segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A juventude e a luta de classe

A reestruturação produtiva do capital, principalmente com a intensificação do uso tecnológico, internacionalização da produção e do consumo, traz importantes transformações para o mundo do trabalho. E essas mudanças e inovações não têm sido favoráveis aos trabalhadores. Pelo contrário. Tem-se intensificado a exploração dos trabalhadores ocupados e ampliado o número de pessoas que ainda cumprirá a função de ser um exército industrial de reserva a ser incluído, (in)formalmente, segundo os ditames do capital.


Essa dinâmica atual de exploração do capitalismo tem imposto à classe trabalhadora três processos combinados de readequação à vida. O primeiro é a precarização das condições de trabalho dentro e fora do ambiente laboral. Em segundo lugar, a luta pela sobrevivência está atrelada ao sistema de créditos e financiamentos, advinda dos salários cada vez mais contraídos. E, por fim, a dificuldade de organização fora do local de trabalho, dada a jornada de trabalho exaustiva.

Neste contexto, a juventude vem sendo a principal vítima das tensões próprias do processo de dominação do capital contra o trabalho. Segundo o último relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), dos 620 milhões de jovens que compõem a população economicamente ativa (PEA), em idade de 15 a 24 anos, 81 milhões estavam desempregados em 2009. Ou seja, aproximadamente 13,1% da população mundial jovem está fora do mercado de trabalho.

O fato é que a juventude vive dilemas próprios do atual modelo de desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção do século 21. Um modelo no qual o capital concentra parte expressiva das riquezas de diversos territórios nacionais, em seu processo de consolidação da expansão mundial coordenada por poucos e fortes conglomerados financeiros-econômicos mundiais.

Essa concentração traz para dentro das nações uma vulnerabilidade sem precedentes – coloca ainda mais em xeque a soberania nacional – e torna marginal uma parcela da classe trabalhadora. Os jovens que estão sendo preparados para ocupar uma posição no mundo da sobrevivência, não encontrarão uma inserção imediata no mercado. A alternativa do próprio capital, frente à dinâmica de roubo do tempo dos que estão empregados e o aumento da preparação dos que estão desempregados, é a de instituir o critério do empreendedorismo.

O empreendedorismo é a manifestação clara da perversidade da ação do capital sobre o trabalho, enquanto técnica, ação, formação do imaginário coletivo desse grupo. Dessa forma, se transfere, novamente, para o indivíduo uma situação coletiva, relacionada com toda a sociedade. Além disso, é a forma propagandista de ocultamento da real condição do trabalho frente às metamorfoses geradas no seio do desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, ao longo de seu caminhar histórico.

No empreendedorismo, se ratifica a individualização da formação da consciência desde e para o trabalho, em que homens e mulheres jovens, na concorrência pela sobrevivência, manifestem sua capacidade criativa-inventiva, propondo algo (inovador ou necessário) que possa ser rapidamente absorvido pelo mercado consumidor/produtor de bens e serviços.

Dentro da juventude, outros grupos, como mulheres, negros e índios vivem essas contradições para toda a classe e de forma particular para a juventude, de forma ainda mais intensa. Mas, para o capitalismo, é oportuna essa fragmentação para a seleção de diferentes grupos no âmbito formal da exploração. Assim, à exploração do trabalho, se somam as classificações por grupos de idade, de gênero e de etnia-raça com o fim de diferenciar. Com isso, podem lucrar com as múltiplas funções colocadas a cada um de maneira individual no processo produtivo. Jovens mulheres têm um acesso menor que jovens homens e entre esses, jovens brancos, uma inserção maior que jovens negros e índios.

Além disso, a concepção de globalização como algo comum e igual cai por terra quando comparamos a inserção no mercado de trabalho dentro das nações a partir das diferenças regionais e nacionais. Jovens dos países centrais terão uma inserção, na disputa dentro de seus territórios, maior que jovens de nacionalidades periféricas. Esses estarão projetados para trabalhos de menor importância, desde que não haja crise e uma diminuição ainda mais intensa dos postos formais de trabalho com maior qualificação.

A verdade é que a juventude pobre, da classe trabalhadora urbana, não tem espaço nesse modelo de dominação do capital financeiro e internacionalizado. Nem nos países chamados ricos, como na Europa, onde o desemprego atinge até 40% da juventude. E a primeira década deste século evidencia não só a revolução do capital e sua acentuação sobre o trabalho – que está cada vez mais condicionado e reduzido à lógica dominante atual –, mas a formação da consciência sobre o futuro da nação.

Frente a esse cenário, somente se abrirá uma perspectiva de futuro com organização da juventude. Para isso, é preciso desenvolver consciência de classe e motivá-los para que se mobilizem, lutem. Mas, como a maioria está fora do mercado de trabalho, temos que desenvolver novas formas de atuação política que os ajudem a debater, a se aglutinar. Assim, descobrirão que é preciso construir um outro modelo de sociedade. E, juntos, construiremos um “outro mundo possível”.

*Brasil de Fato

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O TRAJETO TORTUOSO É MAIS INSTIGANTE

  Quando o muro de Berlim caiu

Os partidos olharam para baixo

E nós continuamos a olhar para o horizonte...

Mas também nos confundimos

Com a estrela

Que aparentava ser vermelha

E sem levar nenhum susto, amarelou.

Vieram as crises: primeiro a da política

Depois a da economia

E por último, a regressão moral.

Por alto previmos a crise econômica

E saudamos o advento do poder;

Mas não organizamos o povo

E a crise foi contornada ainda cedo

Porém não resolvida.

***

A base econômica

Deixou de ser a mesma.

Havia duas décadas

Que o muro havia caído

E o capitalismo arrecadara os seus destroços.

As fábricas dispersaram os operários

E os arados foram informatizados;

Os camponeses também perderam o lugar na produção.

