quinta-feira, 28 de junho de 2012

A greve e a democracia virtual

No contexto da greve nacional dos professores tem se manifestado um debate no mínimo curioso. Um certo sindicalismo que é a reapresentação grotesca do velho sindicato ministerialista da época de Getúlio Vargas, tem apresentado o argumento que a greve não é um instrumento legítimo de luta e que as assembleias que estão na base de sua deflagração não são “representativas”, colocando como alternativa a consulta eletrônica e os plebiscitos.
Tal argumento ignora, oportunamente, o fato de que esta greve tem uma dinâmica própria e, em vários aspectos, distinta das outras experiências grevistas vivenciadas pelos professores federais e que foram responsáveis por inúmeras conquistas e importantes resistências. Já começou bastante forte em 33 universidades e rapidamente ganhou a adesão de mais de cinquenta universidades e instituições de ensino.
Sua principal razão de ser pode ser encontrada nas trapalhadas do governo na condução das discussões entorno da carreira docente, mas fundamentalmente nas condições de trabalho que resultaram da proposta de expansão materializada no REUNI. Nossa última grande greve foi em 2001 e ninguém pode acusar, portanto, o ANDES-SN de não estar dispostos ao diálogo, como demonstra a boa vontade de nossa entidade durante todo o ano de 2011 na verdadeira comédia de erros que o Ministério do Planejamento protagonizou.
Diante do fato inquestionável da greve e de seus motivos, vendo as universidades aderirem ao movimento mesmo naquelas unidades onde esse sindicalismo neo-conservador tentou por todos os meios impedi-lo, esses senhores lançam mão de um argumento que busca deslegitimar o movimento, ou seja, ele seria resultado da ação de uma minoria (no caso da UFRJ, um dos dirigentes do sindicalismo ministerialista não hesita em classificar os dirigentes e grevistas como uma “militância paga”) que em assembleias pouco representativas imporiam a greve à uma maioria que seria contra.
Pierre Bourdieu afirmou certa vez que o que há de específico no campo da política é a disputa pelo silêncio dos “profanos”, desta forma esses senhores se consideram os porta-vozes daqueles que em silêncio e ausência estão contra a greve, mas não dizem, enquanto os grevistas seriam aqueles que reivindicam este silêncio como concordância. O problema, portanto, passa a ser como averiguar estas suposições. Enquanto o movimento docente, como base em uma experiência construída em mais de trinta anos de resistência, luta e militância, procura realizar isso através de reuniões de unidade, seminários, materiais impressos e digitais, que levem ao conjunto dos professores os elementos para que estes possam formar suas convicções para que em assembleias enfrentem as alternativas e decidam pelos caminhos que devem trilhar; nossos senhores do sindicalismo oficialista insistem que o mais democrático seria uma consulta eletrônica na qual os professores deveriam dizer sim ou não à greve.
Parece-me que há aqui um importante tema a tratar. Com o fim do ciclo da autocracia burguesa o debate centrava-se entre uma mera democracia representativa e uma democracia participativa de forma que questionávamos o fato que a mera manifestação da vontade pelo voto e a eleição de representantes seria suficiente para se tornar o canal de expressão da vontade e dos interesses dos trabalhadores e da maioria da população em luta contra as demandas da ordem e dos poderosos interesses de classe que ela manifestava.
Neste cenário a defesa da democracia direta ou participativa procurava os canais que fosse adequados à dinâmica da luta de classes naquele momento colocada e insistíamos nas assembleias, nos comitês, nos conselhos, na luta direta como nas greves, nas manifestações, nos atos públicos e na organização política que fosse construída com base nesse princípio, ou seja, dos núcleos de base e nas formas de controle das bases sobre suas direções.
Em contraposição a tudo isso o argumento da ordem era o do respeito às instituições, aos sindicatos oficiais e atrelados, ao Governo e ao Congresso, ainda que esses encouraçados de legalidade jurídica carecessem de legitimidade política.
Interessantemente, a ordem que derivou deste ciclo e que levou o PT ao governo, tem transformado esses instrumentos de democracia participativa (o exemplo mais contundente são os conselhos) em instrumentos de apassivamento. O chamado “controle social” entendido no contexto das lutas populares como forma da população controlar a elaboração e execução de políticas públicas, como no caso do movimento sanitarista, se transforma em “controle social” restritamente concebido como controle exatamente do movimento para que não prejudique a implantação de políticas privatizantes e mercantilizantes dos serviços essenciais como saúde, educação, moradia, transporte e outros.
