quinta-feira, 30 de maio de 2013

Talvez Deus esteja doente, 2007



Filmado em vários países africanos como Moçambique, Angola, Uganda, Senegal, Camarões e África do Sul, este documentário, é uma fascinante viagem através de uma África devastada pela fome e pela SIDA.
Pequenas histórias que falam de crianças soldado, crianças acusadas de feitiçaria, de homens e mulheres que lutam contra a doença, a pobreza e a tragédia da emigração. Vale conferir!!!

Os movimentos sociais e os processos revolucionários na América Latina: uma crítica aos pós-modernistas

Os anos 90 do século passado e os primeiros dez anos deste século foram marcados por intenso debate entre as forças de esquerda sobre o papel dos movimentos sociais, das minorias, das lutas de gênero e das vanguardas políticas nos processos de transformação econômica, social e política da sociedade. Colocou-se na ordem do dia a discussão sobre novas palavras de ordem, novos agentes políticos e sociais, novas formas de luta, novas concepções sobre a ação prática política.
Esses temas e concepções ocuparam o vazio político nesse período em funções de uma série de fenômenos que ocorreram na década de 80 e 90, como a queda do Muro de Berlim, o colapso da União Soviética e dos países do Leste Europeu, o refluxo do movimento sindical, a redução das lutas operárias nos principais centros capitalistas, a perda de protagonismo dos partidos revolucionários, especialmente dos comunistas,além da ofensiva da ideologia neoliberal em todas as partes do mundo, sob o comando das forças mais reacionárias do capital.
A conjuntura de derrota das forças progressistas favoreceu a todo tipo modismo teórico e fetiche ideológico. Sob diversos pretextos, certas forças políticas, inclusive alguns companheiros de esquerda, começaram a questionar a centralidade do trabalho na vida social, o papel dos partidos políticos como vanguarda dos processos de transformações sociais e políticas, a atualidade da luta de classes como instrumento de mudança da história e o próprio socialismo-comunismo como processo que leva à emancipação humana.
Esse movimento teórico e político envolveu forças difusas, mas influentes junto à juventude e vários movimentos sociais. O objetivo era desconstruir o discurso dos partidos políticos revolucionários, do movimento sindical e do próprio marxismo, como síntese teórica da revolução. Para estas forças, os discursos de temas abrangentes, como a igualdade, o socialismo, a emancipação humana, os valores históricos do proletariado, as soluções coletivas contra a opressão humana, eram coisa do passado e produto de um mundo que já existia mais.
No lugar desses velhos temas, tornava-se necessário colocar um novo discurso, como forma de forma a reconhecer a fragmentação da realidade e do conhecimento, a constatação da diferença, a emergências de novos sujeitos sociais, com características, valores e reivindicações específicas, como os movimentos sociais, de gênero, raça, etnia, etc, e novas formas de formas de luta, inclusive com renúncia à tomada do poder.
O condensamento desse ecletismo conservador, dessa matriz teórica diluidora, pode ser expresso no que se convencionou chamar de pós-modernismo. Essa é a fonte teórica inspiradora de todos os modismos teóricos e fetiches que se tornou moda as duas últimas décadas. Quais são os principais supostos teóricos dos pós-modernistas, que tanta influência tiveram nesses anos de vazio político? Vamos nos ater a três vertentes fundamentais que norteiam os fundamentos dessa corrente teórica.
1) O fim da centralidade do trabalho. Um dos temas mais destacados pelos pós-modernistas é o fato de que as tecnologias da informação, a reestruturação produtiva e a inserção acelerada de ciência no processo produtivo tornaram obsoleto o conceito de classe operária e proletariado, até mesmo porque esses atores estão se tornando residuais num mundo globalizado onde impera a robótica, a internet e a informática avançada. Alguns desses teóricos chegaram a dar adeus ao proletariado, que seria um conceito típico da segunda revolução industrial. Prova disso, seria a constatação de que a classe operária está diminuindo em todo o mundo e, por isso mesmo, perdeu o protagonismo para outros movimentos emergentes no capitalismo globalizado.
Os teóricos pós-modernistas se comportam como o caçador que vê apenas as árvores mas não consegue enxergar a floresta. Olham o mundo a partir de uma perspectiva da Europa ou Estados Unidos. Por isso, não conseguem compreender que o capital possui uma extraordinária mobilidade, em função da busca permanente por valorização. Por isso, são incapazes de perceber que o proletariado está crescendo de maneira expressiva em termos mundiais, com o deslocamento de milhares de indústrias dos EUA e da Europa para a Ásia, processo que está incorporando ao mundo do trabalho centenas de milhões de trabalhadores na China, na Índia e em toda a Ásia, num movimento que está mudando a conjuntura mundial.
Não conseguem entender que o próprio capitalismo é uma contradição em processo, pois quanto mais se moderniza, quanto mais insere ciência na produção, mais amplia sua composição orgânica e, consequentemente, mais pressiona as taxas de lucro para baixo. Por isso, o capitalismo não pode existir sem seu contraponto, o proletariado. Se o capitalismo automatizasse todas suas fábricas o sistema entraria em colapso, pois os robôs são até mais disciplinados que os seres humanos, são capazes de trabalhar sem descanso, não reivindicam salário, nem fazem greve, mas também tem seu calcanhar de Aquiles: não consomem. Se não tem consumidores, os capitalistas não têm para quem vender suas mercadorias. Ou seja, antes de uma automatização total, o sistema entraria em colapso em função de suas próprias contradições.
2) O fim da centralidade da luta de classes. Outro dos argumentos dos teóricos pós-modernos é a alegação de que a luta de classes é coisa do passado. Afinal, dizem, se o proletariado está se reduzindo aceleradamente, não existe mais identidade de classe e, portanto, não teria sentido se falar em luta de classes. Nessa perspectiva, dizem, a reestruturação produtiva pode ser considerada uma espécie de dobre de finados que veio sepultar os velhos agentes do passado, como o movimento sindical. Prova disso, é que os sindicatos perderam o protagonismo e agora agonizam em todo o mundo. E o principal representante teórico do mundo do trabalho, o marxismo, também estaria ultrapassado, em função de sua visão monolítica do mundo.
Novamente, os teóricos pós-modernistas também não compreendem a história e confundem sua submissão ideológica à ordem capitalista com a realidade dos trabalhadores. A luta de classes sempre existiu desde que as classes se constituíram na humanidade e continuará sua trajetória enquanto existir a exploração de um ser humano por outro. Não porque os marxistas querem, mas porque a realidade a impõe. Nos tempos de refluxo as lutas sociais diminuem, parece que os trabalhadores estão passivos e os capitalistas imaginam que conseguiram disciplinar para sempre os trabalhadores.
Nessa conjuntura, o discurso do fim da luta de classe, da passividade dos trabalhadores, chega a influenciar muita gente, afinal, quem não tem uma perspectiva histórica do mundo se atém apenas à superfície dos fenômenos, à aparência das coisas. Mas nos momentos de crise do capitalismo, esse discurso se torna inteiramente inadequado, entra em choque com a realidade, uma vez que a crise coloca a luta de classes naordem do dia com uma atualidade extraordinária, para desespero daqueles que imaginavam o seu fim.
Se observarmos a realidade atual, onde o sistema capitalismo enfrenta sua maior crise desde a Grande Depressão, poderemos facilmente constatar e emergência da luta de classes em praticamente todas as partes do mundo. É só observar as insurreições no Oriente Médio, na África, as lutas na América Latina, as greves e mobilizações na Europa. Além disso, a crise também tornou o marxismo mais atual do que nunca. Mesmo os capitalistas estão lendo O Capital para tentar entender o que está ocorrendo no mundo.
3) As vanguardas políticas não têm mais nenhum papel a desempenhar no mundo globalizado. O terceiro dos argumentos-chave dos teóricos pós-modernistas é o fato de os partidos revolucionários, especialmente os comunistas, não têm mais nenhum papel a desempenhar no mundo atual. A ação política agora deve ser comandada pelos movimentos sociais, pelos movimentos de gênero, minorias étnicas, de raças, sexuais, etc, que são vítimas de “opressões específicas”. Isso porque os partidos seriam organizações autoproclamatórias, autoritárias, portadoras de um fetiche autorealizável, que é a revolução socialista.Essas instituições, portadoras de um discurso utópico de emancipação humana, estão também definhando em todo o mundo porque não estariam entendendo a realidade do mundo globalizado.
Mais uma vez os teóricos pós-modernistas não conseguem compreender a totalidade da vida social. Por isso, vêem o mundo sem unidade, fragmentado e disperso. Não entendem que, por trás da “opressãoespecífica” que atinge os movimentos sociais e de gênero, etnia, raça, sexual, está o grande capital apropriando a mais-valia de todos, independentemente de raça, sexo ou orientação religiosa . Não compreendem que os movimentos, por sua própria natureza, têm limites institucionais e de representatividade.