Dissemos que não havia nenhuma novidade

Afinal Marx havia previsto

Que as forças produtivas

Um dia entrariam em choque

E brigariam com as relações sociais de produção.

Mas não damos importância

Para as mudanças estruturais que estavam em andamento

Quando na história isto acontece

O movimento da base principal

Desloca para outro ponto

As forças políticas organizadas

E as obriga mudar de posição.

Primeiramente na colocação física,

Depois na posição política;

Que influi fortemente, também sobre as idéias.

Aos poucos vimos a força das mudanças estruturais

Romper a coluna vertebral da classe

Que despencou sem sustentar o próprio peso.

Opiniões e críticas saíram para os embates

Engalfinharam-se como adolescentes bêbados

Sangraram e perderam a própria forma

E sem razão, ambas as partes se calaram.

As massas aturdidas

Voltaram para casa

Guardaram as bandeiras presas aos mastros

No vão, entre o guarda-roupa e a parede.

O mofo se apoderou do pano e dos sonhos

A hora do entusiasmo

Estava já passando.

Ninguém diria que um governo

Poderia subornar tantas consciências

E colocar a gravata no pescoço da vanguarda

Que se curvou como a vara de um pescador astuto.

Que aceitou a condição

De ser força auxiliar

Entre o braço caridoso

E as bocas ávidas pelas iscas.

***

E nós que já tínhamos o instrumento

Ficamos à margem das disputas

Não demos e não levamos nenhum soco

Nem retraímos, nem aumentamos os nossos inimigos.

É fácil manter-se atualizados quando nada se diz;

É só não afirmar nada

Não dizer nada

Ou dizer de forma camuflada

Que nada fica ultrapassado.

Mas nosso instrumento queria mostrar o novo,

Não queria?

Defendia o trabalho de base

Mesmo que as massas estando recolhidas!

Mas desconsiderou os métodos.

Queria ser vanguarda, mas rejeitava o nome.

Tendia para ser partido

Mas receava as críticas

Assim passou a ser um referente desculpado.

O nome é um composto de forma e método.

O pensamento um suspiro recolhido;

E o programa, uma formulação anoitecendo.

A base não chega a ser de classe

Gravita entre os espaços estudantis e desocupados,

Embora a idoneidade do voluntarismo

Seja inquestionável.

Os movimentos nunca perderam os cargos no comando

E figuram sempre como sustentadores

De algo que não deixa ser a sua semelhança.

De tudo, porém o que é mais grave,

É a confusão no campo das idéias

Que, de vez em quando

Na busca de uma inovação

A consciência dá um giro para trás.

Confunde o conteúdo dos princípios

Desdenha a razão do método dialético

E, como a lógica formal

E presta-se a servir de auxilio

Às forças oportunistas

Que chantegeiam com a tática eleitoral

Pedindo que escolhamos

A melhor, entre as piores alternativas.

Quem não tem a própria agenda

Vai na programação alheia

E dança conforme a música orquestrada.

***

E então esperamos pelo ascenso

Como se ele nascesse de um trovão

Mas as massas só dão o seu apoio

A quem merece!

Mas, para merecê-lo

É preciso aparecer...

Fazer alguma coisa

Que possa receber em troca

Uma mobilização...

Uma revolta...

Uma insurreição.

Mas se o cordão umbilical do partido

Tem que estar enraizado no ventre da classe

Por que então não dela está desligado

E a sua voz não encanta o proletariado?

É verdade que os tempos são penosos

E em nada favorece a quem espalha sonhos

A classe dobrou-se esfarelada

E observa com a cara de poucos amigos

O desfilar do vácuo de sua representação.

Perdera a auto-estima

Juntamente com a estabilidade.

As massas vagueiam disfarçadas

Fingem que procuram um benfeitor

Nas fileiras alheias,

Mas não entregam o direito à espontaneidade.

Assim o instrumento fica a cata de um sujeito imaginário,

Com todas as táticas acocoradas

Desceram a tão baixo

E se assemelham ás fórmulas vencidas e ajoelhadas.

É o alvo estratégico rebaixado

O horizonte que desceu com a lama da enxurrada

E soterrou a criatividade,

Ou é a timidez dos sonhos

Que perderam a força da capacidade?

***

Quando Fidel entrou em Havana

Com sua coluna guerrilheira

Éramos bebês!

Nossos pais ouviram pelo rádio

O relato da grande vitória

Enquanto nos embalavam

Para calar o choro impertinente.

Depois, quando Fidel passou o cargo adiante:

Ouvimos ainda pelo rádio;

Vimos pela televisão

E lemos nas telas dos computadores e nos jornais

Aclamações dos inimigos

Saudando o novo tempo sem Fidel.

Tal qual os ouvintes do passado, eles esperam:

Querem saber o que irá acontecer.

O tempo que vem nunca diz tudo

Pois a névoa do futuro não deixa ver aquilo que será.

E em meio às opiniões, eles temem:

Receiam de que aquilo que será, seja o que já é.

Receiam sim!

Fidel pode ter sido um nome só

Mas nunca um homem só.

Desde Moncada

Tornara-se um indivíduo coletivo!

Uma consciência ampla!

Um povo universal!

E nós, que chupávamos mamadeiras!

Agora dizemos aos nossos filhos

Que as notícias mentem.

Fidel não renunciou

Só passou o cargo à frente

Para ter tempo de contemplar a obra feita.

Dizemos mais:

Os revolucionários de corpo e coração

Jamais renunciam à revolução

Apenas mudam de lugar

Para: Olhar...Sorrir... Amar...

Mas em que lugar estamos nós?

***

Ninguém está a procura de um Quartel Moncada

Nem mesmo de uma coluna guerrilheira

Para desfilar entre as montanhas

Mas ainda há crianças como éramos nós

Que sugam mamadeiras

E precisam alimentar uma esperança.