A contradição entre “democracia” e “participação”, isto é, o paradoxo pelo qual uma forma política que almeja ser da maioria ter que disciplinar a participação para que a maioria de fato não governe, leva a retorno dos instrumentos cada vez mais típicos da “representação” e não da participação direta. Isso no contexto político geral se materializa no fetiche do voto que como dizia o próprio Rousseau é o ato pelo qual um povo que se ilude que é soberano transfere a soberania aos que de fato Irão detê-la e governá-lo.
Mas, o fetiche do voto vai além. Uma relação entre seres humanos se transforma numa fantasmagórica relação entre coisas, dizia Marx, quando a relação entre seres humanos mediada por coisas eleva esta mediação ao papel de protagonista. Assim como na relação mercantil, esvaziasse o valor de uso, aquele conteúdo que está relacionado a satisfação das necessidades humanas, revelasse como fundamental o valor de troca como expressão do valor, do trabalho abstrato.
Assim, não são mais as demandas reais, os interesses de classe e suas contradições essenciais com a produção e reprodução social da vida que estão em jogo, mas voto em si mesmo, o mento da decisão por este ou aquele representante ou essa ou aquela decisão. Desta forma a política pode prescindir daquele tormentoso e difícil momento do debate e ir direto ao que interessa: o voto.
A mediação dos meios eletrônicos só aprofunda o fetichismo, assim como o dinheiro na forma mercadoria. Da mesma forma que o dinheiro nas relações de valor permite que trabalhos concretos distantes se confrontem nas relações de troca como iguais, soterrando suas diferenças concretas sob a objetividade impalpável do valor, o voto soterra o conteúdo qualitativo das diferenças e antagonismos, no ato em si do ato de votar. Você, indivíduo encapsulado com suas convicções que lhe parecem pessoais mas são de fato a expressão do senso comum construído por uma certa ordem societária que lhe é imposta, se ilude de decidir porque aperta o botão ao mesmo tempo que muitos outros.
No pavilhão construído por ocasião da Rio + 20 e que recebe o nome sugestivo de pavilhão da humanidade (financiado por empresários, a Fundação Roberto Marinho e outros que pretensamente esperam representar a humanidade) há uma instalação na forma de biblioteca e ao centro uma espécie de pendulo fora do prumo.  Para que o pendulo fique no prumo todos tem que apertar vários botões simultaneamente. Segunda a representante da Fundação Roberto Marinho, isso para “dar a sensação de que a saída depende de todos nós”.
Trata-se exatamente disso: uma sensação. Enquanto um número muito grande de pessoas apertam seus botões para vivenciar a gratificante sensação de que estão decidindo alguma coisa, um número bem pequeno de pessoas, aquelas que controlam os verdadeiros botões que podem definir o prumo das coisas, estão de fato decidindo.
A votação virtual pode ser um bom instrumento eletrônico para realizar uma consulta, mas de forma alguma pode substituir o processo político do debate, do contraditório, do conhecimento de causa, da informação. Esse é o mesmo processo pelo qual o fetiche da comunicação substitui a comunicação propriamente dita.
É significativo que aqueles setores que abandonara a democracia direta e se renderem à democracia formal, que escondem o particularismo de seus interesses sob o véu ideológico de uma universalidade abstrata, queiram agora levar a mesma inflexão para a ação sindical.
A resposta, no entanto, veio exatamente de onde deveria vir. Estes senhores que passaram o ano passado inteiro em salas fechadas com o governo numa atitude subserviente e vergonhosa (na prática como assessores do Governo), e até o final do ano passado ainda não tinha uma proposta integral para discutir a carreira além de alguns míseros pontos, estão sendo varridos por assembléias nas próprias universidades que diziam “controlar”, como foi na UFG, em parte da UFSCar, na UFBA e no UFC. Nesta última com um requinte de poesia. Forçaram um plebiscito eletrônico que ocorreu esta semana e o resultado foi esse: 883 professores favoráveis à greve e 379 contrários.
Saberemos enterrar esses senhores fetichistas e seus fetiches na mesma cova onde enterraremos um dia a raiz de tudo isso: a mercadoria, o Estado e o capital. Como dizia Silvio Rodriguez: onde há homens não há fantasmas.

Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Com apoio da mídia, Paraguai inaugura o “golpe transgênico”

 Monsanto golpeia no Paraguai: Os mortos de Curuguaty e o juízo político de Lugo

Quem está por trás desta trama tão sinistra? Os promotores de uma ideologia que busca o máximo benefício econômico a qualquer preço e quanto mais, melhor, agora e no futuro.
Na quinta-feira, 15 de junho de 2012, um grupo policial que cumpriria ordem de despejo no estado de Canindeyú, na fronteira com o Brasil, foi emboscado por franco-atiradores, misturados a camponeses que reclamavam terras para sobreviver. A ordem foi dada por um juiz e uma promotora para proteger um latifundiário. Como resultado houve 17 mortes; 6 policiais e 11 camponeses, além de dezenas de feridos graves. As consequências: o governo fraco e temeroso de Fernando Lugo ficou com debilidade crescente e extrema, apesar de cada vez mais direitista, a ponto de ser levado a juízo político por um Congresso dominado pela direita; um duro revés para a esquerda, as organizações sociais e camponesas, acusadas pela oligarquia latifundiária de instigar os camponeses; avanço do agronegócio extrativista nas mãos de multinacionais como a Monsanto, através da perseguição e tomada de terras dos camponeses, e finalmente, a instalação de uma cômoda plateia para os partidos de direita, para seu retorno triunfal nas eleições do Executivo em 2013.
No dia 21 de outubro de 2011, o Ministério de Agricultura e Pecuária, dirigido pelo liberal Enzo Cardozo, liberou ilegalmente o plantio de algodão transgênico Bollgard BT, da companhia norte-americana de biotecnologia Monsanto, para uso comercial no Paraguai. Os protestos de camponeses e de organizações ambientalistas não se fizeram esperar. O gene deste algodão é misturado com o gene da Bacillus Thurigensis, uma bactéria tóxica que mata algumas pragas do algodão, como as larvas do pulgão, que bota ovos no casulo do têxtil. O Serviço Nacional de Qualidade, Saúde Vegetal e de Sementes, SENAVE, outra instituição do estado paraguaio, dirigido por Miguel Lovera, não registrou dita semente transgênica nos registros de cultivares, por carecer de análise do Ministério da Saúde e da Secretaria de Meio Ambiente, como exige a legislação.
Campanha midiática
Durante os meses posteriores, a Monsanto, através da União de Grêmios de Produção, UGP, estreitamente ligada ao Grupo Zuccolillo, que publica o diario ABC Color [o jornal mais importante do Paraguai], arremeteu contra o SENAVE e seu presidente por não inscrever a semente transgênica da Monsanto para uso comercial em todo o país.
A contagem regressiva decisiva se deu com uma nova denúncia por parte da pseudosindicalista do SENAVE, de nome Silvia Martínez, que acusou Lovera, em 7 de junho passado, de corrupção e nepotismo na instituição que dirige, através do ABC Color. Martínez é esposa de Roberto Cáceres, representante técnico de várias empresas agrícolas, entre elas a Agrosán, recentemente adquirida por 120 milhões de dólares pela Syngenta, outra multinacional, ambas sócias da UGP.
No dia seguinte, sexta-feira 8 de junho, a UGP publicou no [diário] ABC, em seis colunas: “12 razões para destituir Lovera”. Estes supostos argumentos foram apresentados ao vice-presidente da República, correligionário do ministro da Agricultura, o liberal Federico Franco, que neste momento desempenhava o papel de presidente do Paraguai, na ausência de Lugo, que viajava pela Ásia.
Na quinta-feira 15 do mês corrente, por ocasião de uma exposição anual organizada pelo Ministério da Agricultura e da Pecuária, o ministro Enzo Cardoso deixou escapar um comentário diante da imprensa sobre um suposto grupo de investidores da Índia, do setor de agroquímicos, que teria cancelado um projeto de investimento no Paraguai por suposta corrupção no SENAVE. Nunca esclareceu do que se tratava. Nessas horas daquele dia se registravam os acontecimentos trágicos de Curuguaty.
No marco da exposição preparada pelo citado ministério, a multinacional Monsanto apresentou outra variedade de algodão, duplamente transgênico: BT e RR, ou resistente ao Roundup, o herbicida fabricado e patenteado pela Monsanto. A pretensão da multinacional norte-americana era a inscrição no Paraguai de dita semente transgênica, assim como aconteceu na Argentina e em outros países do mundo.
Previamente a estes fatos, o diário ABC Color denunciou sistematicamente os supostos atos de corrupção da ministra da Saúde, Esperanza Martínez, e do ministro do Meio Ambiente, Oscar Rivas, dois funcionários que não deram decisões favoráveis à Monsanto.
A Monsanto faturou no ano passado 30 milhões de dólares, livre de impostos (porque não declara parte de sua renda) somente com os royalties pelo uso de sementes transgênicas de soja no Paraguai. A Monsanto também fatura com a venda de sementes transgênicas, de forma independente. Toda a soja cultivada no Paraguai é transgênica, numa extensão de cerca de 3 milhões de hectares, com uma produção em torno de 7 milhões de toneladas em 2010.
Por outro lado, a Câmara dos Deputados já aprovou o projeto de Lei da Biossegurança, que contempla criar uma agência de biossegurança no Ministério da Agricultura, com amplo poder para a aprovação do cultivo comercial de todas as sementes transgênicas, sejam de arroz, mandioca, algodão e algumas hortaliças. Este projeto de lei contempla a eliminação da atual Comissão de Biossegurança, que é um ente colegiado de funcionários técnicos do Estado paraguaio.