Um sindicato, por mais combativo que seja, deve representar os interesses dos trabalhadores que representa. Da mesma forma que uma entidade estudantil, uma organização de moradores, de mulheres ou dehomosexuais tem como objetivo defender os interesses específicos de seus representados, atuam nos limites institucionais da ordem burguesa. Somente o partido político revolucionário, que se propõe a derrotar a ordem capitalista e que junta em suas fileiras todos esses segmentos sociais, possui condições para entender a totalidade da luta política e lançar propostas globais para a transformação da sociedade.
A prática das lutas sociais
Se observarmos as lutas sociais que foram realizadas nos últimos anos, poderemos constatar facilmente que grande parte delas foram derrotadas exatamente porque não existiam vanguardas com capacidade de conduzir e orientar essas lutas para a radicalidade da luta de classes e a emancipação do proletariado. Não se trata aqui de negar a importância das lutas específicas ou dos movimentos sociais. Pelo contrário, são fundamentais para qualquer processo de mudança, servem também como aprendizado da luta dos trabalhadores, mas deixadas por si mesmas, apenas com seu conteúdo espontaneísta, não tem condições de realizaras transformações da sociedade e terminam se esvaziando e sendo derrotadas pelo capital.
O teatro de operações é mais ou menos o seguinte: após um momento de euforia e mobilização os movimentos sociais são capazes de realizar proezas impressionantes, como desacreditar a velha ordem, desafiar as classes dominantes, mas num segundo momento a euforia se esgota em si mesma sem atingir os objetivos por falta de perspectivas. A América Latina é um importante posto de observação para constatarmos essahipótese, mas também em várias partes do mundo os exemplos são férteis para verificarmos a necessidades de vanguardas políticas.
A Bolívia, por exemplo, foi palco de várias insurreições populares contra governos neoliberais. As massas se sublevaram, foram às ruas aos milhões, derrubaram os governos conservadores, mas o máximo que conseguiram foi eleger um presidente progressista que é fustigado a todo momento pelo capital e não consegue realizar plenamente nem o próprio programa a que se propôs no período das eleições.
No Equador, ocorreram também várias insurreições populares. Em uma delas, os movimentos conquistaram o poder e o entregaram a um militar que depois os traiu e agora é um personagem conservador na política do País. Posteriormente, no bojo de outra insurreição, conseguiram eleger um presidente progressista, mas este não consegue implementar um programa transformador porque o capital não lhe dá trégua. Recentemente quase foi deposto por um setor militar sublevado.
Na Argentina, em função da crise econômica herdada do governo neoliberal de Menem, as massas também se sublevaram aos milhões em várias regiões do País. Em um período curto o País mudou três vezes de presidente. O resultado da sublevação popular foi a eleição de Nestor Kirchner e, posteriormente, de sua companheira, Cristina Kirchner. Nesses anos de poder, os Kirchner também não realizaram nenhuma mudança de fundo. O capitalismo seguiu seu curso como se nada tivesse acontecido.
Mais recentemente, duas grandes insurreições populares derrubaram os governos conservadores da Tunísia, do Egito e do Iêmen. Milhares de pessoas se sublevaram durante vários dias, centenas de pessoas morreram, os ditadores deixaram o poder, mas os movimentos sociais, sem vanguarda política, não conseguiram seus objetivos. Setores da burguesia local encabeçaram a formação de novos governos e os trabalhadores mais uma vez deixaram escapar de suas mãos a revolução.
No Brasil, um grande movimento social, o Movimento dos Sem Terra (MST) enfrentou com bravura os governos neoliberais, tendo como norte a bandeira da reforma agrária. Organizou um movimento original e de massas, com base social em todo o País, especialmente entre a população mais pobre da cidade e do campo. O MST ocupou fazendas dos latifundiários, realizou formação de grande parte dos seus quadros e até mesmo conseguiu construir uma universidade popular para formação permanente dos seus militantes.
No entanto, o desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro e a emergência do agronegócio criaram uma nova conjuntura no campo brasileiro, onde as relações de produção passaram a se darpredominantemente entre capital e trabalho. Essa conjuntura, aliada ao programa de compensação social do governo Lula, o “Bolsas Família”, uma programa de transferência de renda para a população mais pobre, levou o MST a uma encruzilhada.
Ou seja, a realidade mudou radialmente no campo brasileiro, mas a razão de ser do MST era a reforma agrária. Por isso, o movimento, que se tornara um dos símbolos de luta contra o neoliberalismo e, por isso mesmo obteve simpatia mundial, agora está perdendo protagonismo. Os acampamentos do MST foram reduzidos para menos da metade e o movimento vive grandes dificuldades estratégicas. Afinal, se a maioria dos trabalhadores está nas cidades, se o capitalismo hegemonizou as relações de produção no campo e subordinou a pequena agricultura à lógica do capital, torna-se difícil a sobrevivência no longo prazo de um movimento que tem apenas a bandeira da reforma agrária como luta estratégica.
A condensação mais expressiva da teoria movimentista foi o Fórum Social Mundial (FSM). Por ocasião do primeiro FSM, em Porto Alegre, parecia que todos tinham encontrado a fórmula ideal, a varinha mágica,para as novas lutas sociais. Milhares de lutadores de todo o mundo convergiram para o Rio Grande do Sul para se fazer presentes no lançamento da nova grife da luta mundial autônoma. Foi um sucesso extraordinário e um contraponto ao Foro de Davos, onde os capitalistas tramavam novas estratégias para dominação do mundo.
O sucesso de público e de mídia do FSM parecia ter enterrado de vez a noção de vanguarda política. Agora seriam os movimentos sociais, os movimentos de gênero, etnia, das mulheres, os movimentos sociais que doravante comandariam as lutas no mundo. Adeus partidos políticos, adeus movimento sindical, adeus velhos atores sociais da segunda revolução industrial. Agora eram os movimentos difusos, sem centralidade política, inteiramente autônomos, livres de dogmas e ideologias ultrapassadas que iriam provar ao mundo a nova realidade da luta social e política.
Muita gente sinceramente acreditou que o FSM poderia ser a fórmula mágica, o contraponto contemporâneo ao capital, o substituto das velhas vanguardas políticas e seu discurso autoproclamatório. Mas a realidade aos poucos foi colocando no devido lugar o modismo movimentista. Com o tempo, o FSM foi perdendo fôlego, foi se esvaziando, até o ponto em que hoje ninguém mais acredita que possa ser alternativa a coisa nenhuma. Mas uma vez a vida provou que os movimentos por si só não têm condições de mudar a sociedade, é necessário a vanguarda política para conduzir os processos de transformação.
O significado do pós-modernismo e as lutas sociais
Em outras palavras, a ideologia pós-modernista é responsável por grande parte das derrotas dos movimentos sociais nestas duas décadas, não só porque esse modismo teórico influenciou parte da juventude e lideranças dos movimentos sociais, como também porque levou à frustração milhares de lutadores sociais. Isso porque as lutas fragmentadas geralmente se desenvolvem de maneira espontânea. No início tem uma trajetória de ascenso, empolga milhares de pessoas, mas logo depois o movimento vai enfraquecendo até ser absorvido pelo sistema.
Em outras palavras, o pós-modernismo é o fetiche ideológico típico dos tempos de neoliberalismo e representa a ideologia pequeno-burguesa da submissão sofisticada à ordem do capital. Mas essa ideologia carrega consigo uma contradição insolúvel: no momento em que o capital mais se globaliza, com a internacionalização da produção e das finanças, é justamente neste momento que os pós-modernos pregam a fragmentação da realidade, a setorização das lutas sociais, a especificidade dos combates de gênero, etnia, raça, sexo, etc. Só mesmo quem não quer mudar a ordem capitalista pensa desse jeito.
Na verdade, todos que seguem esse ritual teórico, de maneira direta ou indireta, estão abrindo mão de um projeto emancipatório e escondem sua impotência mediante um discurso cheio de abstrações sociológicas, mas muito conveniente para o capital. Por isso, combatem as lutas gerais, para fragmentá-las em lutas específicas, que não afrontam abertamente o sistema dominante.Trata-se do verejo da política fantasiado de moderno.
Esses setores cumpriram, nos últimos 20 anos e ainda cumprem até hoje, um papel muito especial na luta ideológica atual: eles são a mão esquerda do social-liberalismo capitalista. Influenciam as gerações mais jovens, desenvolvem um discurso com aparência de modernidade, influem na organização das lutas sociais. Com seu discurso eclético e fatalista, cheio de senso comum, desorientam setores importantes da sociedade no que se refere à ação política e, na prática, ajudam a organizar, mesmo que indiretamente, a submissão de vários setores sociais à ordem capitalista e aos valores do mercado.
Essas duas décadas de experiências fragmentadas nos levam à conclusão de que, mais do que nunca, as vanguardas revolucionárias têm um papel fundamental no processo de transformações sociais. São elas exatamente que podem conduzir e orientar os vários movimentos sociais com uma plataforma estratégica de emancipação da humanidade, o que significa derrotar o imperialismo e o capitalismo e transitar para a construção da sociedade socialista.