Os pais não têm porque fazê-las parar de chorar.

Não há notícia a ser ouvida

As novidades já duram uma semana.

É a violência ou a enchente

Nada de novo, nas manipulações.

Os jornais ainda são os mesmos

Mas nós crescemos

E já passamos a idade de Fidel

No tempo que entrou em Havana

Com a sua coluna guerrilheira

E o que temos para noticiar?

Que iremos apoiar um novo candidato?

Que iremos levantar uma nova bandeira

Onde o petróleo possa nos salvar

Como salvara os nacionalistas

Na época do desenvolvimentismo?

Falta um feito que mostre os defeitos!

Falta um fato que sacuda o alambrado

E a massas abatidas deixem de ser torcida.

Sabemos que o horizonte não é uma divisa

Onde o sol no fim da terra

Como as galinhas, sobe para repousar.

O horizonte é um lugar

Para acudir aqueles que voam alto

Que prometem e cumprem as suas declarações.

Os atos heróicos

Trazem em si sempre um tanto de loucura

Basta deixar-se enlouquecer

Pela prática dos atos

Para desvendar a fronte do poder.

***

E não é lícito que os loucos sejam lúcidos

Nem que as idéias estejam todas formuladas

Mas se a prudência se opõe aos desatinos

Quem se oporá às mediações cansadas?

Mas nós ainda fortalecemos as mediações

As que já estão muito evidentes

E repetimos os velhos hábitos:

O instrumento novo

Busca um braço sindical antigo

Um movimento juvenil

Preso a conceitos de conteúdos seculares.

A inovação do gênero

Que reparte a força para valorizá-la

Como se a classe trouxesse os sexos em separado

Para dispor de duas colunas

Para enfrentar os inimigos:

Uma de homens e outra de mulheres.

A formação política despistada do engajamento

Esculpe quadros incapazes de esculpirem

A própria semelhança.

É a velha estrutura

Batizada pelo mesmo dogma,

Proferido em latim.

Do ventre velho e torto

Já nasce um verso morto.

Velho que velho o reproduz

Com rugas fartas

Antes de vir à luz.

***

Não é que nada produzimos

Nem que não miramos

Em alvo algum!

É que, na tentativa de disparar projéteis

Com as armas não atualizadas

Causamos sempre um mal menor::

Que bate, mas não fura

Machuca, mas não sangra

E mesmo assim, somos criminalizados

Por causa das balas perdidas.

É preciso reagir com a energia da América

Com as cores de sua pele

Com os pensamentos de seu cérebro

E com o vigor dos seus heróis.

Se há imprecisões na análise

O sujeito nunca aparecerá

Mesmo que se apresente nas revoltas,

Não será reconhecido

Ou não reconhecerá as cores e os sentidos.

***

O belo das bandeiras adormecidas

Chama pelo símbolo que se esconde indeciso.

São as mediações que não se encontram

E por isto não se precipitam

Nem se contribuem.

É claro que as massas querem vê-lo

Mesmo que seja tremulando

Apenas nas mãos mais experientes.

É o vazio da referência que intimida as massas

E não a convocação para os combates

Sobre os obstáculos do poder!

Querer é também deixar-se ser um pouco

Usados pela imaginação

E provocar “loucuras”

Que no futuro serão apresentadas como atos heróicos.

Ninguém nunca transgrediu a ordem

Nem o trânsito

Por andar na velocidade permitida

E respeitar a cor vermelha dos sinais.

Se as leis têm cada qual o seu espírito

É preciso atacar a sua materialidade

Com a decisão de quem não quer ser interrompido.

A desobediência foi feita para ser usada!

***

Mas se hoje nos perguntarem

Se a barbárie pode ser contida?

Com nosso otimismo duvidoso

Diremos que sim,

Mas não sabemos como.

Não sabemos em termos,

Porque um pouco todos sabem

Que uma força maior só pode ser contida

Se outra força igual se apresentar

E, frente a frente medirem suas potencialidades.

Contra a violência dos ignorantes

Impõe-se a ação revolucionária

Para fazer a insurreição

Que faz nascer um sol avermelhado.

Contra a mesquinhez e a covardia

Impõe-se a solidariedade e a coragem.

Ninguém vai atrás de quem não anda

Ou dá socorro a quem não quer ser ajudado.

É tempo de colocar-se em movimento

E dizer que aquilo que queremos é bom.

Se não dissermos

As massas o dirão por conta

E comporão de si;

A própria direção;

Com suas próprias legiões de rejeitados.

De fora ficarão os escolhidos

Por não aceitarem e terem ido

Às praças destinadas aos convidados.

***

A propaganda é muito necessária

E a agitação é tudo.

É preciso penetrar nas classes

E raiar nos fundos das metrópoles

Onde estão as massas urbanizadas.

Arrancar delas o grito da partida

E insurgir-se contra a linha divisória

Que separa os explorados dos exploradores.

É preciso passar para o lado do povo

Para não ficar sobre os escombros

Do muro que contém as massas.

Nos campos, os camponeses

Já fazem seus próprios exercícios

Aprenderam a fazer com a corda do enforcamento

Uma ponte para atalhar o vale

E ligar o caminho ao meio urbano.

É preciso avisá-los:

Que há grandes contingentes nos pequenos redutos

Basta que se queira unificá-los

E construir a retaguarda da marcha em movimento.

Nos campos a classe está reconstruída

Foi revigorada.

Na cidade as classes estão destituídas

Foram desclassificadas.

Mas as massas estão em movimento

Querem a sua vanguarda de volta

Para que possam dar rumo às suas revoltas.

***

Então é preciso abandonar as fórmulas

E agarrar com força as novas circunstâncias

E improvisar um pouco de imaginação.