Enquanto transcorriam estes acontecimentos, a UGP vinha preparando um ato de protesto nacional contra o governo de Fernando Lugo no dia 25 de junho próximo. Trata-se de uma manifestação com máquinas agrícolas, fechando estradas em distintos pontos do país. Uma das reivindicações do denominado “tratoraço” era a destituição de Miguel Lovera do SENAVE, assim como a liberação de todas as sementes transgênicas para seu cultivo comercial.
As conexões
A UGP é dirigida por Héctor Cristaldo, apoiado por outros apóstolos como Ramón Sánchez — que tem negócios no setor de agroquímicos –, entre outros agentes multinacionais do agronegócio. Cristaldo integra a equipe de várias empresas do Grupo Zuccolillo, cujo principal acionista é Aldo Zuccolillo, diretor proprietário do diário ABC Color desde sua fundação, sob o regime de Stroessner, em 1967. Zuccolillo é dirigente da Sociedade Interamericana de Imprensa, SIP. O Grupo Zuccolillo é o principal sócio no Paraguai da Cargill, uma das maiores multinacionais de agronegócio do mundo. A sociedade construiu um dos mais importantes portos graneleiros do Paraguai, denominado Porto União, a 500 metros da tomada de água da empresa de distribuição de água do estado paraguaio, no rio Paraguai, sem qualquer restrição.
As multinacionais do agronegócio do Paraguai praticamente não pagam impostos, mediante a proteção férrea que conseguem no Congresso, dominado pela direita. A carga tributária do Paraguai é de apenas 13% do PIB. Sessenta por cento do imposto arrecadado pelo estado paraguaio é o IVA, Imposto sobre Valor Agregado. Os latifundiários não pagam impostos. O imposto imobiliário representa apenas 0,04% da arrecadação tributária, cerca de 5 milhões de dólares, segundo um estudo do Banco Mundial, ainda que o agronegócio produza cerca de 30% do PIB, que representam cerca de 6 bilhões de dólares anuais. O Paraguai é um dos países mais desiguais do mundo. Oitenta e cinco por cento das terras, cerca de 30 milhões de hectares, estão nas mãos de 2% dos proprietários, que se dedicam à produção meramemnte extrativista ou, no pior dos casos, à especulação com a terra.
A maioria destes oligarcas possui mansões em Punta del Este ou Miami e tem relações estreitas com as multinacionais do setor financeiro, que guardam seus bens ilegais em paraísos fiscais ou facilitam investimento no estrangeiro. Todos eles, de alguma maneira, estão ligados ao agronegócio e dominam o espectro político nacional, com ampla influência sobre o poder do estado. Ali reina a UGP, apoiada pela multinacionais do setor financeiro e do agronegócio.
Os fatos de Curuguaty
Curuguaty é uma cidade que fica na região oriental do Paraguai, a 200 quilômetros de Assunção, capital do país. A alguns quilômetros de Curuguaty se encontra a fazenda Morombí, propriedade de Blas Riquelme, que tem mais de 70 mil hectares na região. Riquelme vem das entranhas da ditadura Stroessner (1954-1989), sob cujo regime juntou uma imensa fortuna, aliado ao general Andrés Rodríguez, que executou o golpe de estado que derrubou o ditador. Riquelme, que foi presidente do Partido Colorado por muitos anos e senador da República, dono de vários supermercados e frigoríficos, se apropriou usando subterfúgios legais de uma área de 2 mil hectares que pertence ao estado paraguaio.
Esta área foi ocupada por camponeses sem terra que vinham solicitando ao governo de Fernando Lugo sua distribuição. Um juiz e uma promotora ordenaram o desalojamento dos camponeses, através do Grupo Especial de Operações, GEO, da Polícia Nacional, cujos membros de elite foram, em sua maioria, treinados na Colômbia, durante o governo Uribe, para a luta contrainsurgente.
Apenas uma sabotagem interna, dentro dos quadros de inteligência da polícia, com cumplicidade da Promotoria, explica a emboscada na qual morreram 6 policiais. Não se compreende como policiais altamente treinados, no marco do Plano Colômbia, puderam cair tão facilmente numa emboscada de camponeses, como quer fazer crer a imprensa dominada por oligarcas. Os colegas dos mortos reagiram e atacaram os camponeses, matando 11, com outros 50 feridos. Entre os policiais mortos estava o chefe do GEO, comissário Erven Lovera, irmão do tenente-coronel Alcides Lovera, chefe de segurança do presidente Lugo.
O plano consiste em criminalizar, promover o ódio extremo contra todas as organizações de camponeses, para empurrá-los a deixar o campo exclusivamente para o agronegócio. É um processo lento, doloroso, de retirada do campo paraguaio, que atenta diretamente contra a soberania alimentar, a cultura alimentar do povo paraguaio, por serem os camponeses os produtores e recriadores ancestrais de toda a cultura guaraní.
Tanto a Promotoria quanto o Ministério Público, o Poder Judiciário e a Polícia Nacional, assim como diversos organismos do estado paraguaio, estão sob controle externo através de convênios de cooperação com a USAID, a agência de cooperação dos Estados Unidos.
O assassinato do irmão do chefe de segurança do presidente da República foi uma mensagem direta a Fernando Lugo, cuja cabeça seria o próximo objetivo, provavelmente através de um juízo político, que em resposta endireitou ainda mais seu governo, tentando acalmar os oligarcas.  O que aconteceu em Curuguaty derrubou o ministro do Interior Carlos Filizzola, sendo nomeado Rubén Candia Amarilla, proveniente do partido opositor Colorado, ao qual Lugo derrotou nas urnas em 2008 depois de 60 anos de ditadura, que incluiram a tirania de Alfredo Stroessner.
