segunda-feira, 25 de março de 2013

Brasil de Pé - O modelo dependente é incurável

1. O percentual no PIB dos investimentos na produção e na infra-estrutura física e social está em patamar muito baixo na comparação com os países em que a indústria é basicamente nacional. Isso ocorre desde os anos 70, quando já se deveria ter entendido que o modelo dependente é incompatível com o desenvolvimento.

2. Embora o crescimento natural da população tenha sido contido, devido à intervenção de fundações norte-americanas, a produção é de longe insuficiente para assegurar sequer tolerável  qualidade de vida à esmagadora maioria dos brasileiros. Ademais, a produção e a infra-estrutura são orientadas em função de interesses estrangeiros.

3. O modelo dependente gerou enorme endividamento, cujo serviço asfixia a economia brasileira. De há muito, a taxa de investimento do Brasil corresponde a cerca de metade das da China, Coreia, Taiwan e outros.

4. Houve  um processo cumulativo de desnacionalização e de concentração econômica, determinantes de crescente ascendência das transnacionais sobre o “poder público”, criando  instituições e mentalidade que levam a brutal desperdício dos recursos investidos.

5. Por isso não só se investe pouco, mas se investe mal, em todos os sentidos: na escolha de em que investir e no modo de realizar os investimentos.

6. Enquanto o Titanic afunda, economistas prosseguem fazendo propostas tópicas, sem perceber – ou fingindo não perceber – que nenhuma delas resolve coisa alguma enquanto perdurar o modelo dependente.

7. Lembrando que, desde 1990, a renda per capita cresce a 1,7% ao ano  (4% entre 1930 e 1980)  e que a taxa de investimentos patina em torno de míseros 18%, Bresser Pereira propõe, como solução salvadora, reduzir substancialmente os juros e desvalorizar a taxa câmbio do real.

8. Essas medidas seriam em si benéficas. De fato, seis pontos percentuais na redução dos juros públicos, incidindo sobre a dívida interna de 3 trilhões de reais,  liberariam recursos para investimentos de infra-estrutura e produtivos de R$ 180 bilhões anuais (4% do PIB).

9. Vantagem adicional decorreria da baixa dos juros pagos pelas empresas produtivas e por pessoas físicas, diminuindo custos e elevando renda. Ademais, é  infundada a ideia, amplamente disseminada, de que juros altos detêm a inflação.

10. A queda dos juros induziria, ainda, a desvalorização cambial,  já que, eliminado o grande diferencial entre as taxas reais de juros internas e as taxas deprimidas dos EUA, Europa etc., cessaria o grande afluxo financeiro  que vem “equilibrando” o balanço de pagamentos (BP).

11. Entretanto, sem essa entrada de capitais, sem grandes investimentos diretos estrangeiros e aquisições de empresas nacionais, o elevado déficit de transações correntes se traduziria em déficit no BP. Desencadear-se-ia  fuga de capitais estrangeiros (dos quais uma parte é de brasileiros com depósitos no exterior).

12. Isso faria o real desvalorizar-se muito além do desejável e acelerar a inflação, pois o País está mais dependente, que no passado, de importações de bens de capital, insumos e bens finais.

13. É evidente, pois, que não seria viável reduzir significativamente os juros,  sem instituir rigoroso controle de capitais e sem racionar de divisas, diferenciando importações essenciais das demais, seja com taxas múltiplas de câmbio, seja com elevados impostos para as importações menos essenciais e para as supérfluas.

14. Óbvio também que tudo isso só é viável se o governo tiver autoridade, poder e vontade de afrontar as regras da comunidade financeira (oligarquia da ordem mundial anglo-americana) instrumentadas através de seus cães de guarda, FMI,  Banco Mundial e  Organização Mundial do Comércio (OMC).

15. Além de ter autonomia em face dessas instâncias “internacionais”, teria o governo de, ou exercer efetivo controle sobre  bancos e  empresas oligopolistas, ou estatizá-los, já que, do contrário, represálias de uns e das outras  levariam à  desestabilizaçáo do governo, como de hábito, dirigida por  serviços secretos das potências imperiais.

16. Precisaria, ainda, elevar, inclusive qualitativamente, a produção e manter a inflação sob controle, e isso só seria possível  retirando dos oligopólios, na maioria de transnacionais, o domínio, sem concorrência, sobre os mercados e acabando com os abusos dos detentores dos serviços públicos privatizados e dados em concessões.

17. Ora, o que o atual Executivo federal está fazendo é o contrário de tudo isso, apoiado pelo Congresso, sempre entreguista. Não só mantêm-se as privatizações e as concessões, que já haviam deteriorado a qualidade e encarecido os preços da eletricidade e das telecomunicações, como se ampliam os privilégios dos grupos que os exploram. Além disso, o Estado prossegue fugindo a seus deveres, ao  entregar novas áreas, como aeroportos, portos e ferrovias.

18. O modelo é  outorgar a exploração dos serviços, oferecendo dinheiro público e financiamento, a juros mínimos, por bancos estatais, e garantir lucro elevado e sem risco aos beneficiários.

19. Em requinte privatista, regado a dinheiro dos contribuintes, o governo planeja que o Tesouro e  o BNDES repassem recursos aos bancos privados para  emprestarem aos concessionários dos novos serviços privatizados.

20. Ou seja: mais negócios para os bancos lucrarem com dinheiro que não lhes pertence, acrescendo aos colossais fundos que já lhes são providos pelos depositantes (em dezembro, o governo reduziu em  mais R$ 15 bilhões, os  depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central).

21. Lucro sem comparação em todo o mundo para grupos privados - garantido e  sem risco -  tudo bancado pelo Estado – é  como  o governo pretende promover o crescimento dos investimentos em infra-estrutura.

22.  “Pretendem”  diminuir o famigerado “custo Brasil”, melhorando a competitividade da economia. Mas não atentam para:
a) custos artificialmente elevados pela contabilidade dos oligopólios;
b) o kafkiano e abstruso método usado para que as distribuidoras (privatizadas) da energia fiquem com o grosso dos ganhos decorrentes de preços altíssimos, sem nada terem investido na geração e na transmissão;
c) as restrições impostas por IBAMA, FUNAI, organizações estrangeiras e ONGs, e ministérios públicos federal e estaduais, a que hidrelétricas sejam construídas com integral aproveitamento do potencial hídrico;
d) a supressão das eclusas, cuja falta deixa de criar vias fluviais navegáveis, num País em que a infra-estrutura de transportes não poderia ser mais horrorosa;
e) a falta de adequados procedimentos de controle dos custos das obras e de concorrência que viabilize a participação de empresas de capital nacional de menor porte.

23. Por fim, não se consegue tornar o Brasil competitivo aplicando  vultosos recursos em pesquisa científica e tecnológica (previstos R$ 32,9 bilhões em 2013/2014), apregoando grande salto na inovação, porque esse dinheiro é dissipado enquanto não houver condições para que empreendimentos de capital nacional vinguem no mercado.

