sociais e ambientais, ao lado da hegemonia do agronegócio, com seu modelo de exploração dos recursos naturais e o pesado lobby que vem fazendo para desmantelar o Código Florestal, poderão levar a uma radicalização dos movimentos sociais, inclusive do MST, nos próximos tempos?
Gilmar Mauro: Não é uma questão de vontade. Meu desejo é fazer a revolução... Mas não posso cair no subjetivismo. Volto a ressaltar que a classe trabalhadora está numa fase de lutas com reivindicações econômicas. Eu não acredito em processos mais intensos do que esse. Tomara que esteja equivocado, mas não vou semear ilusões num meio de comunicação. Acho que estamos num tempo difícil e, mesmo com tais medidas, na sociedade brasileira as lutas ainda estão sendo marcadas pelo economicismo.
E se eu tenho convicção de uma coisa hoje, é a seguinte: não existe a menor possibilidade de fazer a revolução pela classe. Ou a própria classe faz a revolução ou não haverá um grupo que a fará por ela. Portanto, é momento de ter essa consciência histórica, trabalhar, trabalhar e trabalhar, e talvez a gente consiga superar para o próximo período o atual momento de fragmentação e dificuldades.
Acho que a crise econômica internacional, que certamente virá para cá, pode nos ajudar. Se agora não tivermos sabedoria sobre como nos posicionar e onde queremos estar quando a crise vier – e sem dúvida, virá – para darmos um salto de qualidade, talvez possamos ir mais para trás ainda. Não acredito que neste ano acontecerão grandes coisas. Tomara, tomara que sim, mas não quero plantar grandes ilusões.
Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

O mundo maravilhoso do capitalismo


A busca da verdade política sempre será uma tarefa dura, mesmo em nossos tempos, quando a ciência pôs em nossas mãos um grande número de conhecimentos. Um dos mais importantes foi conhecer e estudar o fabuloso poder da energia contida na matéria.

O descobridor dessa energia e seu possível emprego foi um homem pacífico e bonachão que, apesar de seu repúdio à violência e à guerra, solicitou seu desenvolvimento aos Estados Unidos, então presidido por Franklin D. Roosevelt, de conhecida posição antifascista, líder de um país capitalista em profunda crise, que tinha contribuído para salvar com fortes medidas que mereceram o ódio da extrema direita de sua própria classe. Hoje esse Estado impõe ao mundo a mais brutal e perigosa tirania que nossa frágil espécie já conheceu.
Os despachos procedentes dos Estados Unidos e seus aliados da Otan se referem aos crimes cometidos por eles e seus cúmplices. As cidades mais importantes dos Estados Unidos e da Europa refletem constantes batalhas campais entre os manifestantes e a polícia bem treinada e alimentada, com carros blindados e escafandros, distribuindo golpes, pontapés e gases contra mulheres e homens, torcendo mãos e pescoços de jovens e velhos, mostrando ao mundo as covardes ações que são cometidas contra os direitos e a vida dos cidadãos de seus próprios países.
Até quando podem durar semelhantes barbaridades?
Para não ser extenso, já que estas tragédias irão sendo apresentadas cada vez mais pela televisão e a imprensa em geral, e serão como o pão que a cada dia se nega aos que menos têm, citarei o despacho recebido hoje, de uma importante agência de notícias ocidental:
"Boa parte das costas japonesas do Pacífico poderiam ficar inundadas por uma onda gigantesca superior a 34 metros se se produzisse um terremoto poderoso, segundo os cálculos revisados de um painel do governo.
Qualquer tsunami desencadeado por um terremoto de magnitude 9 na depressão de Nankai, que vai desde a principal ilha japonesa de Honshu até a ilha sulista de Kyushu, poderia alcançar os 34 metros de altura, assinalou o comitê.
Um cálculo anterior em 2003 estimava que a altura máxima de tal onda seria inferior aos 20 metros.
A usina de Fukushima tinha sido projetada para resistir a um tsunami de 6 metros, menos da metade da altura da onda que a impactou em 11 de março de 2011."
Mas não há razões para preocupação. Outro despacho, datado 30 de março, pode nos tranquilizar. Procede de um meio realmente bem informado. Sintetizarei em breves palavras: "Se você fosse jogador de futebol, xeique árabe ou executivo de uma grande multinacional, que tipo de tecnología lhe faria suspirar?
Recentemente, umas conhecidas lojas de luxo em Londres inauguraram uma seção inteira dedicada a amantes da tecnologia com carteiras abarrotadas.
Televisores de um milhão de dólares, câmeras de vídeo Ferrari e submarinos individuais são alguns dos fetiches para fazer as delícias do milionário.
O televisor de um milhão de dólares é a joia da coroa.
No caso da Apple, a empresa se compromete a entregar seus novos produtos no mesmo dia do lançamento no mercado.
Imaginemos que saimos de nossa mansão e já estamos cansados de rondar por aí com nosso iate, limousine, helicóptero ou jet. Ainda nos resta a opção de comprar um submarino individual ou para duas pessoas."
A oferta prossegue com celulares com capa de aço inoxidável, processador de 1,2 Gigahertz e 8 Gigas de memória, tecnologia NFC para realizar pagamentos através do celular, câmera de vídeo de marca Ferrari.
É verdade, compatriotas, que o capitalismo é uma coisa maravilhosa! Talvez nós sejamos culpados de que cada cidadão não tenha um submarino particular na praia.
Foram eles e não eu quem misturou no mesmo saco os xeiques árabes e os executivos das grandes transnacionais com os jogadores de futebol. Pelo menos estes últimos entretêm milhões de pessoas e não são inimigos de Cuba. Devo esclarecê-lo.