 * Edmilson Costa é doutor em Economia pela Unicamp, com pós-doutorado na mesma instituição. É autor, entre outros, de A globalização e o capitalismo contemporâneo e A política salarial no Brasil. Professor universitário, é membro da Comissão Política do Comitê Central do PCB.

Estabilidade monetária e apassivamento das massas no Brasil


Surpreendentemente, a teoria marxiana sobre o fetichismo das relações capitalistas não vem sendo utilizada pela maior parte da esquerda no entendimento de dimensões decisivas da adesão das massas trabalhadoras brasileiras aos presidentes da República eleitos a partir da estabilidade monetária posta pelo Plano Real (1994). Nas análises mais conhecidas, os ganhos reais do salário médio e a recomposição do poder de compra do salário mínimo, conjuminados com o aumento das taxas de acumulação capitalista, fenômenos presentes entre o primeiro governo FHC e o atual governo Dilma Rousseff, são relacionados com os valores e as ideias políticas da classe trabalhadora sem a mediação da teoria sobre a aparência necessária das trocas mercantis e o seu poder de convencer o proletariado de que o capitalismo seria justo, igualitário e inevitável. Essa atitude deixa fora do campo de batalha teórico uma das armas mais sofisticadas usadas por Karl Marx na defesa dos assalariados e dos camponeses.
A teoria sobre o fetichismo exposta em O Capital possibilita perceber que não são as instituições com funções ideológicas (como o Estado, a mídia e a escola) as responsáveis principais pelo fato de o proletariado aderir, na maior parte do tempo, à Ordem capitalista. Os simples atos comprar e vender instalam a alienação na consciência operária antes de o trabalhador compreender-se e atuar como membro de uma comunidade política ou fiel de uma igreja. A consciência do trabalhador é capturada pela aparência da circulação das mercadorias. Ele imagina participar de uma troca de valores iguais com o capitalista: trabalha oito horas por dia e acredita receber o equivalente monetário a esse tempo de trabalho (o agricultor familiar experimenta uma ilusão análoga, contudo ainda mais profunda, pois vende seu trabalho já coagulado em um produto). Pensa-se, assim, como igual ao seu patrão, como um livre vendedor e comprador, supõe um mundo justo e igualitário e remete essas justiça e igualdade aparentes para o campo jurídico-político, constituindo a base subjetiva para a legitimação do Estado formalmente democrático.
O processo inflacionário é um dos elementos capazes de dissolver a aparência de troca de equivalentes entre o trabalhador e o capitalista e, em consequência, de desestruturar progressivamente a adesão da consciência proletária ao modo de produção regido pelo capital e ao Estado hegemonizado pela burguesia. No contexto de uma inflação alta, o operário, por exemplo, passa a ter o entendimento de que a troca de equivalentes foi subvertida pelo intercâmbio de não equivalentes, pois o poder de compra do seu salario passa a diminuir ao longo do mês. Inocula-se espontaneamente em sua consciência, mesmo que esta permaneça regida pelo senso comum, a sensação de que o sistema econômico deixou de ser justo, igualitário e inevitável. A greve e outras manifestações com o objetivo de aumentar o seu poder de barganha nas negociações salariais passam a ser um imperativo de sobrevivência. Nessas circunstâncias, o assalariado começa a negar sua adesão ao governo de plantão, pois este não mais é percebido como operador de uma comunidade política de iguais, mas como um déspota aliado aos patrões. Em decorrência, os sindicatos florescem e as correntes revolucionárias tendem a ganhar hegemonia no seu interior.
A aparência fetichista necessária das relações capitalistas começa a fragmentar-se por motivos objetivos (o desemprego causa um efeito análogo à inflação, pois revela que a mercadoria do assalariado, sua força de trabalho, está sendo desvalorizada ao ponto de não ser levada em conta), pelas contradições do metabolismo da economia mercantil, independentes de um plano coletivo e da atuação das instituições com funções ideológicas. O abandono, por parte do trabalhador, do entendimento de que existiria uma troca de equivalentes sob o capitalismo é a antessala da percepção, capaz de ser alcançada pela consciência proletária mesmo sem que supere a estrutura do senso comum, de que as mercadorias não se autovalorizam (a desestabilização dos preços gera espontaneamente a ideia de que o valor econômico é um construto social, uma “artificialidade” diante do trabalho concreto e do valor de uso correspondente) e de que, portanto, é a classe trabalhadora a produtora do valor, do valor de troca e do valor de uso e, em decorrência, da própria história.
Segundo o DIEESE, o Índice do Custo de Vida (ICV) no Brasil aumentou 2.576, 33 % em 1993. Em 1998, o mesmo índice registrou uma elevação de apenas 0,49%. Em 2002, ano da primeira vitória de Luís Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais, o índice foi para 12,13%, e recuou para 2,56% em 2006. Em 2012, o ICV registrou um aumento de 6,40%. Em muitas categorias do setor privado ocorreram pequenos ganhos (entre 2% a 4%) acima da inflação. Evidentemente, isso não significa que a cumulação de capital deixou de ampliar-se, pois os capitalistas continuaram a absorver quase todos os ganhos de produtividade e a recomposição do salário médio não foi suficiente para superar o patamar histórico que o deixa abaixo das reais necessidades de reprodução dos trabalhadores. O consórcio entre mais-valia absoluta e mais-valia relativa continua vigente e estrutural.
A partir desses dados e das referências conceituais anteriores, é plausível sustentar que a estabilização monetária inaugurada pelo Plano Real tem sido o elemento mais importante a determinar o presente apassivamento das massas trabalhadoras brasileiras.
Não houve o surgimento de uma nova “classe média” no país, mas a ampliação do mercado interno por meio da estabilização dos rendimentos de todos os setores da classe trabalhadora. O arriscado (para o sistema) caminho de aumentar a exploração dos assalariados por meio da inflação (mais um subproduto da particular irracionalidade do capitalismo colonial brasileiro do que uma estratégia consciente) foi substituído pela ampliação da mais-valia relativa e das escalas produtivas, câmbio estratégico somente possível devido às especificidades da divisão mundial do trabalho nas últimas décadas, período no qual os países periféricos vêm recebendo montanhas de capital.
Essas mudanças econômicas melhoraram muito as condições de legitimação do sistema capitalista e dos governos. A explicação do fenômeno não se encontra essencialmente no fato de que os assalariados passaram a ter mais poder de compra (o estável valor real do salário foi “multiplicado” pelo sistema de crédito ao consumidor) e, em decorrência, creditaram essa melhoria aos governos de plantão. A essência da explicação encontra-se no fato de que a estabilidade dos preços reforçou a aparência fetichista das relações capitalistas de produção e, em consequência, aumentou radicalmente a adesão dos trabalhadores aos valores morais e políticos do capitalismo e do Estado liberal.
O Programa Bolsa Família, o presumido grande poder de comunicação do Lula ou a propaganda da mídia não teriam capacidade de reforçar tanto a adesão dos trabalhadores à Ordem sem a referida configuração particular da economia, nucleada pela estabilidade da moeda. Os programas sociais de transferência de renda não chegam à vanguarda dos trabalhadores, mas este segmento encontra-se tão apassivado quanto a população localizada abaixo da linha da pobreza. A capacidade de comunicação e o carisma de Dilma Rousseff são pífios, no entanto, seus índices de aprovação são tão altos quanto os atingidos por Lula. Existem apenas dois fatos superestruturais importantes na configuração do presente apassivamento das massas: a adesão do PT a um programa neoliberal e o apoio do outrora chamado “novo sindicalismo”, simbolizado pela CUT, e de muitos movimentos sociais aos governos petistas. Esses deslocamentos para a direita impuseram a necessidade de uma custosa reorganização do sindicalismo revolucionário e um demorado trabalho pela ampliação da influência dos partidos de esquerda que permaneceram fiéis à causa dos trabalhadores. Evidentemente, a ausência de organizações sindicais e políticas revolucionárias com enraizamento profundo e capilaridade nacional contribui para o apassivamento do proletariado, já que os trabalhadores permanecem sem acesso a discursos alternativos em relação à fala da Ordem e ficam privados de uma prática sindical e política anticapitalista.
A superação do apassivamento pressupõe uma crise econômica, mas também a realização de um esforço minucioso, cotidiano e silencioso de reconstrução do movimento sindical, bem como a consolidação dos partidos revolucionários e a ampliação de sua influência. É preciso um forte empenho na organização dos trabalhadores pela base, na elaboração de programas, na transformação das injustiças em palavras de ordem, na defesa das políticas públicas e, além disso, é necessário o exercício da paciência enquanto a toupeira da história faz a sua parte.
Por:GOLBERY LESSA
Fonte:http://adrianonascimento.webnode.com.br