  Por: *Adriano Benayon

* Consultor em finanças e em biomassa. Doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo, Bacharel em Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Diplomado no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, Itamaraty. Diplomata de carreira, postos na Holanda, Paraguai, Bulgária, Alemanha, Estados Unidos e México. Delegado do Brasil em reuniões multilaterais nas áreas econômica tecnológica. Depois, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal na área de economia. Professor da Universidade de Brasília (Empresas Multinacionais; Sistema Financeiro Internacional; Estado e Desenvolvimento no Brasil). Autor de Globalização versus Desenvolvimento, 2ª ed. Editora Escrituras, São Paulo.



domingo, 24 de março de 2013

RESISTÊNCIA INDÍGENA, CAMPONESA E OPERÁRIA




Encontro ocorrido na terra Indígena Iraí (Kaingang), no norte do Rio Grande do Sul, entre indígenas, sindicalistas, advogados, militantes sem terra, professores, e demais apoiadores. O encontro foi um marco na defesa dos direitos indígenas da região e na construção de uma unidade entre trabalhadores da cidade, do campo e indígenas.

Edição e Imagens: Leonardo Santos

domingo, 10 de março de 2013

De Onde Vem o Dinheiro?

Tornou-se comum o pensamento de que os bancos somente podem emprestar o que antes recebem como depósitos. O sistema financeiro assim se reduziria a um mero intermediário que repassa o dinheiro depositado por seus clientes com excesso de poupança para seus outros clientes com deficiência de poupança. O banco lucraria com a o diferencial entre taxas cobradas e recebidas. Simples, essa hipótese é muito difundida pelo imaginário popular, pela televisão, jornais e, ainda mais, pelos cursos de graduação e pós-graduação em economia. O problema central da hipótese de que o sistema financeiro não passaria de um intermediário entre poupadores líquidos e gastadores líquidos é sua falsidade. Os bancos não repassam dinheiro, mas sim criam dinheiro, dinheiro que não existia previamente na economia. A causalidade não vai dos depósitos para os empréstimos, como se o montante de crédito fosse limitado pela quantidade de dinheiro já em circulação. A causalidade opera justamente ao contrário: é a quantidade de crédito emprestado que determina o volume de depósitos à vista. Como então entender que a hipótese de que os bancos são meros intermediários persiste no imaginário tanto de economistas profissionais quanto da população em geral?

Sustento a tese de que o capitalismo precisa manter a ilusão de que o sistema financeiro se reduziria a um intermediário neutro que não pode criar dinheiro de forma privada. Isso fica patente através da ilusão generalizada de que a única organização responsável por criar dinheiro seria o banco central via impressão de novas notas. O controle monetário estaria assim assegurado e, melhor ainda, sob os auspícios do estado e não do mercado. Mas juntamente a esta ilusão se situa a realidade de que o dinheiro é sim criado por instituições financeiras privadas, de maneira independente do que deseja o banco central.
A teoria do multiplicador bancário nos fornece um excelente exemplo da ilusão a qual me refiro. A tese difundida, inclusive entre estudiosos de teoria econômica, é a de que o governo determina o total da oferta monetária através do controle direto da base monetária (“M0″) e das reservas (reserve ratio) que os bancos devem manter como proporção dos depósitos. Como os bancos emprestam diversas vezes o mesmo montante depositado, a oferta final de crédito no sistema seria uma mera multiplicação do montante inicialmente ofertado pelo banco central. O problema com teoria do multiplicador é que os bancos de fato não emprestam o que receberam antes como depósitos! Ainda mais, o banco central de fato não consegue determinar a oferta total de crédito na economia simplesmente porque a oferta final não é um múltiplo da base monetária!
Na teoria de Keynes e Minsky o dinheiro e o crédito são determinados endogenamente pelo bancos privados. O multiplicador bancário é inexistente e o sistema financeiro determina o montante de dinheiro em circulação ao determinar antes o montante de crédito adiantado. O que determina a oferta de dinheiro na economia são as expectativas de lucratividade dos bancos privados, algo bem ao largo do controle estatal da emissão de moeda.
Por que então o público continua acreditando na ilusão de que a origem do dinheiro reside na emissão de papel-moeda pelo governo federal? Essa foi uma das perguntas que tentei responder na minha dissertação de mestrado. Tentei usar a teoria marxista para mostrar como a teoria do sistema financeiro depende logicamente da teoria do dinheiro. Para Marx, o dinheiro é um fim em si mesmo que aparece como um simples e neutro intermediário para realizar transações. A ilusão da neutralidade do dinheiro como meio inverte sua determinação como finalidade e não-neutralidade. Expandi o raciocínio para afirmar que o crédito apresenta a mesma inversão: de algo que  aparenta ser neutro e que funciona como mero meio para uma determinação como fim em si mesmo. O crédito, acredito eu, repete a ilusão criada pelo dinheiro de ser um intermediário neutro para as trocas.
A origem do dinheiro, em termos de sua oferta total, é sua criação pelos próprios bancos privados atráves dos empréstimos que concedem baseados em expectativas de lucratividade futura. A origem do dinheiro em circulação não é determinada pelo estado ou pelo banco central – ainda que esta ilusão seja necessária para manter o dinheiro justamente como entidade sob o controle privado do mercado. A ilusão do controle público do dinheiro se faz necessária para mantê-lo sob o de fato controle privado pelo sistema financeiro. A ilusão opera para garantir a reprodução da realidade como realidade mesma. A ilusão é um momento da realidade.
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Para quem quiser ler mais sobre como a teoria marxista pode iluminar o funcionamento do crédito, podem ler a dissertação de mestrado que escrevi em 2008
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Para quem quiser entender a origem lógica da forma dinheiro, recomendo os escritos da professora Leda Paulani sobre a autonomização do valor. Reparem que a determinação da oferta de dinheiro e do crédito diz respeito à origem da oferta do dinheiro. O que é um problema teórico distinto do problema da determinação da origem da forma do dinheiro como forma social.
A teoria keynesiana funciona para explicar a origem da oferta de dinheiro e crédito. Mas somente a teoria marxista possui a teoria do valor para explicar a origem lógica da forma dinheiro e da forma crédito como formas de valor autonomizado. A teoria neoclássica permanece em silêncio neste caso, pois não passa de uma mera redução do capitalismo a uma economia de escambo sem dinheiro algum!
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Interessante é pensar sobre as razões ocultas na teoria das expectativas racionais dos economistas de Chicago que colocam o dinheiro como neutro justamente quando os trabalhadores americanos e europeus foram enfraquecidos na luta de classes com o advento do neoliberalismo. Clique aqui para ler um artigo que escrevi conectando a emergência do monetarismo de Friedman e da neutralidade da moeda da escola de Chicago com a luta de classes nos EUA e na Inglaterra no pós-1970.
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Para aqueles que ainda se interessarem mais pelo assunto, recomendo também a sequência de vídeos abaixo que mostra como os bancos privados criam e destroem dinheiro de acordo com suas expectativas de lucratividade futura. Novamente, atenção para o fato de que os vídeos abaixo lidam com a questão teórica da origem da oferta de dinheiro. A teoria marxista da autonomização do valor lida com a questão teórica da origem lógica da forma dinheiro. Estes são problemas teóricos distintos, ainda que fortemente correlacionados.
Neste caso, a teoria keynesiana não possui uma teoria do valor para explicar a origem do dinheiro como forma social, contentando-se em explicar somente a oferta de dinheiro criada de maneira endógena pelos bancos. Economistas keynesianos em geral contentam-se com uma teoria institucionalista do dinheiro e do crédito, na qual os laços de confiança entre os agentes seriam centrais. O problema, do meu ponto de vista, é a ausência completa de uma coerente teoria do valor. Como teorizar o dinheiro, me pergunto, sem antes teorizar o que é valor?