Candia foi ministro da Justiça do governo colorado de Nicanor Duarte (2003-2008) e desempenhou o papel de procurador-geral do Estado até o ano passado, quando foi substituído por outro colorado, Javier Díaz Verón, decisão do próprio Lugo.
Candia é acusado de ter promovido a repressão a dirigentes de organizações camponesas e movimentos populares. Sua nomeação para a Procuradoria Geral do Estado em 2005 foi aprovada pelo então embaixador dos Estados Unidos, John F. Keen. Candia foi responsável por um controle maior da USAID sobre o Ministério Público e foi acusado no início do governo Lugo de conspirar para afastar o presidente do poder.
Depois de assumir como ministro político de Lugo, o primeiro ato de Candia foi anunciar a eliminação do protocolo de diálogo com os camponeses que invadem propriedades. A mensagem é de que não haverá conversações, simplesmente a aplicação da lei, o que significa empregar a força policial repressiva sem contemplação.
Dois dias depois de Candia Amarilla assumir, os membros da UGP, encabeçados por Héctor Cristaldo, visitaram o ministro do Interior, a quem solicitaram garantias para a realização do chamado tratoraço. Na ocasião, Cristaldo disse que a manifestação poderia ser suspensa em caso de novos sinais favoráveis à UGP (leia-se a liberação das sementes transgênicas da Monsanto, a destituição de Lovera e de outros ministros, entre outras vantagens para o grande capital e os oligarcas), endireitando ainda mais o governo Lugo.
Cristaldo é pré-candidato a deputado nas eleições de 2013 por um movimento interno do Partido Colorado, liderado por Horacio Cartes, um empresário investigado em passado recente pelos Estados Unidos por lavagem de dinheiro e narcotráfico, segundo o próprio jornal ABC Color, que publicou vários telegramas do Departamento de Estado, divulgados pelo WikiLeaks, entre eles um que aludia diretamente a Cartes, em 15 de novembro de 2011.
Julgamento político de Lugo
Nas últimas horas, enquanto eu redigia esta crônica, a UGP, alguns integrantes do Partido Colorado e os próprios integrantes do Partido Liberal Radical Autêntico, PLRA, dirigido pelo senador Blas Llano e aliado do governo, ameaçavam com um julgamento político de Fernando Lugo para destituí-lo da presidência da República do Paraguai.
Lugo depende do humor dos colorados para seguir como presidente da República, assim como de seus aliados liberais, que agora o ameaçam com julgamento político, com certeza buscando mais espaço no poder (dinheiro) em troca de paz. O Partido Colorado, aliado a outros partidos minoritários da oposição, tem a maioria necessária para destituir o presidente de suas funções.
Talvez esperem pelos “sinais favoráveis” de Lugo à UGP — em nome da Monsanto, da pátria financeira e dos oligarcas. Caso contrário, passariam à fase seguinte dos planos de controle deste governo, que nasceu progressista e lentamente terminou conservador, controlado por poderes de fato.
Entre alguns de seus feitos, Lugo é responsável pela aprovação da Lei Antiterrorista, promovida pelos Estados Unidos em todo o mundo depois do 11 de setembro. Autorizou a implementação da Iniciativa Zona Norte, que consiste na instalação e deslocamento de tropas e civis norte-americanos no norte da Região Oriental — no nariz do Brasil — supostamente para desenvolver atividades em favor de comunidades camponesas.
A Frente Guazú, coalizão de esquerda que apoia Lugo, não conseguiu unificar seu discurso e seus integrantes perderam a capacidade de análise do poder real, caindo em jogos eleitorais imediatistas. Infiltrados pela USAID, muitos integrantes da Frente Guazú participam da administração do Estado e sucumbem ante o canto de sereia do consumismo galopante, do neoliberalismo. Corrompem-se até o tutano e na prática se convertem em copiadores vaidosos dos novos ricos que integravam recentes governos do direitista Partido Colorado.
Curuguaty também encerra uma mensagem para a região, especialmente para o Brasil, em cuja fronteira se produziram os fatos sangrentos, claramente dirigidos pelos senhores da guerra, cujos teatros de operação se pode observar no Iraque, Líbia, Afeganistão e agora na Síria. O Brasil está construindo hegemonia mundial junto com a Rússia, Índia e China, denominados conjuntamente de BRICs. No entanto, os Estados Unidos não cedem seu poder de persuasão ao gigante da América do Sul. Já está em marcha o novo eixo comercial integrado por México, Panamá, Colômbia, Peru e Chile. É um muro de contenção aos desejos expansionistas do Brasil em direção ao Pacífico.
Enquanto isso, Washington segue sua ofensiva diplomática em Brasília, tratando de convencer o governo de Dilma Rousseff a estreitar vínculos comerciais, tecnológicos e militares. Entretanto, a Quarta Frota dos Estados Unidos, reativada há alguns anos depois de ficar fora de serviço depois da Segunda Guerra Mundial, vigia todo o Atlântico Sul, representando outro cerco ao Brasil, se o país não aceitar a persuasão diplomática.
O Paraguai está em disputa entre ambos países hegemônicos, dominado amplamente agora pelos Estados Unidos. Por isso, Curuguaty é também um pequeno sinal para o Brasil, no sentido de que o Paraguai pode se converter em um estopim que pode comprometer o desenvolvimento do sudoeste do Brasil.
Mas, acima de tudo, os mortos de Curuguaty são vítimas do capital, do grande capital, do extrativismo espoliador, que assola o Planeta e destrói a vida em todos os rincões da Terra em nome da civilização e do desenvolvimento. Por sorte, os povos do mundo também vão dando respostas a estes sinais de morte, com sinais de resistência, de dignidade e de respeito a todas as formas de vida do Planeta.