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A defesa do óbvio


Outro dia desses, vi uma postagem em uma rede social da internet com a seguinte frase: “que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?”. A frase era atribuída ao dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht, também um conhecido frasista. Não tenho a menor certeza da autoria mencionada, mas de fato é muito penoso viver em um tempo onde o que deveria ser o óbvio passa a ser visto como complexo ou inviável, ou até mesmo desconsiderado.

O momento político e econômico do Brasil nos dá inúmeros exemplos dessa espécie de abobalhamento – ou, pior, acanalhamento – que afeta povos, sociedades, países inteiros em determinados momentos históricos. A própria Alemanha de Brecht, com toda a sua tradição intelectual e filosófica, se deixou levar pela aventura nazista e certamente pode ter sido a fonte de inspiração desta lúcida e realista frase atribuída a ele.

O Brasil experimentou, durante décadas do século passado, um processo de industrialização que nos permitiu constituir uma base produtiva complexa, para um país dependente e na periferia do sistema capitalista. Mantendo integrado um país territorialmente continental, fortalecemos nossa unidade com estruturas sofisticadas de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica; serviços de telefonia e telecomunicações; produção interna de bens de consumo, insumos e bens de capital.

É verdade, também, que esse processo manteve o país dentre os mais desiguais e injustos do mundo, situação que se torna mais grave, e dramática, quando constatamos as riquezas que temos e todas as prerrogativas que nos facilitariam construir uma sociedade de fato democrática, justa e harmoniosa. Esta é uma grave constatação, que apenas nos evidencia que o crescimento econômico, por si só, não é condição suficiente para enfrentarmos os desequilíbrios e injustiças que nos marcam e nos envergonham.

O sentido e a direção política das estratégias de crescimento econômico são essenciais de serem bem definidas, para que as suas consequências se revertam em favor das maiorias do povo, em geral, no nosso país, abandonadas e marginalizadas. Esta é, talvez, uma primeira obviedade que nossa história econômica demonstra: não nos basta crescer, mantendo-se estruturas econômicas e regras legais que facilitam a manutenção e ampliação da concentração de renda e riquezas.

Uma segunda obviedade decorre do processo mais recente de contrarreformas, que se encontra em curso no Brasil desde o início dos anos 1990. O processo anterior – o do século passado – se esgotou ao final dos anos 1970 e início da década de 1980, a partir da chamada crise da dívida externa. Apenas, após a renegociação da dívida externa do país, sob a chancela do Departamento de Estado e da Secretaria do Tesouro dos EUA, houve condições de se unificarem as classes dominantes do país em torno de um novo projeto político, representado pela nova ordem econômica imposta pelo Plano Real.

Abertura financeira, abertura comercial, privatizações e subordinação da dívida pública aos ditames de uma política monetária associada a uma política de valorização cambial produziram uma séria alteração estrutural na economia brasileira. Regredimos de forma espetacular, mas, na medida em que as grandes corporações, nacionais e estrangeiras, se beneficiaram, um novo pacto político foi forjado. Ao povo, a grande vantagem apresentada foi o “fim da inflação”, argumento até hoje acionado, sempre que algum objetivo das forças hegemônicas – tendo à frente bancos e multinacionais – se encontra sob risco ou ameaça.

A regressão mencionada se vincula à acelerada desnacionalização do parque produtivo; à desestruturação da capacidade de planejamento e gestão das funções do Estado voltadas ao atendimento das demandas sociais e à infraestrutura logística; à regressão produtiva da estrutura industrial; à reprimarização da pauta de exportações; à acelerada oligopolização e financeirização da economia. Ora! O que temos em curso é uma brutal regressão em relação ao que já fomos, em passado não muito distante.

Ao mesmo tempo, e certamente vinculado ao processo da nova hegemonia que se impôs, vivenciamos o rebaixamento da política e dos nossos partidos. O mundo dos negócios – e não da cidadania – parece ser o objeto da preocupação da maior parte do universo político-partidário. A metamorfose dos antigos partidos de esquerda é notória e programas sociais compensatórios, preconizados pelo Banco Mundial e voltados aos mais pobres, parecem ser o máximo possível a ser feito.

A verdade, nua e crua, é que voltamos a ficar – tal e qual na República Velha – extremamente subordinados às ondas de expansão do comércio internacional e aos humores dos financistas mundiais. São evidentes os imensos riscos que essa opção encarna. Contudo, assim como a euforia que marcou o país no período de 1994 a 1998 se desfez – não sem antes permitir a eleição e reeleição de FHC, em votações decididas já em primeiro turno –, parece que agora as ilusões daqueles que defenderam a ideia que vivenciávamos um neodesenvolvimentismo não se sustentarão.

Muito além de problemas conjunturais, traduzidos no pífio crescimento da economia e nas taxas de inflação, atenuadas pela irresponsável valorização do real, temos problemas estruturais graves. Nossas contas externas se deterioram com velocidade, com o movimento concomitante de redução do saldo comercial e ampliação do déficit da conta de serviços, projetando um resultado negativo das contas correntes do país, para esse ano, que poderá chegar a US$ 80 bilhões. A trajetória deste indicador é apenas um retrato dos equívocos a que estamos sendo submetidos. Entre os anos de 2003 e 2007, chegamos a ter um resultado positivo na conta corrente, por conta do boom dos preços das commodities. Entretanto, desde 2008 voltamos a apresentar déficits crescentes, que expõem potencialmente nossa vulnerabilidade externa. Em suma: estaremos novamente nas mãos dos investidores externos e da confiança dos mesmos em relação ao nosso país. Confiança que, como sempre, estará vinculada às facilidades e vantagens que a eles poderemos oferecer.

Como exemplo, lembro os criminosos leilões de petróleo que nesta semana foram retomados e que serão ainda incrementados, neste ano, com novas licitações para exploração de bacias de petróleo e gás, incluindo as cobiçadas reservas do pré-sal. Além, é sempre bom lembrar, das prometidas concessões de portos, aeroportos, ferrovias, rodovias e tudo aquilo que for do apetite dos investidores privados e de preferência estrangeiros.

Por tudo isso, o que talvez precisemos possa se resumir a uma obviedade: a necessidade de um modelo alternativo de desenvolvimento, soberano – de acordo com nossas potencialidades; democrático, pois fundado nas reais necessidades do povo; e de bases nacionais, envolvendo bandeiras históricas, como a reforma agrária e agrícola; uma verdadeira reforma tributária progressiva; uma reconfiguração da estrutura fiscal, com a descentralização de recursos, hoje na esfera federal e concentrados na administração da dívida pública, em prol do financiamento das políticas sociais e de infraestrutura; o fortalecimento da Previdência Social Pública, sob o regime de repartição e efetiva proteção a todos os assalariados do país, com rendimentos equivalentes ao valor-teto dos vencimentos do funcionalismo público; e, especialmente, a recuperação do Estado, na sua capacidade de planejar, executar e gerenciar uma nova ordem econômica, social e política.