 


 










Fonte: Marx21
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sexta-feira, 8 de março de 2013

TRT/SC condena frigorífico em R$ 25 milhões para recuperar trabalhadores lesionados

 Aumentou para R$ 25 milhões o valor da condenação por danos morais coletivos atribuída à Seara Alimentos S. A., fruto de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2007, após a demissão de dez trabalhadoras da ré que haviam se retirado por instantes da sala de cortes da unidade industrial de Forquilhinha/SC, por conta do frio intenso do local. Julgados os recursos das partes contra a decisão de 1ª instância, a destinação da pena imposta por danos sociais – R$ 14,6 milhões -, inicialmente definida pela 4ª Vara do Trabalho de Criciúma, foi ampliada e majorada pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina (TRT/SC).


A sentença de 1º grau, prolatada pela juíza Zelaide de Souza Philippi, havia condenado a Seara, pertencente ao Grupo Marfrig - multinacional presente em 22 países - a tomar providências visando a preservação da saúde dos seus empregados na unidade de Forquilhinha e que o montante fosse aplicado no aparelhamento do INSS, do SUS e do Ministério do Trabalho e Emprego no município, para diagnóstico precoce de doenças de natureza ocupacional e projetos de reabilitação física e profissional.
Já o acórdão do TRT/SC ampliou a abrangência das ações a serem desenvolvidas, determinando que tais recursos também devam ser destinados à realização de pesquisas visando adequação do meio ambiente de trabalho, especialmente em frigoríficos, contemplando, além da região de Criciúma, os municípios de Itapiranga, Ipumirim, Seara e Chapecó, onde o grupo empresarial mantém unidades fabris.
A relatora do acórdão, desembargadora Águeda Maria Lavorato Pereira, lembra que a Constituição Federal estipula como direitos fundamentais o trabalho decente, a vida, a saúde e a dignidade, assim como a redução dos riscos inerentes ao trabalho. Para ela, tais preceitos por si só já teriam eficácia jurídica para impor obrigações às empresas. “Demonstrado que a empresa submeteu por vários anos seus empregados a temperaturas inferiores às previstas no art. 253 da CLT, sem a concessão de pausas de recuperação de fadiga, merece ser mantida a sentença”, registrou.
Outro problema tratado no processo refere-se às dificuldades dos trabalhadores para ir ao banheiro, principalmente em ambiente próximo dos 10 graus centígrados. De acordo com a decisão, “a limitação do uso de banheiro configura descumprimento dos preceitos constitucionais que tutelam a saúde e a dignidade humana”. A empresa alegou no recurso que “a saída ao banheiro indiscriminadamente e sem qualquer comunicação (…) transformará o setor da linha de corte em verdadeira balbúrdia”. O acórdão, contudo, determina que seja assegurado o uso do banheiro a qualquer momento da jornada de trabalho, sem necessidade de justificativa, no prazo máximo de cinco minutos após a informação do empregado ao encarregado, para que providencie a substituição. Excedido o prazo, fica assegurado o uso do banheiro pelo tempo necessário, independentemente de substituição.
Atestado fraudado, médico denunciado - O Tribunal também enfrentou a polêmica da não aceitação pela empresa de atestados médicos particulares dos trabalhadores. Em sua defesa a ré afirmou que somente rejeita atestados médicos manifestamente fraudados ou em desacordo com o histórico médico do trabalhador, definido por seu corpo médico e pelos demais integrantes do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (Sesmit).
Mas, diante das provas do processo, os julgadores entenderam o contrário e determinaram remessa de cópia do acórdão ao Conselho Federal de Medicina e ao Ministério Público Federal para a adoção de medidas cabíveis, por conta dos procedimentos adotados por dois médicos do trabalho da unidade da Seara de Forquilhinha. Mesmo assim, deram provimento parcial ao recurso da ré, mantendo a determinação de que ela deve aceitar os atestados de médicos não ligados à empresa. A multa por descumprimento, estabelecida na sentença de 1º grau não incidirá, contudo, quando a empregadora, ao recusar o atestado, denunciar o profissional na Polícia Civil e representar contra ele no Conselho Regional de Medicina.
O acórdão também solicita ao MPT medidas cabíveis no sentido de conferir efetividade ao art. 15 da Convenção 161 da OIT, que veda ao médico do trabalho a atividade de medicina clínica, cabendo a ele apenas ações de identificação e adequação do meio ambiente de trabalho.
Foi confirmada pelo TRT a existência de “prova cabal e irretorquível da omissão da ré em emitir Comunicações de Acidentes de Trabalho”, comprovada pelas CATs providenciadas pelo sindicato da categoria profissional no período de 2005 a 2007, referentes a dezenas de casos de doenças ocupacionais não notificadas pela empresa.
O acórdão ainda menciona: “Não resta dúvida de que a ré, conforme consta da bem lançada sentença de 1º grau, deixou de observar inúmeros dispositivos legais, conforme já consignado nos itens precedentes. Essas condutas, conforme a prova dos autos, geraram danos graves e irreparáveis à saúde de inúmeros empregados submetidos a ambiente de trabalho degradado, com o único intuito de obtenção de lucro, situação que o juízo trabalhista denominou, em duas oportunidades (tutela antecipada e sentença), de uma 'legião de trabalhadores doentes e incapacitados'”.
Além disso, acrescenta a decisão, “somente na unidade da ré, na cidade de Forquilhinha-SC, trabalham cerca de 2.500 empregados. Por via de consequência, restou afetada negativamente a esfera ética da coletividade, posto que o trabalho decente, a dignidade humana, a saúde, a vida digna, o meio ambiente de trabalho adequado e a redução dos riscos inerentes ao trabalho, além de preceitos constitucionais, são valores fundantes da sociedade brasileira”.
Assim, a 1ª Turma do TRT decidiu que o valor da indenização fixada na sentença deveria ser majorado. “Se a obtenção do lucro a qualquer custo fez com que as condições de trabalho fossem degradadas da maneira demonstrada, revela-se razoável a ameaça de imposição de pesadas sanções para que se restabeleçam no tempo oportuno as condições mínimas exigidas pela legislação de proteção”, registra o acórdão, referindo-se ao aumento da condenação por dano moral coletivo para R$ 25 milhões.
A empresa ainda foi condenada a assegurar tratamento integral até a efetiva convalescença, conforme o art. 949 do Código Civil, a todos os empregados e ex-empregados acometidos de doenças ocupacionais, conforme se apurar em liquidação de sentença. O valor da indenização por dano social deverá ser destinado, exclusivamente, às regiões do Estado de Santa Catarina onde estão situadas as unidades fabris da ré, ao arbítrio do juízo da execução, observado o critério da não pulverização dos recursos.
Aparelhamento de entidades para beneficiar trabalhadores
Os recursos deverão ser investidos para aparelhamento do INSS, do SUS e da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Santa Catarina, visando o diagnóstico precoce de doenças de natureza ocupacional, especialmente distúrbios osteomusculares e transtornos mentais. O acórdão também ordena o uso de valores para aquisição de equipamentos, objetivando a realização de exames e treinamento de pessoal, nas regiões dos municípios mencionados.
Também está prevista a destinação dos recursos para projetos de reabilitação e recuperação física e profissional nas regiões referidas, além de pesquisas para a adequação do meio ambiente de trabalho, especialmente em frigoríficos. Os projetos poderão ser elaborados, individual ou em conjunto, no prazo de 90 dias cada um, pela Secretaria Estadual de Saúde, pela Fundacentro, pelo INSS e pelo SUS, pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego estadual, pelos Centros de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador de Santa Catarina, por meio das macrorregiões de Criciúma e Chapecó, e pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes, Derivados, Frangos, Rações Balanceadas, Alimentação e Afins de Criciúma e Região.
O acompanhamento e a fiscalização deverão ficar a cargo da Coordenadoria Nacional da Defesa do Meio Ambiente do Trabalho – Projeto de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos do Ministério Público do Trabalho, mediante apresentação de parecer sobre a conveniência e oportunidade dos projetos, observadas as demais diretrizes definidas na sentença de primeiro grau.
Foram confirmados também os efeitos da antecipação de tutela garantidos pela sentença de primeira instância.
Da decisão cabe recurso.