 Por: Idilio Méndez Grimaldi
 Jornalista, investigador e analista. Membro da Sociedade de Economia Política do Paraguai, SEPPY. Autor do livro Os Herdeiros de Stroessner.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Nós, os puros

Deu-se estes dias que chegamos a uma encruzilhada inaudita. Assim, os que ousaram se alinhar ao sentimento de Luiza Erundina, de repúdio à ligação do PT e de Lula a Paulo Maluf, passaram a ser chamados de “puros”. Assim mesmo, entre aspas, para que fique claro a conotação de que, uma vez puros, são também tolos, tristes sonhadores, idealistas cuja atitude pueril não só transgride as …regras do jogo como, no fim das contas, subverte a ordem de uma guerra santa. Em meio ao jihadismo estabelecido nas eleições paulistanas, de demônios tão nítidos quanto malignos, a atitude de Erundina contra a aliança da esquerda com um bandido procurado pela Interpol, com o cúmplice ativo dos assassinos da ditadura militar, com o construtor da vala comum do cemitério de Perus, com a representação do pior da direita, enfim, tornou-se um ato de traição, de purismo político, de angelical perversão.
Ato contínuo, os mesmos que dias antes haviam comemorado a chegada da deputada do PSB à campanha de Fernando Haddad passaram, de uma hora para outra, a demonizá-la, curiosamente, pelo viés de um purismo atávico e infantil. Erundina, a louca idealista, a tresloucada individualista capaz de destruir os planos de redenção da esquerda por causa de uma foto, uma imagem de nada, um instantâneo sem relevância nem simbolismo, apenas o registro banal de um líder da resistência a se confraternizar com chefe da escória. Ah, os puros, como são tolos! Justo quando deles se exige fortaleza e dedicação, aparecem esses sonhadores cheios de escrúpulos e regramentos éticos.
De toda parte, então, passaram a rugir leões do pragmatismo político, militantes de uma realpolitik feroz, implacável, a pregar a irrelevância dos puros, dos tolos da ética, quando não de sua influência nefasta sobre os jovens e, claro, do enorme desserviço prestado à democracia e ao admirável mundo novo que se anuncia. Os puros, dizem, nunca ganham eleições. E se não o fazem, portanto, que não atrapalhem os que as querem ganhar a qualquer custo. É preciso impedi-los, portanto, de se mostrar em público. É preciso calá-los, desqualificá-los, torná-los ridículos, patéticos em sua fraqueza.
Nem que para isso seja preciso transformar em traidora uma brasileira digna, com 40 anos de vida pública inatacável, uma heroína da resistência, uma política que passou a vida levando assistência a favelas e cortiços, uma parlamentar que dedica seus mandatos a defender a democratização da comunicação e o resgate da memória dos que foram seqüestrados, torturados e mortos pelo regime ao qual serviu Paulo Maluf. Este mesmo Maluf contra o qual os puros, os tolos e os sonhadores da política, vejam vocês, tem a ousadia de se voltar.

Por: Leandro Fortes

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Monocultura e seca

Estamos no estado do Rio Grande do Sul, passando por um período de estiagem que dura sete meses.
  Mesmo em regiões ricas em águas,como o município de Pelotas os efeitos da estiagem se fazem presente, como o racionamento de água no perímetro urbano,bem como o uso de caminhões pipas na área rural do município.
  Se de um lado vemos o racionamento de água em domicílios das áreas da periferia da cidade, encontramos o desperdício de água na lavagem de automoveis nos lava jatos,postos de gasolina,tubulações quebradas,bem como nas áreas centrais e nobres do município e adjacências.
  A seca é um fenômeno natural que esta presente desde os primórdios, com os avanços tecnológicos na meteorologia,podemos até nos previnir, algo em que não tem acontecido.
  As freqüêntes secas que a cada ano tem atingido o estado do Rio Grande do Sul um dos principais estados agrícolas do país, onde grande parte dos municípios tem a raiz econômica na agricultura e pecuária.
  A seca não é apenas um fenômeno natural, mas está ligado ao modelo agrícola que vem dominando o Brasil e  mundo há décadas.Este modelo capitalista, machista e patriarcal que se sustenta através do latifúndio,da monocultura de exportação,da priorização financeira as multinacionais e grandes empresas  que detém o controle das sementes,das máquinas, dos agrotóxicos, da alta tecnologia e inclusive,do processamento dos alimentos e da produção de medicamento.
  Além do hidronegócio que tem se adonado dos mananciais e do mar expulsando as comunidades ribeirinhas e pesqueiras.
  Temos visto o avanço descontrolado do agronegócio sobre o pampa,através das empresas de florestamento( pinus,acasias,eucalipto), como a fruticultura,monocultura de soja que tem causado sérios desequilíbrios sócio-ambientais, como a expulsão de camponeses de seus locais de moradia.
  Bem como o assoreamento de rios,arroios e a destruição de nascentes,que tem causado a fome, miséria e pobreza,bem como o aparecimento de doenças.O atual modelo de desenvolvimento tem causado o desaparecimento também de espécies de animais e plantas,causando sérios desequilíbrios ecológicos que tem afetado a população rural dos pequenos, médios municípios, como dos municipios pólos e metropolitanos.
  O modelo econômico de desenvolvimento da região tão defendido pelas autoridades políticas, setores empresariais e ruralistas é o responsavel pela crescente seca.
  Ao mesmo tempo em que vemos o descaso dos políticos perante as situações de emergências no campo, como a seca, onde recorrem a medidas paliativas, para resolver a problemática em beneficio da monocultura e salvar os bancos e as empresas transnacionais, grandes proprietários rurais para que não tenham prejuisos.
  Vemos que tais benefícios não ajudam os camponeses,pois tais projetos,autoridades e entidades desconhecem a realidade camponesa, como a perda da produção agrícola,falta de água, a perda das sementes e a biodiversidade.
  Que faz com que os camponeses/as ficam mais empobrecidos e tendo que migrar para as cidades pólos enchendo os bolsões de miséria e o desemprego.
   A questão da seca podemos resolver mudando o atual modelo ecônomico, como garantindo o acesso a terra, água e a preservação da biodiversidade( sementes, mananciais de água,animais e plantas nativas), pelas populações camponesas.
  A questão da seca é política e só resolveremos quando mudarmos o modelo econômico e tivermos um outro mundo possível e necessario.