Fidel Castro Ruz
1º de abril de 2012, às 20h35

Fonte:  Reflexões do companheiro Fidel

O mito do consumo responsável




Um dos mitos propagandeado pelos diáconos do capitalismo e apropriado acriticamente por muitas ONGs é o do consumo responsável. Este mito diz-nos que podemos mudar o mundo pelo consumo, usando o nosso dinheiro para “votar” em produtos ecológicos. Assim se transfere a responsabilidade pela crise ecológica dos produtores para os consumidores e se cria a ilusão de que vivemos numa “democracia de mercado”. Obviamente, a realidade é muito diferente.
Dizer que consumindo produtos que vão de encontro a determinados padrões de ética ambiental podemos ter um impacto positivo no mundo em que vivemos é enfatizar uma evidência. Mas partir daqui para defender que a mudança social pode vir da acção descentralizada de consumidores individuais é não perceber nada sobre como funciona o sistema capitalista.
No mercado, quem determina o que é produzido e o modo de produção é o produtor, não o consumidor. Ninguém nos perguntou se queríamos que as empresas destinassem o dinheiro que lhes damos à invenção de novos produtos electrónicos, como I-phones ou televisores plasma, ou ao desenvolvimento de produtos electrónicos mais eficientes no uso de energia. Ninguém nos perguntou se queríamos viver numa sociedade dominada pelo automóvel, se queríamos que a electricidade que entra em nossa casa fosse gerada maioritariamente por combustíveis fósseis ou se queríamos passar os fins-de-semana enfiados em grandes superfícies comerciais. Numa economia de mercado, a oferta gera a procura, não o contrário. Defender a ideia da soberania do consumidor implica cair no absurdo de acreditar que os triliões de euros gastos pelas empresas em publicidade não têm (quase) nenhuma influência nos comportamentos dos consumidores.
Uma economia de mercado é uma economia dominada por um grupo restrito de grandes corporações. Estas corporações não só têm o poder de criar procura para os seus produtos, por muito inúteis que sejam, mas também de definir a sua durabilidade. Podemos passar o resto da vida à procura de um telemóvel ou um computador que dure uma vida que não vamos encontrar nenhum. Uma vez esgotada o tempo de garantia de um produto, arriscamo-nos a que a reparação de uma avaria fique mais cara que a compra de um novo. Através da obsolescência planeada e do marketing, as empresas conseguem criar assim uma sociedade cada vez mais consumista e escoar a sua produção continuamente crescente.
Neste ponto, um entusiasta do “consumerismo verde” pode insistir: mesmo com todo o poder das empresas, nós temos o direito de escolher o que consumir e, se fizermos as escolhas certas, as empresas terão de seguir as nossas escolhas. Isto seria verdade teoricamente se o mercado fosse transparente e as escolhas de consumo não estivessem restritas pela disponibilidade de produtos ecológicos e pelo poder de compra. Ora, o mercado é tudo menos transparente e torna-se cada vez mais complicado para um consumidor saber qual é a marca mais ecológica quando todas se afirmam como amigas do ambiente, através das suas campanhas de propaganda. Por outro lado, basta sair à rua e entrar numa loja ou superfície comercial para perceber que o leque de escolhas oferecido pelo mercado é muito restrito e que os produtos ecológicos são frequentemente comercializados a preços proibitivos para a maioria da população.
Outra realidade ignorada pelos defensores da “democracia de mercado” é que o número de votos varia em função do dinheiro que cada consumidor possui. Não só os ricos têm mais votos que os pobres individualmente mas também têm mais votos colectivamente. No mundo de hoje, os 2% mais ricos detêm mais de 50% da riqueza, enquanto os 50% mais pobres detêm menos de 1% da riqueza ( [1]).
A difusão do mito do consumo responsável serve os interesses de quem determina o que produzir e como produzir, lucrando com o processo, mas não traz nenhum ganho para a sociedade. Nunca, em toda a história da humanidade, uma mudança social importante foi conseguida meramente pela acção descentralizada de indivíduos. Quem pensa que podemos mudar o mundo pela sensibilização (e culpabilização) dos consumidores está apenas a criar uma barreira para a construção de um mundo mais justo e ecológico, por muito nobres que as suas intenções possam ser.

Por: Ricardo Coelho


[1] Davies, James B. et al (2008) “The World Distribution of Household Wealth”, WIDER Discussion Paper, 2008/03, p.7. Disponível em www.wider.unu.edu

Ao visitante

entre.
leia.
comente.
sugira.
não faça nada.
enfim, sinta-se a vontade.

Compartilhe este conteúdo em sua rede

Postagens populares