Fonte: CSTJ

quinta-feira, 7 de março de 2013

Intelectuais brasileiros explicam por que ainda é importante ler Marx


Questionados pela Folha, quatro intelectuais brasileiros explicam as razões pelas quais os escritos do filósofo alemão Karl Marx são importantes até os dias de hoje e, por isso, ainda merecem leitura.
ROBERTO SCHWARZ, crítico literário
“Como percepção da sociedade moderna, não há nada que se compare a ‘O Capital’, ao ‘Manifesto Comunista’ e aos escritos sobre a luta de classes na França. A potência da formulação e da análise até hoje deixa boquiaberto. Dito isso, os prognósticos de Marx sobre a revolução operária não se realizaram, o que obriga a uma leitura distanciada. Outros aspectos da teoria, entretanto, ficaram de pé, mais atuais do que nunca, tais como a mercantilização da existência, a crise geral sempre pendente e a exploração do trabalho. Nossa vida intelectual seria bem mais relevante se não fechássemos os olhos para esse lado das coisas.”
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI, filósofo:
“Os textos de Marx, notadamente ‘O Capital’, fazem parte do patrimônio da humanidade. Como todos os textos, estão sujeitos às modas, que, hoje em dia, se sucedem numa velocidade assombrosa. Depois da queda do Muro de Berlim, o marxismo saiu de moda, pois ficava provada de vez a inviabilidade de uma economia exclusivamente regida por um comitê central ‘obedecendo a regras racionais’, sem as informações advindas do mercado. Mas a crise por que estamos passando recoloca a questão da especificidade do modo de produção capitalista, em particular a maneira pela qual esse sistema integra o trabalho na economia. O desemprego é uma questão crucial. As novas tecnologias tendem a suprir empregos. Na outra ponta, o dinheiro como capital, isto é, riqueza que parece produzir lucros por si mesma, chega à aberração quando o capital financeiro se desloca do funcionamento da economia e opera como se a comandasse. A crise atual nos obriga a reler os pensadores da crise. Como cumprir essa tarefa? Alguns simplesmente voltam a Marx como se nesses 150 anos nada de novo tivesse acontecido. Outros alinhavam as modas em curso com os textos de Marx, apimentados com conceitos do idealismo alemão, da psicanálise, da fenomenologia heideggeriana. Creio que a melhor coisa a fazer é reler os textos com cuidado, procurando seus pressupostos e sempre lembrando que a obra de Marx ficou inacabada e sua concepção de história, adulterada, por ter sido colada, sem os cuidados necessários, a um darwinismo respingado de religiosidade.”
DELFIM NETTO, economista
“Porque Marx não é moda. É eterno!”
LEANDRO KONDER, filósofo:
“Os grandes pensadores são grandes porque abordam problemas vastíssimos e o fazem com muita originalidade. A perspectiva burguesa, conservadora, evita discuti-los. E é isso o que caracteriza seu conservadorismo. Marx é o autor mais incômodo que surgiu até hoje na filosofia. Conceitos como materialismo histórico, ideologia, alienação, comunismo e outros são imprescindíveis ao avanço do conhecimento crítico. Por isso, mais do que nunca é preciso frequentá-los.”

 Confira, abaixo, as aulas de Chico de Oliveira e Osvaldo Coggiola sobre o Manifesto Comunista, no Curso Livre Marx-Engels







Fonte:  marxcriacaodestruidora.com.br

quarta-feira, 6 de março de 2013

O legado de Chávez. Ele intuiu sentimentos da periferia

Hugo Chávez passará à história como a manifestação mais inconfundível da afirmação de um ator político novo na América Latina: as periferias das metrópoles nascidas da urbanização explosiva das últimas décadas. Ele foi um dos primeiros a intuir que essas periferias não se sentiam representadas pelos partidos tradicionais dado o fracasso destes em melhorar a vida das maiorias. Preenchendo esse vácuo, seu gênio foi tentar dar às periferias expressão própria, canalizando assim o descrédito desses partidos e instituições para um movimento de redistribuição imediata de benefícios tangíveis aos mais carentes: saúde, educação pública, moradia, alimentos.
O tempo histórico de Chávez é diferente do que prejudicou muitos líderes populares anteriores no continente. Ele é o primeiro a surgir após a Guerra Fria e o fim do comunismo. Isso e a concentração estratégica americana no Oriente Médio explicam que os Estados Unidos tenham se acomodado, embora de mau grado, a seu anti-imperialismo.

Sua circunstância nacional também contrasta com a da redemocratização na Argentina, no Brasil e no Chile no início dos anos 1980. Ele não teve de reagir contra uma ditadura militar (a última terminara na Venezuela em 1958). Seu duplo alvo eram os partidos desmoralizados da democracia tradicional e a ortodoxia econômica do Consenso de Washington, que impusera o pacote de ajuste econômico acertado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) pelo presidente Carlos Andrés Pérez (1989). O violento protesto popular contra o pacote, o "caracazo", e sua brutal repressão estão na raiz da ascensão que, depois de muitas peripécias, levaria o jovem oficial paraquedista ao poder (1999).

Entende-se assim que suas prioridades fossem a refundação da República e uma política econômica e social de signo oposto ao consenso neoliberal. A palavra refundação sugere que a independência promovida por Simón Bolívar havia sido confiscada pela oligarquia. Impunha-se, portanto, abandonar as instituições tradicionais mediante reformas que rompessem os mecanismos eleitorais, legislativos e judiciais de perpetuação da oligarquia no poder.

A refundação visava reinventar uma democracia nova, de participação direta, não mais do tipo clássico de partidos e representação indireta. A participação se efetivaria por meio de mecanismos inovadores e pelo recurso frequente a referendos e consultas diretas aos cidadãos. Uma das consequências é a autorização de reeleições sucessivas do presidente, que não escondia a aspiração de governar até 2031. Desaparece na prática o sistema de pesos e contrapesos e a verdadeira possibilidade de alternância no poder, características da democracia representativa.

Na visão chavista, seria essa a única maneira de transformar a economia no sentido de uma radical redistribuição da riqueza e dos recursos naturais em favor da maioria pobre e mestiça. Para isso criaram-se mais de 20 programas assistenciais ou de transferência de renda, as chamadas "misiones bolivarianas". Os preços altos do petróleo forneceram a Chávez os meios para realizar esse programa, conquistando o apoio dedicado de mais da metade da população.