Os galhos secos das idéias precisam ser podados

Para que os pássaros possam mostrar suas cores

Cada qual virá como estiver

Para a nova revoada.

Se não quiserem voar aos pares,

Que se juntem e combinem a perfilação

O importante é que se juntem

E se sintam um bando!

É o tempo de motivar a liberdade organizativa

Somente assim as penas coloridas

Seguirão unidas.

É tempo de insistir nas alianças

Das forças renovadas

Que não se apegam, a estruturas,

Velhas e já cansadas...

Nem defendem princípios desenraizados.

É tempo de renovar as táticas

De entregar às massas a responsabilidade

Ela talhará em si os próprios instrumentos

E os trará ao campo da unidade.

A espontaneidade é profundamente salutar

Sem ela não se faz a experiência

Nem se destravam as rodas da consciência

Que devem girar para diante

Jamais irem de arrasto

A reboque, apagando os rastros.

***
Se o tempo em que vivemos é difícil

Alegrem-se: pois há infinitas possibilidades!

Nos tempos de fartura não surgem heróis.

Se há muito por fazer

Há muito que aprender.

Quando as tormentas atacam as moradias

Todos procuram o lugar mais seguro

E escondem a cabeça

Deixando o corpo entregue ao furor do vendaval.

Na política, a história diz que é o contrário:

A cabeça por conter os olhos e a inteligência

É que deve ficar na evidência

Para decifrar os perigos

E apontar os caminhos.

As perguntas de cada época

São formuladas de acordo com as capacidades da própria sociedade.

Há tempos que ninguém se atreve a dar respostas

Porque as condições ainda estão desprevenidas

E as crises vem, machucam e vão embora

Até o dia que as perguntas são agarradas e respondidas.

Se ainda não estamos ã altura para dar todas as respostas

Mantenhamos ao menos as perguntas

Para que as massas se agarrem às perspectivas.

A história há de dar razão aos que se empenham,

Aos que se envolvem e engenham,

O triunfo da revolução.


*Ademar Bogo

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Um militante incasável, por Antonio Candido

Vou tratar do início da vida política de Florestan Fernandes e, mais amplamente, de sua militância, porque nele a militância não se restringia ao aspecto puramente político. Aceitei essa tarefa com prazer, porque era preciso o pronunciamento de alguém da geração de Florestan, coisa que vai ficando cada vez mais rara. Ele era um pouco mais moço do que eu, mas fomos companheiros de vida universitária e somos da mesma geração intelectual. Tentarei lembrar alguns aspectos importantes daquele tempo, sem ter certeza de não cometer erros ou fazer omissões, pois o tempo decorrido é muito grande.


Não saberia dizer quando começou exatamente a militância política de Florestan Fernandes. Tenho a impressão de que, quando nos conhecemos, ali por 1943, ele não se interessava muito por política. Estava interessado, sobretudo, na sua vida intelectual, pois estava construindo com grande energia e esforço a sua notável plataforma cultural. Nós não falávamos de política, disso eu tenho certeza; concluo que se ele tivesse alguma atividade nesse setor falaríamos dela, porque eu já tinha. Lembro‑me, por exemplo, de uma conversa significativa, ocorrida ali por 1943, na redação do jornal Folha da Manhã, cujo secretário, um jornalista muito brilhante, Hermínio Sacchetta, era trotskista. Sacchetta havia sido secretário‑geral do Partido Comunista Brasileiro em São Paulo, mas a certa altura havia rompido com ele e adotado as posições da IV Internacional. Nessa conversa eu manifestava muito sectarismo, Sacchetta também, e Florestan nos contestava. Eu estava me iniciando a sério no marxismo, passava por uma espécie de lua‑de‑mel com a política, e por isso exagerava as posições. Afirmava, por exemplo, que, para analisar a vida cultural, não só o marxismo era necessário, como os partidos políticos que o adotavam detinham a verdade. Doutrina extremamente perigosa, que vimos no que deu. Florestan contestava com uma posição de muito maior liberdade, reivindicando o descompromisso do conhecimento. Essa é a primeira lembrança que tenho de discussão política com ele, e não me lembro de mais nada a respeito.

Tenho a impressão de que a convivência de Florestan com Hermínio Sacchetta deve ter sido decisiva para ele adquirir uma consciência política definida e passar à ação. Em 1944, por exemplo, Sacchetta imaginou e dirigiu uma coleção muito interessante de estudos marxistas numa editora que infelizmente durou pouco, a Editora Flama. Essa coleção publicou livros como A miséria da filosofia e Contribuição à crítica da economia política, de Marx, A questão agrária, de Karl Kautski, Reforma ou revolução, de Rosa Luxemburgo, e coisas assim. Sacchetta encarregou Florestan de traduzir e prefaciar Contribuição à crítica da economia política. Sempre dentro dos limites da memória e das impressões, creio que esse foi o primeiro grande ato político de Florestan. Apesar de ser um rapaz de 25 anos, fez uma introdução erudita e penetrante, com grande conhecimento da matéria, denotando iniciação segura nesses temas, o que leva a crer que já possuía alguma formação marxista anterior, embora com certeza recente. É uma suposição.

Para formar o contraste, devo dizer que naquela altura, 1943/44, eu estava em uma posição política diferente, militando em pequenos grupos clandestinos contra a ditadura do Estado Novo, ligado sobretudo a colegas da Faculdade de Direito, onde fui estudante até 1943. Éramos um grupo de rapazes liberais e socialistas. Nós, os socialistas, tínhamos uma característica: não aderimos nem ao stalinismo nem ao trotskismo, que eram as correntes dominantes daquele tempo. Por influência de Paulo Emílio Salles Gomes, que foi o meu guru, comecei a vida política sem ligação com nenhuma das correntes, sendo a stalinista muito forte e a trotskista, fraca. Eu tinha boas relações com pessoas da corrente trotskista, que em geral eram cultas e lúcidas.