Porém, para o país abraçar um programa desta natureza será necessário algo que está longe do óbvio: a vontade política de enfrentar riscos, desafios e a ousadia de avançar em projetos que se chocam contra os interesses de bancos e multinacionais. Será necessário reconstruir forças políticas, fiéis ao compromisso com a mudança e a ousadia, características abandonadas por aqueles que, ao chegarem ao governo, optaram pela covardia e acomodação.

Por: Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre. 

sábado, 18 de maio de 2013

O Papa e a vida, por: Mauro Iasi


Que dirá el Santo Padre?
Que vive en Roma,
que le están degollando,
a su paloma Violeta Parra

Há um novo Papa, é latino-americano e se denominou de Francisco, segundo ele por sugestão do Cardeal brasileiro para demonstrar que a Igreja não esqueceu dos pobres.
A Igreja nunca esqueceu dos pobres, eles são seu principal combustível, assim como o medo, a morte e o vazio da existência. Na espetacularização da vida, arte na qual as instituições religiosas são especialistas, são fundamentais os ritos, o mistério, o segredo, o manto que encobre a materialidade da qual parte, assim como o jogo de espelhos que refletem o real invertido no caleidoscópio das imagens refratadas.
Milhares de pessoas no mundo cultivam seu vínculo com o sagrado, buscam encontrar alguma relação entre a imediaticidade do cotidiano, a origem e seu destino, no interior da mundanidade ou além desta, em outra vida que supere a morte. Em relação a este sentimento religioso e às pessoas que nele acreditam, devemos guardar – ainda que discordando – o mais sincero respeito.
No entanto, em relação às instituições que são a cristalização burocrática deste fenômeno, que se erguem como força estranha contra aqueles que a produziram, que no seu gigantismo prepotente e arrogante, com seus ritos ridículos e sua pretensão de seriedade, reproduzem e ampliam a alienação e o estranhamento, devemos exercer e cultivar a mesma crítica que dirigimos à todas as formas outras deste mesmo fenômeno.
Repetimos com Maiakókiski: “como um lobo estraçalharia toda a burocracia”, a certas credenciais não guardamos nenhum respeito. Nós, marxistas, costumamos ser muito severos com nossas próprias instituições quando se degeneram em formas estranhadas, não poderia ser diferente contra uma instituição que faz disso uma virtude e se fundamenta ela mesma numa manifestação social que é a forma fundante da alienação. Como dizia Feuerbach, todo sentimento religioso é a expressão de um ser humano que antes de encontrar em si o sol de sua existência o projeta para fora, daí a noção marxiana que toda a emancipação humana é o retorno ao homem daquilo que é humano.
A atenção atraída em torno da saída do Papa antigo e sua substituição por este “novo” é compreensível. Além das citadas milhares de pessoas que seguem passiva ou ativamente a religião católica, trata-se de uma instituição com grande poder e presença no mundo contemporâneo e o perfil de seu dirigente tem incidência direta nos rumos da instituição.
Isso não nos impede, no entanto, de destacar o caráter absolutamente anacrônico desta instituição e, uma vez abordado por olhos críticos, não podemos deixar de usar o qualificativo ridículo diante de um grupo de pessoas com chapéus pontudos, reunindo-se em segredo, comunicando-se por fumaça e depois, em pleno início do século XXI, coroando um monarca ungido simbolicamente por Deus.
Faz parte do espetáculo a especulação. Por que teria deixado o cargo o papa nazista? O que vem agora é reacionário, apoiou a ditadura Argentina (seus defensores afirmam que é um mal entendido)? Seria um progressista que escolheu o nome de Francisco porque lembrou dos pobres da América Latina? O que teriam discutindo os senhores cardeais no enclave, princípios teológicos, permaneceram em silêncio reverencial para escutar a voz de Deus iluminando sua escolha ou analisaram grossos dossiês da vida pregressa dos papáveis prevenindo-se de futuras surpresas amargas?
Não sabemos. O negócio é secreto por algum motivo. O que sabemos é que debaixo da coroa-chapéu do Papa, envolto num manto branco de pureza celestial, com cajado (de ouro) em uma mão e a outra levando aos céus dois dedos, com uma voz rouca em um italiano em que ressoa as velhas catacumbas sob a cidade eterna, ele vai aparecer numa janelinha, uma multidão emocionada que não vê nada (mas quem tem fé não precisa disso) vai ouvi-lo falar dos sérios problemas do mundo e do abraço fraterno aos que sofrem. As televisões de todo o mundo cobriram o acontecimento, especialistas analisaram cada palavra e seus significados revelados e ocultos.
E a vida vai continuar. Nos lares das famílias pobres o velho retrato do Papa alemão que substituiu o reacionário polonês será substituído pelo do argentino. Os latino-americanos serão tomados por um orgulho incompreensível. A rivalidade com nossos amigos argentinos vai ganhar novas piadas. O papa pode ser argentino, mas Deus continua sendo brasileiro. A vida segue.
Um senhor chamado Mennini que dirige uma coisa chamada Amministracione Del Patrimônio della Sede Apostólica, que trabalha com a gestão do patrimônio da Santa Sé, uma bagatela de 680 milhões de euros que tem sua origem no dinheiro que Mussolini (aquele mesmo, o Benito) havia dado ao Vaticano em 1929 em troca do reconhecimento do regime fascista (certamente é só mais um mal entendido), vai explicar ao novo Papa, como andam os negócios, em Bancos, empresas, e outras áreas desta ordem mundana.
Por alguma razão estranha à minha compreensão, os pobres latino-americanos acordaram mais esperançosos. A Santa Igreja, certamente acordou um pouco mais rica.
Conta-se uma história que o presidente Juscelino Kubtischek ia visitar o Papa e queria levar um presente especial. Lá em Minas havia um artesão extremamente talentoso famoso por suas caixas de madeira com finos acabamentos de marchetaria e que, além de artista, era militante do PCB. O comunista inicialmente se recusou, mas diante da insistência do presidente fez uma linda caixa toda trabalhada e forrada do mais fino veludo roxo vaticânico e repassou ao viajante que a entregou ao Papa.
Em seu retorno, Juscelino foi agradecer ao comunista mineiro e este lhe falou: “sabe aquela caixinha que foi dada ao Santo Padre, então, embaixo daquele veludo que cobre o interior da caixa, está gravado com fogo, fundo e indelével, uma foice e um martelo junto à inscrição – Viva o partido Comunista Brasileiro”.
Bom, nós também queríamos dar um presente ao novo Papa. É só procurar naquele enorme acervo onde estão guardados os presentes que os Papas recebem, uma caixinha que deve estar com seu forro um pouco corroído revelando um velho recado de um querido e criativo camarada.
Viva os 91 anos do Partido Comunista Brasileiro!
***
Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

sábado, 11 de maio de 2013

La Bandera de la Victoria fue roja

El 30 de abril de 1945, exactamente a las 2:25 de la tarde, los sargentos soviéticos Mijaíl Yegórov y Melitón Kantaria, protegidos por el fuego de su pelotón, lograron finalmente acceder al techo del Reichstag alemán y colocaron allí la Bandera roja de la Victoria.
 

LA COLOCACIÓN DE LA BANDERA SOVIÉTICA SOBRE EL DERROTADO REICHSTAG SE CONVIRTIÓ EN EL SÍMBOLO DE LA VICTORIA SOBRE LA ALEMANIA NAZI.
http://www.granma.cubaweb.cu/2013/05/09/interna/artic01.html

Al día siguiente, el 1ro. de mayo, a las 3:50 de la mañana, fue llevado al puesto de mando del 8vo. Ejército de la Guardia (soviético) el jefe del Estado Mayor General del Ejército de Tierra de la Wehrmacht, general de infantería Hans Krebs, quien dijo tener facultades para negociar el armisticio. La decisión de Iósif Stalin fue tajante: solo se negociará la capitulación incondicional de Alemania. El Ejército Rojo (soviético) daba de plazo hasta las 10 de la mañana. A las 10:40, al no recibir respuesta, las tropas soviéticas abrieron fuego nuevamente.