Multiplicaram-se nacionalizações e intervenções nas atividades produtivas sem que tivesse havido real transformação das estruturas da economia. Apesar do ambicioso objetivo de construir o "Socialismo do Século XXI", a Venezuela continua a ser o que sempre foi ao longo desses cem anos: uma economia rentista de petróleo. O que mudou foi o setor que se apropria agora da maior parcela dessa renda.

O petróleo financiou também a ajuda a Cuba, aos caribenhos e a criação da Alba, Aliança Bolivariana. Embora haja alguma semelhança entre os bolivarianos, as diferenças são ainda mais acentuadas. No fundo, o modelo chavista não se mostrou exportável devido à especificidade petrolífera venezuelana.

Dotado de grande habilidade tática, Chávez sobreviveu ao golpe de 2002, à greve geral daquele ano e à derrota de sua reforma constitucional de 2007. A maioria do chavismo é indiscutível, mas a oposição oscila em torno de significativa parcela de 40% do eleitorado, expressão de sociedade polarizada e radicalizada em dois segmentos diferenciados pela classe social e até pelo grau de miscigenação racial.

O desaparecimento de Hugo Chávez não significará a extinção do movimento de genuína base social que fundou, da mesma forma que não se apagaram os legados de Getúlio Vargas, Juan Perón ou Haya de La Torre. Não é impossível que, num primeiro momento, sua morte gere (como no suicídio de Getúlio ou na morte de Néstor Kirchner) um efeito de simpatia em favor dos sucessores. É o que parece ter ocorrido nas eleições regionais de dezembro, em que a oposição só conseguiu manter três dos sete governos estaduais que detinha. O desafio do chavismo virá mais adiante, devido ao seu fracasso na economia e na efetivação de muitas das reformas que tentou introduzir.

Ainda assim, seria pecar por superficialidade subestimar Chávez devido a seus dotes histriônicos ou descartá-lo como mais um caudilho populista latino-americano, ignorando a profunda aspiração de transformação social e cultural à qual buscou dar expressão. A ascensão dos setores populares próximos da linha de pobreza, sua exigência de dignidade e vida melhor, continuarão a alimentar na Venezuela e na América Latina movimentos que só se esgotarão quando se realizar sua promessa. Como o surgimento de um ator novo acarreta mudanças na posição de outros, é provável que isso gere desestabilização por décadas como aconteceu na Europa do século XIX.

Não compreender por que milhões de venezuelanos rezam por Chávez é repetir a experiência narrada por Ernesto Sabato sobre a queda de Perón em 1955. O escritor comemorava com amigos intelectuais e profissionais liberais o fim do ditador que envergonhava a Argentina até que, em certo momento, teve de entrar na cozinha. Lá, todos os empregados choravam...
 

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap, em artigo publicado no jornal Valor, 06-03-2013.
Fonte: IDH


 