Ora, ali por 1944 é possível que Florestan já tivesse aderido ao trotskismo, e quem sabe por causa disso não tivemos muito diálogo, pois eu estava em posição que ele talvez considerasse de tipo reformista. Um caso pitoresco: anos atrás eu disse a ele: “No PT você está mais à esquerda e eu mais à direita”. Ele retrucou: “Não use essa palavra a seu respeito!”. E eu: “Não estou dizendo que sou de direita, mas que, num partido de esquerda, estou mais à direita”. Mas ele insistiu, agastado: “Não use essa palavra!”. Voltando ao passado, imagino que, no momento em que começou a se interessar por política, já estava numa posição mais radical do que a minha.

Em 1945, quando veio o que se chamou também “abertura democrática”, tão relativa quanto a de hoje, todos saíram da sombra, os agrupamentos clandestinos vieram à luz, começaram a se decantar os grupos. Nós, por exemplo, nos separamos dos companheiros liberais, que foram para a UDN (União Democrática Nacional), e fundamos sob a liderança de Paulo Emílio um pequeno grupo chamado União Democrática Socialista, UDS. Naquele momento houve muita política de frente única e Hermínio Sacchetta inspirou uma delas, denominada Coligação Democrática Radical, tentativa de construir uma grande frente, compreensiva o bastante para abranger pessoas de várias tendências, identificadas pela reivindicação da legalidade democrática como meta imediata. Mas o miolo intencional era socialista de inspiração trotskista. Florestan trabalhou bastante nela, com o ardor que punha em qualquer tarefa. O manifesto, que tive até pouco tempo e infelizmente perdi, foi assinado por pessoas bastante expressivas do meio cultural de São Paulo – professores universitários, estudantes, jornalistas. Naquele momento, houve de modo passageiro uma espécie de “esquerdização” da classe média, de modo que a Coligação parecia uma coisa que ia ter muito vulto; mas, na verdade, acabou de repente sem deixar rastro.

Aquele foi um tempo de grandes esperanças, e quando penso nos moços de hoje tenho um pouco de pena deles, porque acho que não viveram as expectativas eufóricas (e enganadoras) do meu tempo. Quando acabou a guerra, tínhamos a convicção de que o socialismo ia se instaurar; que, devido à vitória comum contra o nazismo, a União Soviética ia se liberalizar e se democratizar, enquanto os Estados Unidos, a Inglaterra, a França iam se socializar. Eles se encontrariam no meio do caminho e nós teríamos a felicidade na Terra! Caricaturando um pouco, no fundo era essa a nossa posição, posição de grande esperança, uma esperança que nos animava, nos transportava acima de nós mesmos, e todos sabem que, sem grandes ideais, a gente não se transporta acima de si. Sou de uma geração que se transportou acima de si mesma, graças a essa esperança, que foi logo cortada pela Guerra Fria. À vista disso, não espanta que houvesse tentativas de amplas frentes congraçadoras, e que pessoas de várias tendências se unissem, num esforço de boa vontade. Liberais, democratas, socialistas marxistas e não‑marxistas se uniram na Coligação Democrática Radical. Ela foi uma dessas tentativas generosas, típicas daquele momento, e nela Florestan militou bastante, embora brevemente. Como a Coligação não teve a vigência e a importância que se esperava, não sei qual passou a ser em seguida a atividade política dele. Não conversávamos sobre isso, e o que posso dizer é que ele não pertenceu à minha esfera política, que depois da legalidade foi a UDS, a qual entrou em seguida para a Esquerda Democrática, fundada em agosto de 1945 e transformada em Partido Socialista Brasileiro em meados de 1947. Ele não pertencia também à esfera do Partido Comunista, e não sei se militou efetivamente no pequeno agrupamento trotskista, liderado por Sacchetta, do qual lembro que fazia parte o jornalista José Stacchino. Mas há uma coisa curiosa, na qual tenho pensado: naquele tempo o Partido Comunista era forte, e o meu grupo era contra porque, para nós, ele era o stalinismo, a nosso ver uma deturpação do socialismo. Isso podia ser penoso porque a imprensa dos comunistas era poderosa e dizia o diabo de nós. Não era fácil. Os stalinistas chegavam a nos negar cumprimento em muitos casos, porque havia um famoso artigo 15 dos estatutos do seu partido que proibia manter mesmo relações de simples cortesia com “inimigos do povo”, como fascistas, trotskistas, social‑traidores... Era penoso cumprimentar um conhecido e vê‑lo virar a cara – exemplo que sugere o quanto era difícil uma atitude independente dentro da esquerda. No entanto, Florestan sempre teve amigos no Partido Comunista e, ao que eu saiba, nunca foi alvo de restrição por parte deles, mesmo naqueles tempos em que, para os comunistas, todos nós, não‑stalinistas, éramos chamados trotskistas, um dos piores xingos que podia haver. Muitos comunistas mais desinformados nem sabiam direito o que significava essa palavra, e imaginavam que se tratava de sinônimo de salafrário, policial, delator ou coisa parecida. Muitos até falavam “trutikista”, “troskista”, “trukitista”. Isso gerou muita confusão e há gente que pensa até hoje que meus amigos e eu éramos seguidores de Trotski, quando na verdade a nossa posição consistia em rejeitar tanto o stalinismo quanto o trotskismo. Mas, repito, apesar de ser efetivamente trotskista, Florestan nunca sofreu qualquer restrição, pelo menos ao que eu saiba. Provavelmente porque sua militância ostensiva tinha sido curta e se dado numa organização de frente única, e também porque, depois disso, não se inscreveu em nenhum grupo político. E, sobretudo, porque não pertencia ao nosso Partido Socialista, execrado pelos comunistas e classificado por um prócer deles, de São Paulo, como “cambada de trotskistas”. (De fato, muitos dos nossos companheiros haviam sido militantes da IV Internacional.)