El último asalto a la parte central de Berlín, donde estaba el Reichstag, duró hasta la madrugada del día 2 de mayo. Al amanecer todos los locales de la Cancillería Imperial estaban tomados por los soviéticos. Hacia las 3 de la tarde los restos de la guarnición de Berlín (más de 134 mil efectivos) se entregaron.
El 8 de mayo, a las 10:43 de la noche en Berlín (12:43 a.m. del día 9 en Moscú) el general mariscal de campo Wilhelm Keitel firmaba el Acta de Capitulación Incondicional de Alemania. El Día de la Victoria, que en Rusia y los demás países de la ex Unión Soviética se conmemora con toda razón el 9 de mayo, es desde entonces celebrado por la mayoría de ellos como "la fiesta que costó muchas lágrimas".
DATOS QUE NO SON NI SERÁN NUNCA FRÍOS
Han pasado 68 años. El mundo sufrió cambios inmensos. La URSS, el país que más aportó a la victoria contra el fascismo, ya no existe. Revisionistas de todo tipo, de uno y otro lado de la llamada "cortina de hierro" se dedicaron, en los años posteriores a la desaparición de la Unión Soviética y el bloque socialista europeo, a tergiversar la historia.
EL 8 DE MAYO, A LAS 10:43 DE LA NOCHE EN BERLÍN (12:43 A.M. DEL DÍA 9 EN MOSCÚ) EL GENERAL MARISCAL DE CAMPO WILHELM KEITEL FIRMABA ANTE EL MANDO SOVIÉTICO EL ACTA DE CAPITULACIÓN INCONDICIONAL DE ALEMANIA.
Especialistas rusos (*) reconocen hoy que el espacio cedido por los propios medios soviéticos en los años de la Perestroika y la Glásnost, y sobre todo durante el agujero negro informativo abierto después de la desaparición de la URSS, fueron bien aprovechados por trasnochados historiadores y nada ingenuos "publicistas" de estos temas.
Si solo se tuviese en cuenta las versiones de los autoproclamados vencedores de la Guerra Fría, tal pareciese que la Segunda Guerra Mundial fue ganada por los norteamericanos, los ingleses y otros países aliados.
Pero todo vuelve a su lugar. Como mismo Rusia y otros países post soviéticos volvieron a rescatar las celebraciones por la victoria del 9 de mayo, también historiadores, estudiosos y políticos honrados de esas naciones han insistido en no dejarse arrebatar el mérito histórico que corresponde a rusos, ucranianos, bielorrusos, kazajos, georgianos, armenios, y ciudadanos de todas las repúblicas que constituyeron la URSS. Son ellos los verdaderos vencedores de lo que por años los soviéticos llamaron la Gran Guerra Patria, la etapa más decisiva y heroica de la Segunda Guerra Mundial.
Datos tomados de recientes fuentes rusas, no dejan espacio a la duda: La URSS soportó el principal ataque hitleriano. Durante largos años los soviéticos fueron prácticamente la única resistencia a la invasión fascista en Europa; contra ellos los nazis lanzaron el 85 % de sus divisiones (las mejores). Al mismo tiempo la URSS debía proteger sus fronteras orientales ante las amenazas del militarismo japonés.
Hoy se calculan en 26,6 millones las vidas ofrendadas por la Unión Soviética durante la Gran Guerra Patria, que se extendió por cuatro años, desde aquel aciago 22 de junio de 1941. Se trata de más de la mitad de todos los muertos de la Segunda Guerra Mundial, cifra estimada en 50 millones de seres humanos.
Las pérdidas de Alemania, entre muertos, heridos, apresados y desaparecidos se calculan en 13 millones de personas. La Italia fascista perdió más de millón y medio de sus soldados, al tiempo que la Polonia ocupada perdía unos 6 millones de sus ciudadanos. Gran Bretaña, cuyo territorio no fue ocupado, aunque sí asiduamente bombardeado por los nazis, perdió casi 370 mil vidas; mientras los estadounidenses sobrepasan el millón de personas, de ellos 407 316 muertos, 671 846 heridos y 78 751, desaparecidos.
China perdió más de cinco millones de personas, entre muertos y heridos; y Japón a 2,7 millones, mayoritariamente efectivos del ejército imperial, pero deben contarse también los 270 mil japoneses que perecieron a consecuencia de las bombas atómicas lanzadas por Estados Unidos los días 6 y 9 de agosto de 1945 (tres meses después del fin de la guerra), sobre las ciudades de Hiroshima y Nagasaki.
Los invasores alemanes destruyeron y quemaron total o parcialmente 1 710 ciudades y poblados urbanizados de la URSS, más de 70 mil aldeas y seis millones de edificios, dejando sin techo a casi 25 millones de soviéticos. En total las pérdidas económicas de la URSS durante la Segunda Guerra Mundial se equiparan al 30 % de la entonces riqueza nacional del país. Nadie sufrió tanto, ningún otro país perdió tanto.
LA HISTORIA SE ESCRIBIÓ EN EL ´45
Es el dolor y el sufrimiento del pueblo soviético, víctima principal de aquella contienda, lo que aún hoy no es posible calcular. Los años de la post guerra y la reconstrucción del país fueron de durísimo trabajo y penurias para los pueblos que constituían la URSS. Durante años se buscaron unos a otros los integrantes de familias divididas o destruidas parcial o totalmente por la contienda.
Pasados 68 años son cada vez menos los veteranos y sobrevivientes que aún pueden asistir a las celebraciones por la gran victoria. En la Plaza Roja de Moscú cada 9 de mayo se reúnen muchos de ellos. Entre flores y pechos llenos de medallas vuelven a revivirse los recuerdos y regresan las lágrimas a los ojos de los héroes y heroínas de la guerra, y de los hijos y nietos de aquellos que no regresaron.
La paz es el tesoro más preciado que Rusia y otros pueblos vencedores en la Gran Guerra Patria defienden todavía a toda costa. La lucha es en la arena diplomática internacional, ante las nuevas fuerzas hegemónicas que hoy amenazan el planeta, las mismas que se benefician con la tergiversación de la historia. Es también dentro de sus propias fronteras, ante el absurdo resurgimiento de tendencias nazi-fascistas e intentos por minimizar la victoria del 9 de mayo de 1945.
Pero la historia la escriben los vencedores. Poco importa si las fotos o los cuadros de cine fueron tomados durante, o pocos minutos después de que Yegórov y Kantaria pusiesen la bandera sobre el techo de la cancillería fascista, como todavía hoy se comenta. Se afirma también (y parece cierto) que otras banderas soviéticas fueron colocadas, incluso antes, ese mismo día, en esa misma azotea. Lo cierto es que las imágenes de los dos sargentos soviéticos y su Bandera roja de la Victoria son, y serán siempre, el símbolo del gran triunfo sobre el fascismo nazi.
Por: CÉSAR GÓMEZ CHACÓN
(*) Datos tomados del boletín publicado por la embajada de la Federación de Rusia en Cuba.


sexta-feira, 10 de maio de 2013

Dois feminismos: um que inclui e outro que exclui


Não é excluindo e combatendo os homens que se podem superar diferenças construídas historicamente