Por: Júlio Lázaro Torma
* Membro da Equipe da Pastoral Operária Arquidiocesana, Pelotas /RS
Colaborador deste Blog

terça-feira, 5 de junho de 2012

Eduardo Galeano aponta quatro mentiras sobre o meio ambiente

 

A civilização que confunde os relógios com o tempo, o crescimento com o desenvolvimento, e o grandalhão com a grandeza, também confunde a natureza com a paisagem

Quatro frases que aumentam o nariz do Pinóquio

1- Somos todos culpados pela ruína do planeta.
A saúde do mundo está feito um caco. “Somos todos responsáveis”, clamam as vozes do alarme universal, e a generalização absolve: se somos todos responsáveis, ninguém é. Como coelhos, reproduzem-se os novos tecnocratas do meio ambiente. É a maior taxa de natalidade do mundo: os experts geram experts e mais experts que se ocupam de envolver o tema com o papel celofane da ambiguidade.
Eles fabricam a brumosa linguagem das exortações ao “sacrifício de todos” nas declarações dos governos e nos solenes acordos internacionais que ninguém cumpre. Estas cataratas de palavras – inundação que ameaça se converter em uma catástrofe ecológica comparável ao buraco na camada de ozônio – não se desencadeiam gratuitamente. A linguagem oficial asfixia a realidade para outorgar impunidade à sociedade de consumo, que é imposta como modelo em nome do desenvolvimento, e às grandes empresas que tiram proveito dele. Mas, as estatísticas confessam. 
Os dados ocultos sob o palavreado revelam que 20% da humanidade comete 80% das agressões contra a natureza, crime que os assassinos chamam de suicídio, e é a humanidade inteira que paga as consequências da degradação da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da dilapidação dos recursos naturais não-renováveis. A senhora Harlem Bruntland, que encabeça o governo da Noruega, comprovou recentemente que, se os 7 bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, “faltariam 10 planetas como o nosso para satisfazerem todas as suas necessidades”. Uma experiência impossível.
Mas, os governantes dos países do Sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo, mágico passaporte que nos fará, a todos, ricos e felizes, não deveriam ser só processados por calote. Não estão só pegando em nosso pé, não: esses governantes estão, além disso, cometendo o delito de apologia do crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza, é o que está fazendo adoecer nosso corpo, está envenenando nossa alma e está deixando-nos sem mundo.
2- É verde aquilo que se pinta de verde.
Agora, os gigantes da indústria química fazem sua publicidade na cor verde, e o Banco Mundial lava sua imagem, repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e tingindo de verde seus empréstimos. “Nas condições de nossos empréstimos há normas ambientais estritas”, esclarece o presidente da suprema instituição bancária do mundo. Somos todos ecologistas, até que alguma medida concreta limite a liberdade de contaminação.
Quando se aprovou, no Parlamento do Uruguai, uma tímida lei de defesa do meio-ambiente, as empresas que lançam veneno no ar e poluem as águas sacaram, subitamente, da recém-comprada máscara verde e gritaram sua verdade em termos que poderiam ser resumidos assim: “os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotarem o desenvolvimento econômico e a espantarem o investimento estrangeiro.”
O Banco Mundial, ao contrário, é o principal promotor da riqueza, do desenvolvimento e do investimento estrangeiro. Talvez, por reunir tantas virtudes, o Banco manipulará, junto à ONU, o recém-criado Fundo para o Meio-Ambiente Mundial. Este imposto à má consciência vai dispor de pouco dinheiro, 100 vezes menos do que haviam pedido os ecologistas, para financiar projetos que não destruam a natureza. Intenção inatacável, conclusão inevitável: se esses projetos requerem um fundo especial, o Banco Mundial está admitindo, de fato, que todos os seus demais projetos fazem um fraco favor ao meio-ambiente.
O Banco se chama Mundial, da mesma forma que o Fundo Monetário se chama Internacional, mas estes irmãos gêmeos vivem, cobram e decidem em Washington. Quem paga, manda, e a numerosa tecnocracia jamais cospe no prato em que come. Sendo, como é, o principal credor do chamado Terceiro Mundo, o Banco Mundial governa nossos escravizados países que, a título de serviço da dívida, pagam a seus credores externos 250 mil dólares por minuto, e lhes impõe sua política econômica, em função do dinheiro que concede ou promete.
A divinização do mercado, que compra cada vez menos e paga cada vez pior, permite abarrotar de mágicas bugigangas as grandes cidades do sul do mundo, drogadas pela religião do consumo, enquanto os campos se esgotam, poluem-se as águas que os alimentam, e uma crosta seca cobre os desertos que antes foram bosques.
3- Entre o capital e o trabalho, a ecologia é neutra.
Poder-se-á dizer qualquer coisa de Al Capone, mas ele era um cavalheiro: o bondoso Al sempre enviava flores aos velórios de suas vítimas… As empresas gigantes da indústria química, petroleira e automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco-92: a conferência internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa conferência, chamada de Reunião de Cúpula da Terra, não condenou as transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou uma palavra contra a ilimitada liberdade de comércio que torna possível a venda de veneno.
No grande baile de máscaras do fim do milênio, até a indústria química se veste de verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos. Mas, esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de resistir aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das 10 maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas (Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfizer, Upjohn, Shell, ICI). A indústria química não tem tendências masoquistas.
A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade humana. A ecologia neutra, que mais se parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo, onde a comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos, mas sim privilégios dos poucos que podem pagar por eles. Chico Mendes, trabalhador da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por acreditar no que acreditava: que a militância ecológica não pode divorciar-se da luta social. Chico acreditava que a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária no Brasil.
Cinco anos depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados, a cada ano, na luta pela terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às cidades deixando as plantações do interior. Adaptando as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina. As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia, surda ante o clamor social e cega ante o compromisso político.
4- A natureza está fora de nós.
Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: “Honrarás a natureza, da qual tu és parte.” Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, quando a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo.
Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão.
Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer.
Eduardo Hughes Galeano, jornalista e escritor uruguaio. É autor de mais de quarenta livros, que já foram traduzidos em diversos idiomas. Suas obras transcendem gêneros ortodoxos, combinando ficção, jornalismo, análise política e História. Sua obra mais famosa é o livro “Veias Abertas da América Latina”.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