Fazendo uma digressão que me parece oportuna, quero lembrar que, naquele tempo, os intelectuais estavam politicamente muito definidos e, em parte, arregimentados. Nós, isto é, as pessoas de minha idade, somos fruto da década de 1930, que foi, no mundo e no Brasil, uma década de radicalização. Foi a década da oposição direita–esquerda, fascismo–comunismo: a pessoa era levada a optar. Antes disso, no Brasil, os intelectuais não tinham necessidade de optar. Ninguém lhes cobrava isso. A partir de 1930, a coisa mudou e eles passaram a se definir como liberais, ou fascistas, ou socialistas, ou anarquistas. A maioria dos intelectuais da minha geração passou a manifestar suas posições, condicionados pela radicalização geral do período. Nós nos sentíamos diminuídos se não assumíssemos uma atitude política definida, e Paulo Emílio chegava a dizer que era melhor ser claramente de direita do que não ser nada.

Isso influiu diretamente na vida associativa, suscitando organizações das quais a mais importante, no meu tempo, foi a Associação Brasileira de Escritores, a ABDE, fundada no Rio de Janeiro, em 1942, com a finalidade ostensiva de reunir os escritores na defesa dos direitos autorais que, naquele tempo, eram massacrados no Brasil. Mas essa associação tinha, em segundo plano, a finalidade de combater o Estado Novo. Ela se estendeu imediatamente a São Paulo e eu participei da primeira reunião preparatória, na qual estavam presentes Mário de Andrade, Oswald Andrade, Sérgio Milliet, Mário da Silva Brito, Abguar Bastos, creio que Lourival Gomes Machado e mais alguns dos quais não me lembro. Na primeira diretoria, Sérgio Milliet foi presidente e eu segundo secretário. Militávamos por meio dessa associação, cujo feito maior foi a realização do Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores, na cidade de São Paulo, em janeiro de 1945. Fez‑se um manifesto final pedindo a volta das liberdades democráticas, que os jornais não puderam publicar devido à censura. Então foram impressos milhares de volantes, que se difundiram por diversos meios. Essa ABDE continuou até pouco depois de 1950, quando houve uma cisão entre comunistas e não‑comunistas por causa da Guerra Fria. A reunião dos grupos opostos só se deu muito mais tarde, por iniciativa de Paulo Duarte.

Ora, Florestan nunca participou ativamente da ABDE, embora devesse ser sócio inscrito. E talvez já fosse uma manifestação do que se poderia chamar a sua militância individualista, que o manteve afastado das organizações (embora sempre ativo na luta em caráter pessoal) até inscrever‑se no Partido dos Trabalhadores em meados do decênio de 1980. Uma vez eu disse a ele: “Você, Florestan, não precisa pertencer a partido nenhum, porque você é por si só um partido”. De fato, ele assim era, com sua dificuldade de se arregimentar, sua capacidade de agir exemplarmente e sua energia ciclópica.

Com isso fecho a digressão a fim de chegar onde quero: não é essencial, para entender a personalidade de Florestan, saber se estava ou não na ABDE, ou no Partido Socialista, ou se atuava em alguma pequena organização trotskista. O importante é que bem cedo ele começou a desenvolver uma atitude de militância em relação a qualquer problema. Não se tratava de uma militância condicionada por determinada palavra de ordem partidária, mas de uma militância ligada à consciência que ele tinha da necessidade de o intelectual intervir nas grandes questões de seu tempo. Essa é, a meu ver, a grande militância de Florestan Fernandes. Por isso não participou de nenhum agrupamento entre meados do decênio de 1940 e meados do decênio de 1980, quarenta anos em que lutou, à sua maneira, nas mais diversas frentes, e amadureceu sua posição política.

Nesse longo período, aos poucos, à medida que construía uma obra monumental no campo da Sociologia, penso que o marxismo foi se tornando uma fonte intelectual cada vez mais presente e atuante de seu pensamento. Falando certa vez sobre Florestan, eu disse que, durante muito tempo, na sua composição intelectual, o marxismo foi uma espécie de “rio subterrâneo”, por baixo da estrada acadêmica na qual andava, incorporando criticamente Durkheim, Max Weber, Mannheim etc. Num certo momento o marxismo aflorou na estrada e toda aquela formação convergiu com ele para formar o pensamento extremamente pessoal de Florestan na sua fase madura. Ele costumava dizer e escrever que era marxista‑leninista. Mas acho, por motivos que não cabe agora expor, que marxista‑leninista só russo pode ser, assim como maoísta, só chinês, e castrista, só cubano. A força de Florestan consiste em ter chegado a um modo pessoal de ser marxista, mostrando que o marxismo tem uma força extraordinária de aglutinação e flexibilização que lhe permite enfrentar as diferentes realidades, dando as respostas específicas que cada uma requer. A realidade brasileira é diferente das outras, e a força de Florestan, como a de Caio Prado Jr., foi ter percebido que o marxismo é um instrumento para analisar de determinada maneira a situação do seu país, e não uma fórmula invariável a ser aplicada a qualquer contexto.

Isso se deu na vida de Florestan pelo encontro de uma sólida sociologia acadêmica e de uma profunda formação filosófico-social com o marxismo. Foi então que se definiu o que ele chamava “sociologia crítica”, uma sociologia capaz de traduzir‑se em ação, que fez dele o homem das grandes lutas pelas grandes causas: situação atroz do negro, escola pública, reforma universitária. Essa foi a sua militância pessoal, inspirando o esforço de outros – a militância que fez dele um homem que esposava todas as causas importantes que requeriam bravura, lucidez e ânimo combativo. Florestan foi sempre um homem na linha de frente. Sua entrada no Partido dos Trabalhadores nada mais foi do que o coroamento dessa longa batalha como militante político.