Nos últimos anos tem crescido o debate acerca do feminismo dentro da esquerda brasileira e nos parece importante analisar os diferentes caminhos que essa luta tem tomado.
A opressão das mulheres nas lutas periféricas
Nos espaços de periferia de uma cidade como São Paulo, é possível notar que cada vez mais a participação das mulheres nas lutas comunitárias é central e, muitas vezes, majoritária. Além dos desafios próprios das articulações político-sociais em que estão presentes – na luta por creches, moradia, postos de saúde, pelos direitos de seus familiares (normalmente homens) presos e outras tantas questões – um grande desafio das mulheres militantes tem sido fazer com que os homens também participem das discussões e lutas sociais de suas comunidades. Pesa sobre elas o fato de não encontrarem apoio às suas iniciativas, uma vez que não é raro que seus familiares homens consumam suas horas fora do trabalho nos bares, vivenciando problemas de dependência química e, às vezes, envolvidos com atividades do tráfico. Muitas vezes a luta das mulheres continua em suas próprias casas contra os ciúmes e/ou a violência dos homens que desaprovam o protagonismo político delas e as novas relações estabelecidas com outros homens e mulheres a partir das experiências de luta e militância que travam em comum. Entretanto, dentro das quatro paredes, a luta dessas mulheres é solitária e a relação de poder frequentemente é ganhada na força. Os casos de agressões físicas, ameaças e outras formas de opressão retiram, costumeiramente, várias militantes das lutas.
Esse quadro, não raro em diversas periferias, lança inúmeros desafios aos movimentos sociais e às organizações políticas. Combater a violência  sofrida pelas mulheres dentro de suas estruturas familiares também passa pelo desafio de politizar, mobilizar e ampliar a participação de homens e mulheres nas lutas sociais que lhes são comuns. Quer dizer, passa pela necessidade de encontrar formas organizativas e maneiras de problematizar e trabalhar com a construção de relações de igualdade entre ambos. Nesse caso, questões como o encarceramento em massa de homens e mulheres, o alcoolismo, o tráfico, a Igreja, as relações machistas e sexistas também precisariam ser combatidas conjuntamente.
Por isso, acreditamos que a questão do feminismo estaria muito mais relacionada a uma luta conjunta da classe do que à necessidade de se criarem coletivos feministas em que apenas as mulheres possam discutir suas questões e revidarem as agressões. Pois entendemos o feminismo como uma luta inserida nos movimentos sociais, que contribui para a superação das relações opressivas de gênero, tendo como objetivo a inclusão das mulheres na luta pela superação dos problemas tanto dos homens quanto das mulheres.
Mesmo em um movimento ainda em formação, sem uma estrutura organizacional consolidada e/ou sem uma frente pré-determinada de atuação exclusiva de mulheres ou homens, é possível perceber a constituição desses espaços excludentes, estabelecendo os limites onde elementos de cada sexo devem atuar, sem a procura pela superação da desigualdade de gênero. Nesse sentido, é interessante o exemplo recente de uma ocupação urbana localizada em uma outra capital brasileira. Os moradores dessa ocupação dispunham, como único espaço de reunião e debate, de um grupo de estudos que tinha encontros semanais, cuja motivação teria surgido a partir de conversas entre um grupo de apoio e algumas mulheres da ocupação. O objetivo desses encontros era promover um reforço da luta, que estava em declínio devido ao período eleitoral. Assim, uma moradora conversou com outras pessoas com quem tinha mais afinidade e cedeu o seu quintal para iniciar os trabalhos.
Nesse caso concreto, não eram só mulheres a participar desses encontros, mas é importante destacar que os esposos das moradoras que tomaram a iniciativa e que cederam o espaço não participavam das reuniões, embora ficassem rodeando e observando tudo. Ao término dos encontros, quando a maioria dispersava, acontecia de eles se aproximarem e procurarem conversar e expor o que pensavam sobre o assunto ou como acreditavam ser a melhor forma de ação. Mas afinal, por que esses homens não participavam diretamente do espaço? Será que as esposas dos demais homens que participavam dos encontros tinham postura semelhante? Qual seria o peso dessa estrutura familiar na organização dos movimentos sociais? Posteriormente ficou evidente aos apoiadores que os homens não participavam das discussões pois isso implicaria estarem de igual para igual com suas respectivas esposas e outras mulheres. Estava exposta, portanto, uma clivagem que dificilmente seria solucionada com a criação de espaços exclusivos para mulheres. Tais espaços exclusivos só agravariam o problema, consolidando-o organizacionalmente. Em sentido contrário, o fortalecimento do espaço de luta tinha como condição principal a integração de ambos os sexos na condução política do processo.
O feminismo como uma renovação nos movimentos sociais
Um outro exemplo que pode ser indicado como contraponto ao tipo de feminismo excludente foi a atuação das mulheres organizadas no interior da Via Campesina na metade da década passada. A partir da organização das mulheres dos assentamentos, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no Rio Grande do Sul passou por uma transformação significativa. O campo gaúcho é marcado por um intenso grau de produtividade agropecuária e pela instalação de plantações com alto investimento de multinacionais. Por isso o projeto de transformação pautado a partir das organizações de mulheres não se restringia a uma reivindicação da reforma agrária contra o latifúndio improdutivo, mas visava as ações impetradas por grandes empresas, que ao mesmo tempo submetiam trabalhadores rurais a condições degradantes e concentravam a propriedade de terra. Ora, entre esses trabalhadores estão mulheres e homens, As grandes empresas capitalistas identificadas nesse processo específico do Rio Grande do Sul foram a Syngenta, a Stora Enso e a Aracruz.
Esse espaço da organização de mulheres escapava em parte do controle das direções nacionais e estaduais do MST, hegemonicamente masculinas, pois, diferentemente das ações decididas nos assentamentos ou regionalmente, as ações vinculadas à mobilização do 8 de março eram consideradas como autodeterminadas. A partir desse espaço as mulheres se organizaram junto a homens alinhados com um projeto político mais radical, para planejar ações diretas contra as multinacionais citadas. Conseguiram articular demandas concretas da luta de homens e mulheres, de maneira a escapar da política implementada pela direção nacional do MST, e com isso protagonizaram iniciativas como a destruição de campos experimentais e de plantações em terras ilegalmente ocupadas.
Um exemplo claro dos resultados dessa organização foi a ação contra a Aracruz no dia 8 de março de 2006. Já em 2007, também em razão das comemorações do Dia Internacional da Mulher, a ação das mulheres da Via Campesina ocorreu em Santa Cruz das Palmeiras, estado de São Paulo, e se voltou contra um centro de pesquisas da Monsanto. Elas destruíram um viveiro e um campo experimental de milho transgênico.
A partir dessas ações diretas e do nível de radicalidade assumido por aquelas mulheres, começaram as reações das burocracias partidárias, do governo e do Movimento. Externamente, o então ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, foi a público repudiar a ação realizada pelas mulheres. Internamente, coube ao MST iniciar pressões para que elas abandonassem essa linha de confronto por meio da ação direta, assumindo como prioridade a “linha de diálogo” com o governo. Contudo, as tentativas de controle não conseguiram minar a organização daquelas mulheres, que avisavam sobre os planos de suas ações apenas a homens de sua inteira confiança e não alinhados com o governo federal. A direção nacional procurou isolar politicamente esse grupo de mulheres, taxando-as de irresponsáveis e reduzindo os repasses financeiros para a região. O processo de tensionamento interno produzido a partir dessa atuação contribuiu para o desgaste dessas militantes dentro do MST. Essas ações e outros embates protagonizados pelas militantes que não aceitavam a postura da direção nacional do movimento constituíram um fator importante na recente ruptura com o MST, expressa na Carta dos 51.
Evidenciou-se aí a possibilidade de renovação das práticas de movimentos sociais a partir da organização de mulheres, o que despertou a atenção dos mais diversos agrupamentos políticos. Não por coincidência, de lá para cá ampliaram-se os setores de mulheres dos movimentos e partidos políticos e novos grupos surgiram em universidades. Analisemos, entretanto, um exemplo para compreender melhor como esse feminismo está se renovando.
Uma tentativa de controle
A Consulta Popular, que devido à sua inserção no MST ficou ciente do potencial de mobilização presente nas divisões de sexo, percebeu que a articulação das mulheres foi protagonista na criação de um espaço crítico à burocracia e não controlado pela direção do Movimento. Mostrava-se ser importante valorizar a temática da opressão da mulher e ao mesmo tempo inseri-la dentro das estruturas formais controladas pelo Movimento. Nesse sentido, a organização criada para direcionar a atuação da juventude urbana (o Levante Popular) teve como primeira deliberação de seu documento organizativo a criação de coletivos de mulheres em todas as instâncias de atuação. O mesmo documento elabora qual deve ser a perspectiva adotada para o trabalho feminista desenvolvido pelo Levante, que citamos aqui: “convidaremos as jovens das frentes de trabalho de base para as atividades e outras jovens que ainda não acessamos, ou seja, as atividades das datas podem servir como ‘porta de entrada’ para outras jovens”. O documento não apresenta uma discussão da opressão das mulheres e homens dentro dos movimentos sociais, tampouco pensa nessa inserção como um meio de potencializar a luta na emancipação de ambos os sexos; mas apresenta o feminismo como uma “porta de entrada” para jovens, ou seja, uma bandeira para aproximar as pessoas da militância da Consulta Popular.