segunda-feira, 4 de março de 2013

RENAN CALHEIROS É, SEM DÚVIDA, O MELHOR PRESIDENTE PARA O SENADO – POR LUIZ RODOLFO VIVEIROS DE CASTRO

Renan tem uma longa história política. Começou militando no movimento estudantil,ligado ao PC do B. Há controvérsias sobre se foi somente Renan que mudou de lado. E aqui faço um parênteses para falar um pouco sobre este partido que já foi conhecido
pela combativa guerrilha do Araguaia e hoje é lembrado pela relatoria do Código Florestal e pelo escândalo dos negócios com as carteirinhas da UNE. Volta e meia fico com vontade de entrar com um processo no Procon por propaganda enganosa: não dá para aturar que este ajuntamento (pra não dizer quadrilha) de negociantes da política, continue se chamando Partido Comunista do Brasil. Dá engulhos ver o relator
do Código Florestal entrando no plenário da Câmara aplaudido de pé pela bancada ruralista comandada por Ronaldo Caiado e Moisés Lupion, entre outros. Relator este, Aldo Rebelo, que obteve como prêmio a nomeação para ministro dos esportes, posto desde o qual comanda a organização da Copa e das Olimpíadas, provavelmente com o mesmo enfoque que utilizou no Código Florestal, seguramente não na linha de deixar um legado para o povo mas sim para garantir grandes negócios para os empresários e
a máxima subserviência à Dona FIFA. Fechando o parênteses e pedindo desculpas pela longa diatribe contra este agrupamento, mas é que estava engasgado dentro de mim, volto para a trajetória
política de Renan. Entrou para a carreira política, sim porque é uma carreira, é que nem no exército: tenente, capitão, major, tenente-coronel, coronel e generais de vários números de estrelas. Na carreira política é vereador, deputado estadual, prefeito, deputado federal, governador, senador e por aí vai. Às vezes assumem, sem perder a patente (ou mandato) missões específicas, como exercer o cargo de ministro, não importa em que pasta, os cargos são políticos, não há necessidade de formação ou conhecimento específico para a área de atuação do ministério. Pois é, Renan saltou alguns cargos, preferiu ficar no legislativo, afinal, parece que no executivo a pessoa fica mais exposta, dá pra gente, pelo menos tentar, medir se algo foi executado, já no parlamento, se ficar só no Blá-Blá-Blá e articular direito, cultivando boas relações com seus pares e com grupos de interesse e lobistas, dá pra se manter por lá e, na maioria dos casos,
enriquecer. Renan foi deputado estadual, federal e já está no terceiro mandato de senador – são 18 anos só no senado e ainda tem mais seis deste mandato atual. Desde 1986, Renan se posicionou sempre do lado de quem estava no poder, salvo na transição, por curto espaço de tempo, entre um mandatário e outro, o cara tem faro, sabe quando a situação vai mudar. Estava com o Plano Cruzado do Sarney em 1986. Bandeou-se para o projeto Collor ainda em 1987, quando foi um dos “quatro da China”, juntamente com seu chefe de então – Fernando Collor, na época governador de Alagoas e auto intitulado, com a ajuda da Veja, caçador de marajás – de PC Farias e Cleto Falcão. Foi coordenador político da campanha de Collor em 1989 e líder da tropa de choque deste, no Congresso, em 1990. Com o impedimento do então presidente, fica quieto por um tempo, mas sem deixar de dar apoio ao governo Itamar Franco. Em seguida defende o Plano Real e se torna ministro da Justiça de FHC – nada mais natural, visto que possui um saber jurídico que o credencia para este cargo. Sempre coerente com seu partido, o PMDB (Partido da Metamorfose Descarada Brasileira), começa a cortejar o governo Lula. Vai para a base governista no congresso e com Lula reeleito em 2006, seu partido ganha alguns ministérios e Renan é eleito PRESIDENTE
do SENADO – tá vendo, o cara tem história e tem experiência acumulada. Aí houve um pequeno acidente de percurso. Alguém denuncia que a pensão que Renan pagava para a mãe de uma filha dele, vinha de uma conhecida empreiteira. Renan, como bom estrategista, sabe recuar. Simples assim, negocia a renúncia à
presidência e escapa de um processo na, sempre rigorosa, comissão de ética do Senado, continuando a exercer seu mandato de senador. Continua prestigiado em seu partido e participa, com papel sempre proeminente, de todas as articulações políticas da base governista. Por sua enorme capacidade política é eleito líder da bancada do PMDB no Senado. A partir deste posto, passa a ter, junto com o até agora presidente do Senado, Sarney e o líder de turno do Pt, o papel central nas negociações para que sejam aprovadas as propostas de interesse do executivo. Credenciando-se a partir daí e da repartição de benesses entre os senadores dos vários partidos – sobretudo os 21 que nunca tiveram um voto, são suplentes, em grande parte financiadores das campanhas dos efetivos, que se licenciam para exercerem cargos de ministro ou se elegem, no meio do mandato de senador, governadores de seus estados – para ser o escolhido como
candidato, novamente, a presidente do senado. O argumento utilizado pela maioria dos senadores regimental, é da tradição do Congresso que o partido com o maior número de parlamentares em cada uma das casas, indique o presidente e, em sequência, os demais cargos da mesa sejam preenchidos segundo o tamanho das bancadas. Ora, quem acompanha a política nojenta do parlamento de nosso país sabe que nada é aplicado assim, preto no branco.
Tem muito debate, muita articulação política para que se chegue a um nome viável
para aplicar esta regrinha que lhes é tão cara. Acontece que esta não é uma regra, não é uma lei, que teria que ser obedecida. Portanto, o correto é apresentar o que se considere o melhor nome para presidir esta casa. Somente aqueles que consideram que lá estão para não mudar nada e que querem manter o estabelecido, se escondem atrás desta tradição para votar no que lhes for mais conveniente. Se assim não fosse, não teria sido considerada legal e legítima, a anticandidatura de Pedro Taques.
E aí aparece a necessidade de fazer um outro parênteses, espero que não tão longo porque o problema é maior e não pretendo esgotá-lo aqui neste simples artigo de desabafo. O problema que está no centro desta argumentação de defesa da manutenção da tradição para a escolha do presidente da casa é a posição do Pt. A partir do momento em que este partido abraçou a fórmula de governo de coalizão e a montagem de uma base não programática e passou a ter como objetivo central a reeleição permanente na esfera federal, não importando a que preço, suas articulações políticas e tomadas de decisão passaram a ficar reféns desta dita base aliada. Atento aos movimentos do PSB, que ameaça tentar alçar voos mais altos, a cúpula deste partido faz qualquer coisa para segurar o PMDB. E acaba topando engolir sapos do tamanho de um Renan no senado, Henrique Alves – que desistiu de ser vice do Serra por seu telhado de vidro, que parece que deixou de existir – na presidência da Câmara e de Eduardo Cunha como líder da bancada e qualquer outra coisa que o PMDB quiser. Em outros tempos, mesmo já nesta fase de base aliada sem programa, o Pt articularia para que, mesmo dentro da linha de que a presidência ficasse para o parceiro PMDB, os nomes escolhidos fossem mais palatáveis. Mas agora o que se pode ver é isso aí. A bancada do Pt no senado decidiu por unanimidade apoiar Renan. Deu engulhos assistir à fala do novo líder Welington Dias, deu nojo ver o bom moço do Suplicy, clamando pela presença de São Francisco de Assis para costurar um nome que fosse consenso entre os 81 senadores, mas, na falta do santo, declarar seu voto em Renan, despertou no mínimo curiosidade a ausência do sempre atuante – sobretudo diante das câmeras de TV – senador Lindberg Farias. Atenção senadores do Pt – vocês são, todos, eleitores de Renan Calheiros, não esqueceremos. Bom, com tudo que foi dito aqui até agora, pode parecer que há uma contradição
gritante entre o texto e o título. Mas quero reafirmar: “RENAN CALHEIROS É,SEM
DÚVIDA, O MELHOR PRESIDENTE PARA O SENADO”.
Afinal, o que é o senado da República?
A chamada Câmara Alta, integrada por 81 “representantes” dos estados da federação, com um orçamento bilionário, com várias centenas de funcionários e assessores, é na verdade, um amortecedor da luta de classes. Como câmara revisora, tem a função de não deixar passar nada que vá contra o statu quo, é a trincheira por excelência da defesa dos interesses das classes dominantes e de suas prerrogativas, é a barreira de contenção de qualquer iniciativa de defesa institucional das conquistas populares. Além disso, é uma caixa preta jamais aberta. Nem quando estourou o escândalo dos atos secretos da mesa diretora – decisões não publicadas no diário oficial – conseguiu- se alguma mudança. A mídia da liberdade de expressão, dominada por seis famílias, denunciou porque não tinha outro jeito, mas depois esqueceu e tudo ficou por isso mesmo. Naquela época foi contratada a Fundação Getúlio Vargas, por meio milhão de reais, para produzir um estudo sobre as necessárias mudanças; o relatório está engavetado, nada mudou.
Acho que não é necessário perder tempo detalhando mais o que é o senado… Diz um ditado popular que há sempre um chinelo velho para um pé cansado… Que sempre combinam o pé e o sapato. Pois é, para presidir esta casa de tolerância, que tolera qualquer coisa, o melhor quadro é o autor da frase: “…a ética não é um fim, é um meio, o fim é o bem do Brasil…” Para que o senado continue sendo o que é, podemos bradar “Senado, urgente, Renan presidente”.
NOTAS SOLTAS
1. Gostei do discurso do Pedro Taques. Sobretudo na parte em que cita o Darci Ribeiro dizendo que fracassou na maioria das lutas que travou, mas que não trocaria de lugarcom os que venceram estas batalhas.
2. Ter que ouvir o discurso de despedida do Sarney foi demais. Mas isso é outra questão. Merece um artigo especial. Fica aqui a promessa de escrevê-lo pronto.
3. Propositalmente não me referi às manobras escrotas dos senadores do PSDB. Acho que não vale a pena perder tempo com canalhas contumazes. A não ser quando for necessário para uma análise política da realidade, prefiro não comentar.
4. Sugestão para os senadores decentes, como Randolfe, Pedro Taques e talvez algum mais, para não cometer injustiças: Continuem a exercer seus mandatos, mas não percam tempo com as formas tradicionais de atuação, desprezem a liturgia tão querida pelos fariseus, ocupem a tribuna para utilizá-la como caixa de ressonância das lutas do povo, de suas bandeiras. Desprezem o trabalho das comissões – elas somente existem para impedir os avanços. Percorram o país discutindo com o povo. Mantenham um ou dois assessores em Brasília, removam os demais – e são muitos – para que estejam em contato com as bases, ajudando na conscientização e na organização da população. A burocracia faz com que os parlamentares percam um tempo enorme, enredados nessa engrenagem trituradora que é o arcabouço institucional brasileiro.