A vida de Florestan Fernandes tem um valor realmente exemplar, porque ele foi um dos raros intelectuais a superar completamente o hiato que existe, quase sempre, entre a vida ativa e a vida do pensamento. Ele nunca foi revolucionário de gabinete, porque foi sempre um homem que canalizou para a transformação da sociedade o marxismo, a Sociologia e a Antropologia, usando-os para forjar uma posição própria que lhe permitiu atuar com eficácia na sua época, na sua sociedade e na sua instituição, a Universidade de São Paulo. Foi nela que Florestan desenvolveu e amadureceu o seu ponto de vista. Eu diria, portanto, que o começo de sua militância não é o mais importante. Mais importante é ele ter sido um militante permanente que, de certo modo, coroou as nossas aspirações radicais surgidas no decênio de 1930. E o seu corte exemplar é devido em parte ao fato de ter tido sempre, a vida toda, a capacidade de criar o escândalo construtivo.

Não há grande militante sem a capacidade de criar escândalo. E o escândalo se cria de várias maneiras. Por exemplo: conta-se que certa vez Murilo Mendes ouvia um concerto com obras de Mozart no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Mas o concerto lhe pareceu muito ruim, e então, como admirador ofendido de Mozart, abriu de estalo o guarda-chuva em plena platéia, onde estava... Imaginem o susto geral... Essas são as pessoas capazes de criar o escândalo reparador, e essa qualidade rara Florestan possuiu durante toda sua vida, até o fim. Ele dizia o que tinha a dizer, na hora certa e a quem fosse preciso, e por isso pôde dar à ação um impacto de que é raro encontrar equivalente. A razão profunda disso é que ele era uma personalidade antiburguesa por excelência, para quem não existia o freio das “conveniências” e do “respeito humano”, quando coisas essenciais estavam em jogo. Ao mesmo tempo, Florestan era rigoroso nos deveres sociais, largamente hospitaleiro, de bela aparência, fino e bem vestido, e, na parte madura da vida, tolerante. Mas, sobretudo, foi, repito, radicalmente antiburguês. Era um homem que queria a superação das convenções, a limpeza das velharias consagradas, porque vivia em busca daquilo que permitiria a transformação revolucionária da sociedade. Nesse sentido é que digo: o grande homem Florestan Fernandes foi essencialmente, a vida toda, um militante incansável.

Este texto foi publicado em MARTINEZ, Paulo Henrique (org.). "Florestan ou o sentido das coisas". São Paulo, Centro Universitário Maria Antonia/USP e Boitempo, 1998, p. 38-45.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Serra representa a burguesia e a volta do neoliberalismo

Para João Pedro Stedile, da direção nacional do MST, a vitória de Dilma permitirá um cenário e correlação de forças mais favoráveis ao avanço de conquistas sociais

A candidatura de José Serra (PSDB) representa o núcleo central dos interesses da burguesia e a volta do neoliberalismo. Esta é a avaliação João Pedro Stedile. Em sua primeira entrevista ao Brasil de Fato, o dirigente nacional do MST e da Via Campesina constata que, no atual cenário eleitoral, as candidaturas não estão debatendo programas, projetos para a sociedade. Mas, segundo ele, elas representam claramente interesses diversos de forças sociais organizadas. Nesse sentido, Stedile afirma que Serra representa os interesses da burguesia internacional, da burguesia financeira, dos industriais de São Paulo, do latifúndio atrasado, com Katia Abreu de coordenadora de finanças e setores do agronegócio do etanol. E, frente a esse cenário, defende que, “como militantes sociais, e como movimentos sociais, temos a obrigação política de derrotar a candidatura Serra”.


Brasil de Fato – Com a implementação do modelo neoliberal, os bancos e o capital financeiro aumentaram seus lucros e passaram a dirigir a economia do Brasil, que se sustenta na política de juros altos, meta de inflação, arrocho fiscal e política de exportações. Quais as consequências desse modelo?

João Pedro Stedile – Estamos vivendo a etapa do capitalismo que se internacionalizou, dominou toda a economia mundial sob a hegemonia do capital financeiro e das grandes corporações que atuam em nível internacional. O mundo é dominado por 500 grandes empresas internacionalizadas, que controlam 52% do PIB mundial e dão emprego para apenas 8% da classe trabalhadora. As consequências em nível mundial são um desastre, pois toda população e os governos nacionais precisam estar subordinados a esses interesses. E eles não respeitam mais nada, para poder aumentar e manter suas taxas de lucro. Seus métodos vão desde a apropriação das riquezas naturais, deflagração de conflitos bélicos para manter as fontes de energias e controle do Estado, para se apropriarem da mais-valia social ou poupança coletiva através dos juros que os estados pagam aos bancos. No Brasil, a lógica é a mesma. Com um agravante, sendo uma economia muito grande e dependente do capital estrangeiro, aqui o processo de concentração de capital e de riqueza é ainda maior. Esta é a razão estrutural do porquê – apesar de sermos a oitava economia mundial em volume de riquezas – estamos em 72º lugar nas condições médias de vida da população e somos a quarta pior sociedade do mundo em desigualdade social. Portanto, essa fase do capitalismo, em vez de desempenhar um papel progressista no desenvolvimento das forças produtivas e sociais, como foi a etapa do capitalismo industrial; agora, os níveis de concentração e desigualdade só agravam os problemas sociais.

Mesmo com a eleição de governos mais progressistas, o Estado brasileiro mantém seu caráter antipopular, sem a realização de mudanças mais profundas que resolvam os problemas estruturais do país. Como você avalia a democracia e o Estado no Brasil?