Diferentemente do potencial demonstrado pelas ações das mulheres da Via Campesina, propõe-se a criação de organizações de mulheres em torno de um calendário pré-estabelecido. Para essas organizações são previstos espaços de formação reservados para “estudo prévio sobre as datas: seu significado histórico, dados, história e conjuntura dos respectivos temas: saúde, violência, etnia, com um claro recorte de classe e gênero”. Portanto, não se trata de um espaço para discutir as relações desiguais estabelecidas entre mulheres e homens dentro do Movimento, mas de um espaço determinado como exclusivo das mulheres para desenvolver uma ação política já direcionada. Ainda segundo o documento, o objetivo dessa organização seria o de fortalecer a identidade delas enquanto mulheres do Levante, reforçando os laços de identidade militante com a organização, ao invés de incentivar o espaço de reflexão crítica sobre a militância.
Acentuar a divisão ou superá-la?
Essa apropriação da auto-organização e da identidade das mulheres como um valor em si nos parece contraditória com o feminismo como uma luta de superação da desigualdade entre os sexos, posto que, como afirmamos no início desse artigo, o feminismo deve inserir-se na luta pela superação das contradições inerentes ao conjunto da estrutura social capitalista.
Com base nisso, é importante compreender a questão da opressão de gênero inserida no contexto das relações sociais marcadas pela divisão de classes, em que as identidades do feminino e do masculino são assimiladas pela estrutura social para manter um dado equilíbrio de dominação, da mesma forma que o são as identidades étnicas, de cor de pele, linguísticas, religiosas e nacionais. Pois, como explica Heleieth Saffioti, “fatores de ordem natural, tais como sexo e etnia, operam como válvulas de escape no sentido de um aliviamento simulado de tensões sociais geradas pelo modo capitalista de produção; no sentido, ainda, de desviar da estrutura de classes a atenção dos membros da sociedade, centrando-a nas características físicas que, involuntariamente, certas categorias sociais possuem”. Dessa forma, as identidades de sexo não devem ser analisadas como entidades autônomas, capazes de suplantar, por si próprias, a estrutura social vigente, pois “operam segundo as necessidades e conveniências do sistema produtivo de bens e serviços, assumindo diferentes feições de acordo com a fase de desenvolvimento do tipo estrutural da sociedade” (SAFFIOTI, 1979: 29, 30).
Assim, é possível perguntar: que tipo social tem pautado a questão do feminismo sob a perspectiva que acentua a divisão entre o feminino e o masculino?
O “novo” feminismo urbano
Nos centros urbanos tem se ampliado a existência de grupos de jovens mulheres feministas. Elas se organizam através de coletivos, núcleos no interior das universidades, sites ou blogs. Escrevem textos, promovem encontros, organizam eventos, fazem atos denunciando o sexismo veiculado nas propagandas, realizam marchas pela diversidade sexual, pela ocupação de postos de poder, pela descriminalização do aborto, entre outros. Todas essas lutas são legítimas e necessárias na medida em que denunciam a captura de bandeiras históricas do movimento feminista pelo capitalismo atual, em favor da mercantilização do corpo das mulheres, do sexo e da subjetividade humana.
É possível observar que vem aumentando o número das jovens militantes que denunciam assédios e agressões vividos no interior dos coletivos e movimentos e que insistem na necessidade de se discutir o machismo na sociedade em geral e na esquerda em particular. Por essa razão, em novembro de 2012, na cidade de São Paulo, ocorreu o Seminário-Debate Há machismo na Esquerda?, congregando pessoas de vários coletivos, militantes universitárias e independentes e de movimentos sociais em geral.
Nesse espaço de discussão, criado por mulheres de alguns coletivos feministas, as jovens militantes relataram as dificuldades para debater e enfrentar os diferentes casos de opressão contra as mulheres nos próprios movimentos e coletivos mistos. Afirmam que, embora tenham aumentado os casos de agressões vivenciados por militantes, o assunto não estaria sendo debatido satisfatoriamente pelos militantes anticapitalistas, no sentido de almejar a superação da reprodução do machismo nos seus espaços de atuação. Portanto, com base na questão norteadora, “Quais formas / estratégias de enfrentamento ao machismo nos movimentos?”, as participantes e os participantes, divididos em grupos de discussão, manifestaram suas opiniões e relataram experiências.
Ao longo das discussões, foi possível perceber o aparecimento de duas tendências político-ideológicas claras, revindicadas para subsidiar a reflexão visando ao enfrentamento do machismo nos espaços de atuação: a primeira insiste na adoção do escracho, que consiste em identificar, denunciar e punir publicamente o autor da agressão, como a única forma possível para fazer o agressor se retratar; já a segunda entende ser possível que a organização ou o movimento enfrente a questão com debates abertos, reconhecendo a agressão enquanto uma reprodução do machismo na sociedade e permitindo a construção de espaços que problematizem essa reprodução por militantes do movimento, de forma a reestabelecer os laços de confiança rompidos.
Como consequência prática da primeira tendência, têm surgido diversos coletivos e grupos exclusivamente de mulheres, formados sob o pretexto de que nos coletivos mistos as mulheres não teriam suas demandas acolhidas pelos companheiros e poderiam sofrer opressão pelo seu protagonismo; que não encontrariam solidariedade dos companheiros para o enfrentamento das questões; e, por isso, que se tornaria necessário criar espaços exclusivos de mulheres para se fortalecerem e se sentirem confortáveis para construir uma cultura do direito à autodefesa física e psicológica.
Por outro lado, houve a posição daquelas e daqueles militantes e de coletivos cujo entendimento é de que a presença ativa de mulheres no interior de coletivos mistos, bem como nos movimentos sociais, pressiona na direção da criação de relações sociais igualitárias, na medida em que suas ações, articuladas com demandas concretas que incidem diretamente sobre a vida material das pessoas, provocam a remodelação material e simbólica da estrutura de poder vigente. As lutas travadas em favor do direito à moradia, à educação e à saúde, pela reforma agrária, contra o aumento da tarifa, pelo acesso ao transporte público e pelo direito à cidade são alguns exemplos corriqueiros de ações que abarcam perfeitamente o protagonismo feminino e as ações radicais levadas adiante por elas.
Para nós, a simples afirmação de espaços exclusivos para mulheres reforça um certo tipo de feminismo de gênero que finca sua luta na divisão entre o masculino e o feminino, colocando a necessidade abstrata de se ter reuniões separadas das dos homens para discutir os problemas da opressão. Mas será esse o melhor caminho para a superação desses problemas dentro dos movimentos sociais?
Não enxergamos o escracho inserido nesse contexto como uma forma pedagógica possível de ser empregue na superação da dicotomia entre homens e mulheres nem aplicável ao contexto dos movimentos sociais que intentam acabar com a exploração, com os vários tipos de dominação e opressão. A nosso ver, é um recurso de violência comparável àqueles utilizados pelo Estado capitalista para individualizar e punir. Além disso, esse tipo de escracho tende a instaurar uma situação de irracionalidade e animosidade entre os indivíduos, a recuperar práticas persecutórias, policialescas e de anulação política e social dos sujeitos masculinos envolvidos.
Têm crescido também situações em que homens são banidos de espaços sociais ou de militância pelo fato de serem acusados de machismo. Quando militantes mulheres afirmam ser aquele um agressor, agem imediatamente no sentido de expulsar e/ou boicotar as ações que venham a ser desenvolvidas por homens e pelos coletivos por esse motivo. Mas será que o contrário teria o mesmo tratamento? No caso de ser uma mulher a agressora — mesmo que não fisicamente, agressora psicológica — o escracho ou a expulsão seriam utilizados como medidas?
Parece-nos justificável a hipótese de que esse tipo de feminismo, que aqui definimos claramente como excludente, tende a crescer sobretudo no meio universitário, por possuir um caráter corporativo e proporcionar uma reserva de mercado de trabalho. Quando se fundam departamentos de estudos femininos e se considera que só as mulheres estão habilitadas a pertencer a esses departamentos e a presidi-los, a participar nos eventos organizados por tais departamentos e a escrever artigos para as revistas editadas por esses departamentos, é fácil calcular as enormes possibilidades de aumentar ocurriculum que isso proporciona. Além do mais, na medida em que metade do gênero humano está impedida de participar nesses cargos, eventos e publicações, a concorrência é menor e os obstáculos à ascensão das senhoras e das meninas são menores também.
O que, talvez, essas militantes desconheçam é que essa situação reflete um processo de fragmentação das lutas sociais em movimentos de diversas identidades, o que vem a ser uma orientação incentivada pelos organismos internacionais de financiamento e também de influência nas políticas públicas, como forma de neutralizar as lutas de cunho radical e classista. E que, atualmente, tem encontrado legitimidade ideológica dentro dos muros das universidades.
Não é excluindo e combatendo os homens que se pode superar aquelas diferenças construídas historicamente. Os desafios de pensar as lutas sociais passam, necessariamente, por encontrar formas organizativas e maneiras de problematizar e trabalhar com a participação de homens e mulheres num mesmo espaço, estabelecendo relações de igualdade.
Referência
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis. Vozes, 1979.
As 5ª, 6ª e 7ª ilustrações, juntamente com a imagem de destaque, são de autoria de Mary Beth Edelson .
 Por Passa Palavra

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