Rio de Janeiro, 2 de fevereiro de 2013
Luiz Rodolfo Viveiros de Castro (Gaiola)

A fome que dá lucro

 
images_1O noticiário em todo o mundo aponta para uma alta generalizada de preços, dando especial ênfase ao aumento do petróleo e dos alimentos básicos de consumo. As manchetes destacam que, em 2007, a inflação nos Estados Unidos foi de 4,1% e, nas nações em desenvolvimento, 6,69%. Em 2008, atingiu 3,7% na Comunidade Européia, o maior nível dos últimos 15 anos. No Brasil chegou a 5,41%. Assim, a inflação, e não o crescimento, está se transformando na principal preocupação em nível macroeconômico global. “O dragão que parecia domado nos anos 1990 escapou da jaula”, destacava a revista Carta Capital em 28 de maio.
Nas commodities minerais, o aumento do petróleo superou todas as expectativas. Em junho de 2008, o valor do barril atingiu U$ 140, o quádruplo de 2003. Por sua vez, os principais grãos como trigo, milho, arroz e soja em média dobraram de preço no mercado internacional entre a safra de 2006 e hoje. A “aginflação”, ou seja, a influência do aumento dos alimentos na aceleração inflacionária no mundo é destacada por vários analistas. De acordo com reportagem da Folha de S. Paulo1, na China, no Japão e em alguns paises da África Central, o aumento dos preços dos alimentos contribuiu em até 75% com a inflação no ano passado.
A tendência de alta no custo da comida continua forte. O índice de preços dos alimentos do Banco Mundial subiu 57,5% no primeiro trimestre deste ano, destacando-se o crescimento de itens essenciais da dieta de populações de baixa renda, como o arroz. Este aumento tem sido motivo de protestos populares – muitos deles com mortes – na Costa de Marfim, Egito, Camarões, Bangladesh, Índia, Filipinas, Haiti e México. São 33 países sofrendo com a crise e a instabilidade social, correndo o risco de não conseguir mais alimentar o povo com o atual modelo de agricultura. O já enorme contingente de 854 milhões de pessoas que passam fome no mundo pode crescer em mais 100 milhões, alerta o Programa de Alimentos das Nações Unidas.
Por isso, a fome volta a ter destaque entre os fatores que geram instabilidade. A crise pode alterar a geopolítica mundial e tornar os alimentos catalisadores de outros conflitos e instrumentos de pressão política. Os países mais vulneráveis são os importadores líquidos de alimentos. O Ocidente, com suas empresas transnacionais, controla quase todo o comércio mundial do setor.
Autoridades governamentais e de organismos internacionais, agentes financeiros, representantes do agronegócio, acadêmicos, jornalistas e militantes de movimentos sociais e de organizações não-governamentais têm atribuído o aumento dos preços dos alimentos a diversas causas.

Assim, apontam-se fatores relativos à demanda, como:
• O aumento do consumo por populações saídas da situação de pobreza em países emergentes como China e Índia. Esse crescimento vem acompanhado da mudança do padrão de consumo. As pessoas não só comem mais, como procuram mais carne, ovos, laticínios. Já que um quilo de alimento animal implica em dez quilos de alimento vegetal na forma de rações, a demanda por grãos cresce.
• O incremento do processo de urbanização tem feito com que antigos camponeses, agora habitantes de favelas ou subúrbios, deixem de produzir seu próprio alimento, tendo que garantir seu sustento no mercado.

Ou fatores relacionados à oferta, como:
• Quebras de safra em países como Austrália e China, devido à mudanças climáticas que vêm afetando regiões agrícolas em todo o mundo.
• O aumento dos preços dos fertilizantes e fretes em decorrência da forte elevação dos preços do petróleo.
• A utilização de bens alimentares para a produção de agrocombustíveis, como a beterraba e a canola na Europa, a soja no Brasil e, particularmente, o milho nos Estados Unidos, onde se gasta 10% da produção mundial desse grão para obter etanol.
• A redução dos estoques internacionais de trigo, milho e soja, apesar de a produção agrícola mundial ter crescido em 4% na safra de 2006/07.
• A desvalorização do dólar enquanto unidade do mercado internacional. Como Delfim Netto destacou2, comparando o The Economist Commodity Price Index – índice de preços de commodities medido em dólares com o em euros, a mesma cesta de produtos está 70% “mais cara” em moeda americana.

Ou elementos mais estruturais como:
• Três décadas de acordos de livre comércio e políticas neoliberais que, nas palavras de Peter Rosset, do Centro de Estudos para a Mudança no Campo Mexicano (Ceccam), desmantelaram a capacidade da maioria dos países de produzirem o seu próprio alimento enquanto promoviam a agricultura de exportação e o crescimento das empresas transnacionais. Dessas grandes companhias com sede principalmente nos EUA e Europa, quarenta compõem o cartel das seis transnacionais de grãos (Cargill, Continental CGC, Archer Danields Midland, Louis Dreyfus, Andre Corporation e Bunge), que passaram a controlar a produção e a comercialização dos principais produtos. Segundo a organização não governamental ActionAid, nos meses recentes a Cargill teve um aumento de 86% em seus lucros e a Archer Daniels Midland, de 700% nos ganhos de sua divisão de serviços agrícolas.
• A insuficiência de investimentos na agricultura pelos Estados, particularmente em função do impacto das políticas neoliberais nos países em desenvolvimento. Comparado com outros setores, a situação da agricultura é grotesca. O gasto militar global cresceu 45% nos últimos dez anos. Em 2007, a despesa com defesa equivaleu a U$ 202 por habitante, alcançando a cifra astronômica de U$ 1,34 trilhão, o que representa 190 vezes mais do que os participantes da recente cúpula sobre Segurança Alimentar da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) prometeram investir no combate à fome no mundo.
• O jogo duplo dos governos das nações desenvolvidas. Por um lado, dão subsídios e colocam barreiras para garantir sua própria produção agrícola com preços que configuram como dumping sobre outros países (são U$ 50 bilhões anuais de subsídios na União Européia). Por outro, exigem a liberalização dos mercados dos países em desenvolvimento, desestruturando, em muitos casos, a soberania alimentar dos mesmos. Até 1960, a grande maioria dos países era auto-suficiente na produção dos alimentos. Hoje, 70% das nações do hemisfério sul, onde vivem 4,8 bilhões de pessoas, se transformaram em importadores desses produtos.
• A catástrofe em câmara lenta apontada por especialistas em agricultura e desenvolvimento. Como Ladislau Dowbor ressaltou3, a expansão da monocultura extensiva, das sementes caras e monopolizadas, dos circuitos comerciais cartelizados, das tecnologias pesadas, da esterilização dos solos por excessiva quimização (a cada ano perde-se 1,5 milhão de hectares cultivados em função da salinização das terras) e da irrigação em grande escala com esgotamento dos aqüíferos (hoje a agricultura consome 70% de toda a água potável) estão provocando um círculo vicioso de desestruturação que ameaça o planeta.
• A especulação nas bolsas de futuro, que transforma a fome do mundo na nova fonte de lucro do capital financeiro.