ANEL DE TUCUM




  • "Mais que uma aliança, um compromisso contínuo!"


    Quando me pediram para escrever sobre o “anel preto”, meu Deus, lembrei logo de Dom José Gomes e de tanta gente querida comprometida com o Reino de Deus!
    Há quatro anos, quando Dom Pedro Casaldáliga completou 80 anos de vida, Dom Tomás Balduíno escreveu: “Pedro foi sagrado bispo em 1971, na cidade de São Félix, circundado pelo povo pobre de toda aquela região. Ele recebeu os símbolos litúrgicos que foram inculturados nas culturas dos povos indígenas e camponeses. A mitra era um chapéu de palha, o báculo um remo tapirapé e o anel era feito de tucum, tornando-se, em seu dedo e no de muitos agentes de pastoral, um sinal do empenho pela caminhada da libertação.”
    É bom lembrar que na época do império, quando o ouro era usado em grande escala entre os opressores, principalmente nos anéis, os negros e os índios, não tendo acesso ao ouro, criaram um anel alternativo para o pacto matrimonial, símbolo de amizade entre si e também de resistência na luta por libertação. Era um sinal clandestino e apocalíptico, cuja linguagem somente eles sabiam. Ele agregava os oprimidos, em busca de vida, mesmo no meio de tanta opressão.
    O anel de tucum, desde os tempos do CIMI e da CPT, até hoje, sempre é usado por aqueles/as que acreditam no Deus da vida e tem um engajamento, na perspectiva da educação popular, com as pessoas excluídas da sociedade. Representa a solidariedade que está nas mãos de muita gente que luta pela justiça e se engaja em pastorais sociais e em diversas entidades que lutam a favor dos que são explorados pelo capitalismo selvagem. O objetivo é denunciar as causas da pobreza e apoiar as iniciativas de outro mundo, que é possível!
    Este é o compromisso simbolizado nesta aliança, já que, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, os profetas e apóstolos afirmam a fidelidade de Deus aos pobres e oprimidos. A aliança de tucum é o sinal desta fidelidade. Além da Bíblia, a opção pelos pobres é testemunhada por toda a tradição da Igreja, a partir do Concílio Vaticano II e das Conferências latino-americanas de Medellín e Puebla. Nossa Diocese de Chapecó caminha nesse rumo.
    Quem usa o anel como enfeite ou porque está na moda é bom saber disso! No filme “Anel de Tucum”, Dom Pedro Casaldáliga explica assim o sentido desta aliança: “Este anel é feito a partir de uma palmeira da Amazônia (Bactris setosa). É sinal da aliança com a causa indígena e com as causas populares. Quem carrega esse anel significa que assumiu essas causas. E, as suas consequências. Você toparia usar o anel? Olhe, isso compromete, viu? Muitos, por causa deste compromisso foram até a morte”.

    (Texto de Pe. Cleto Stülp - Publicado no Encarte Voz da Juventude/PJ Diocese de Chapecó de Jun. 2012 - Jornal Diocesano/Diocese de Chapecó)
    *Foto de Dom José Gomes, na 5ª Assembleia Diocesana de Pastoral - 1996



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