Depois da crise imobiliária...
Como se pode ver, o debate sobre as causas do aumento do preço dos alimentos não é neutro. Em função de seus interesses e concepções, diversos atores têm destacado alguns fatores ou diluído as suas responsabilidades no conjunto deles. Tomemos só uns poucos exemplos. Para o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, ex-ministro de relações exteriores do governo Bush, “a culpa” da crise seria “de todo mundo”. E por isso a saída é fazer um novo acordo, nos marcos da Organização Mundial de Comércio, visando um outro patamar de preços e produção. Já para o governo Lula, “a culpa” seria dos subsídios à agricultura dos países ricos. Se eles não existissem, os agricultores do sul poderiam aumentar sua produção e exportar a menor preço. Para empresas transnacionais de alimentos e bebidas como a Nestlé, Unilever, Kellogs, Danone, Cadbury, Mars, Heineken e Pepsi-Cola, como argumentaram em carta recente ao Conselho Europeu, que reúne os 27 presidentes do bloco, os agrocombustíveis são o principal fator da alta dos preços agrícolas. Solicitam assim que a UE desista da meta de misturar 10% de etanol aos combustíveis até 2020, pois isso implicaria numa “mudança dramática” do uso da terra na Europa. A produção de agrocombustíveis, acreditam, é “eticamente indefensável”4.
Vários acadêmicos e militantes de movimentos sociais e organizações não governamentais reconhecem o conjunto de causas, mas apontam que para explicar o aumento exponencial dos preços dos alimentos é preciso dar mais atenção à especulação. Segundo Boaventura de Sousa Santos5, estes aumentos especulativos – como também os do petróleo – seriam resultado do capital financeiro (bancos, fundos de pensões, fundos de alto risco e rendimento) ter começado a investir fortemente nos mercados internacionais de produtos agrícolas depois da crise no setor imobiliário. Articulado com as empresas transnacionais que controlam a comercialização de sementes e a distribuição mundial de cereais, o capital financeiro investe no mercado de futuros na expectativa de que os preços continuarão a subir. E, ao fazê-lo, reforça essa expectativa. Peter Rosset concorda com a avaliação e lembra que 61% de todos os contratos futuros de trigo dos Estados Unidos estão detidos por fundos de risco multimercados. Estudos da ActionAid apontam que a especulação nos mercados futuros movimentou US$ 1 bilhão diariamente entre fevereiro e março deste ano, volatilizando os preços e afastando-os da realidade da produção.
O mercado agrícola internacional apresenta novos perigos em termos de imprevisibilidade e irracionalidade. “No passado, oferta e demanda, chuva e seca direcionavam os preços futuros de grãos”, analisa Fernando Muraro, da Agência Rural. Nos últimos anos, perdeu-se essa formação básica e a volatilidade dos preços que historicamente era de 20% chegou a 50%. Essas novas tendências do mercado agrícola são promovidas, em boa parte, pela entrada de novos fundos. E o ritmo acelerado do mercado futuro chega a negociar 22 safras anuais de soja. Só os fundos são responsáveis por oito delas. Em 2007, o mercado futuro agrícola da Chicago Board of Trade (bolsa de mercadorias da cidade de Chicago) negociou 7,3 bilhões de toneladas de milho, 4,3 bilhões de soja e 2,7 bilhões de trigo. Enquanto a produção física desses produtos em 2007 foi de 780 milhões, 220 milhões e 606 milhões de toneladas, respectivamente6.
Novos milhares de fundos se especializam em nichos. Quando o governo americano reduziu a taxa de juros, as aplicações de renda fixa ficaram menos atraentes e os fundos ampliaram os investimentos com ações na Dow Jones, passaram pela Nasdaq, inflaram o mercado imobiliário americano e europeu, migraram para as commodities minerais como o petróleo e chegaram nas agrícolas.
Na visão tradicional de alguns analistas, os fundos não criam mercados, mas apenas vão onde existe liquidez. Quem criaria os mercados seriam os hedgers (cooperativas, grandes atacadistas, exportadores e outros agentes comerciais que produzem ou utilizam as commodities). Os investidores nos mercados de ações conhecidos como day traders – que em muitos casos são os fundos –, apenas aumentariam ou diminuiriam a febre dos preços, a volatilidade que viria do desencontro entre a oferta e a demanda.

Muito além da oferta e demanda
Mas sob uma visão crítica, os preços atuais escondem muito mais que o jogo da oferta e da demanda. Segundo Muraro, o mercado registrou, no ano passado, os maiores estoques de soja da história e mesmo assim os preços explodiram. Em agosto de 2007, a saca do produto na bolsa de Chicago estava a U$ 17,60. Em fevereiro de 2008, havia aumentado a U$ 35 e em abril, recuava para U$ 24. Mais que oferta e demanda, o que existe é uma financeirização do mercado que veio para ficar e está gerando um novo boom para as commodities. Os riscos aumentaram, porém não desagradaram os participantes dessa ciranda especulativa. Para os produtores pode significar preços maiores. Para os investidores, a possibilidade de incrementar lucros. Para as bolsas, uma liquidez mais atraente. Para os pobres, fome.
O aumento das transações agrícolas não se dá só no exterior. No Brasil, a BM&F Bovespa vem duplicando anualmente as operações. Em 2005, foram U$ 12,5 bilhões; em 2007, U$ 24,3 bilhões; e em 2008 poderão ser negociados U$ 45 bilhões. Os capitais estrangeiros já representam 17% de seus negócios7. Até em Washington a atuação dos especuladores financeiros está sendo questionada. Os senadores Karl Levin e Joseph Lieberman têm criticado as autoridades regulatórias do governo por não reprimirem a especulação. Lieberman está trabalhando numa proposta que proíbe a atuação dos grandes investidores institucionais no mercado de commodities8.
Enquanto isso, alguns investidores institucionais estão fazendo apostas mais ousadas e de longo prazo, adquirindo terras aráveis, depósitos de fertilizantes, silos para armazenar grãos e equipamentos de transportes. Fundos como Black Rock são proprietários de terras aráveis na África sub-saariana, no Brasil e até na Inglaterra, e a Calyx Agro está adquirindo milhares de hectares brasileiros. Investidores chineses, americanos, franceses, holandeses e ingleses estão comprando usinas no Brasil e formando um estoque de terras que rende uma valorização acelerada semelhante à especulação típica das zonas urbanas. A Braemar Group está investindo em terras no Reino Unido que, segundo executivos da empresa, têm “atraso” nos preços, já que custam 50% menos que as na Irlanda e na Dinamarca9.

Mercado financeiro: a causa oculta
Com o controle da terra e outros negócios agrícolas, os fundos ficam livres das regras que visam limitar as apostas especulativas no mercado de commodities. Através dos silos, seriam capazes de comprar e vender grãos físicos, e não apenas seus derivativos financeiros. Quando os preços estão em alta, manter estoques para a venda futura pode oferecer lucros maiores do que atender à demandas correntes. Ou, caso haja preços divergentes em outras partes do mundo, os estoques podem ser despachados ao mercado mais lucrativo. Com estas aquisições, os investidores financeiros estariam em condições de reproduzir a especulação através do bloqueio da oferta com retenções de estoques para forçar uma alta artificial dos preços10.
Como afirma Boaventura de Sousa Santos, o que há de novo na fome do século XXI diz respeito não só às causas, mas principalmente ao modo como as principais delas são ocultadas. A diluição da responsabilidade pela especulação é um claro e perigoso exemplo. A fome hoje é a nova grande fonte de lucros do capital financeiro. “É preciso acabar com a especulação financeira e com o mercado futuro de alimentos, que joga roleta russa com nossas vidas”, arrisca, esperançosa, a ativista iraniana Maryam Rahmanian, da organização Cenesta. Mais pragmática, a ActionAid aposta em algumas medidas a serem apresentadas, debatidas e adotadas na Conferência das Nações Unidas, que ocorre em setembro deste ano. Elas pretendem cumprir a difícil tarefa de inibir a especulação financeira que aflige a produção de alimentos: estoques regulatórios maiores, limite para as posições de compra e venda, aumento da margem de depósitos requeridos e taxação de transações especulativas. As dificuldades são enormes, mas o acesso aos alimentos é ainda maior a luta pelo direito elementar à vida.


Fonte: Jornal Le Monde

Jorge O. Romano é doutor em Ciências Sociais pelo CPDA da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e integra a ActionAid Brasil.

Retirado do Site:  sindaspisc.org.br

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