Primeiro, há uma lógica natural do funcionamento da acumulação e da exploração do capital que sobrepõe os governos e as leis. Segundo, no período neoliberal, o que o capital fez foi justamente isso, privatizar o Estado. Ou seja, a burguesia transformou o Estado em seu refém, para que ele funcione apenas em função dos interesses econômicos. E sucateou o Estado nas áreas de políticas públicas de serviços que servem a toda população, como educação, saúde, transporte público, moradia etc. Por exemplo, temos 16 milhões de analfabetos. Para alfabetizá-los, custaria, no máximo, uns R$ 10 bilhões. Parece muito – o Estado, com todo seu aparato jurídico impede de aplicar esse dinheiro –, mas isso representa duas semanas do pagamento de juros que o Estado faz aos bancos. Construímos viadutos e estradas em semanas, mas para resolver o deficit de moradias populares é impossível? Temos ainda 10 milhões de moradias faltando para o povo.

Por último, a sociedade brasileira não é democrática. Nós nos iludimos com as liberdades democráticas de manifestação, que conquistamos contra a ditadura, que foram importantes. Mas a verdadeira democracia é garantir a cada e a todos cidadãos direitos e oportunidades iguais, de trabalho, renda, terra, educação, moradia e cultura. Por isso, mesmo quando elegemos governos com propostas progressistas, eles não têm força sufi ciente para alterar as leis do mercado e a natureza do Estado burguês.

Na política internacional, o governo Lula investiu na relação com países do hemisfério Sul, com o fortalecimento do Mercosul e da Unasul, por exemplo. Qual a sua avaliação dessa política e quais os seus limites?

O governo Lula fez uma política externa progressista no âmbito das relações políticas de Estado. E uma política dos interesses das empresas brasileiras, nos seus aspectos econômicos. Comparado às políticas neoliberais de FHC, que eram totalmente subservientes aos interesses do imperialismo, isso é um avanço enorme, pois tivemos uma política soberana, decidida por nós. Na política, se fortaleceram os laços com governos latinos e daí nasceu a Unasul para a América do Sul, e a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) para todo o continente, excluindo-se os Estados Unidos e o Canadá. Esses dois organismo representam o fim da OEA. Aliás, já tarde. Na economia se fortaleceram laços econômicos com países do Sul. Mas ainda precisamos avançar mais na construção de uma integração continental que seja de interesse dos povos, e não apenas das empresas brasileiras, ou mexicanas e argentinas. Uma integração popular latino-americana no âmbito da economia será o fortalecimento do Banco do Sul, para substituir o FMI. O banco da Alba, para substituir o Banco Mundial. E a construção de uma moeda única latino-americana, como é proposto pela Alba, através do sucre, para sair da dependência do dólar. Se queremos independência e soberania econômica nas relações internacionais e latino-americanas, é fundamental colocarmos energias para derrotar o dólar. O dólar foi fruto da vitória estadunidense na segunda guerra mundial e tem sido, nessas décadas todas, o principal mecanismo de espoliação de todos os povos do mundo. Num aspecto mais amplo, o presidente Lula tem razão: as Nações Unidas não representam os interesses dos povos, e por isso é besteira o Brasil sonhar em ter a presidência. Precisamos é construir novos e mais representativos organismos internacionais. Mas isso não depende de propostas ou vontade política. Depende de uma nova correlação de forças mundial, em que governos progressistas sejam maioria. E hoje não são.

O sistema de televisão e rádio é extremamente concentrado no Brasil, em comparação até com os outros países da América Latina. Quais as consequências disso para a luta política?

Durante o século 20, hegemonizado pela democracia republicana e pelo capitalismo industrial que produziu uma sociedade de classes bem definida, a reprodução ideológica da burguesia se dava pelos partidos políticos, pelas igrejas e pelos sindicatos e associações de classe. Agora, na fase do capitalismo internacionalizado e financeiro, a reprodução da ideologia dominante se dá pelos meios de comunicação, em especial redes de televisão e as agências internacionais de noticias. A burguesia descartou os outros instrumentos e prioriza estes, os quais tem controle total. Por isso, no Brasil, na América Latina e em todo o mundo, os meios de comunicação estão sob controle absoluto das burguesias. E eles usam como reprodução ideológica, como fonte de ganhar dinheiro e como manipulação política. E como seus patrões estão internacionalizados, suas pautas e agendas estão também centralizadas. Por isso, a construção de um regime político mais democrático, mesmo nos marcos do capitalismo, depende fundamentalmente da democratização dos meios de comunicação. Isso é fundamental para garantir o direito ao acesso à informação honesta e impedir a manipulação das massas. E os governos deveriam começar eliminando a publicidade estatal, em qualquer nível, em qualquer meio de comunicação. É uma vergonha o que se gasta em publicidade oficial. No Paraná, para se ter uma ideia, em oito anos de governo Lerner [1995-2002], o Estado pagou mais de R$ 1 bilhão em publicidade para dois ou três grupos de comunicação.

As grandes cidades brasileiras enfrentam problemas como falta de habitação, saneamento básico, escolas, hospitais, além de trânsito e violência. Como você analisa a questão urbana?

A maior parte da população se concentra nas grandes cidades, e aí estão concentrados também os pobres e os maiores problemas resultantes desse modelo capitalista, e de um Estado que atua somente em favor dos ricos. Os pobres das grandes cidades se amontoam nas periferias, não têm direito a moradia, escola, transporte público decente, trabalho, renda. Nem a lazer. Sobram os programas de baixaria da televisão como lazer. Nesse contexto é evidente que o sistema gera um ambiente propício para o narcotráfico, para a violência social.

E o Estado, o que tem feito através dos mais diferentes governos?

A única resposta tem sido a repressão. Mais polícia, mais violência oficial, mas cadeia. As cadeias estão cheias de pobres, jovens, mulatos ou negros. Há uma situação insustentável de tragédia social. Todos os dias assistimos os absurdos da desigualdade social, do descaso do Estado e da truculência do capital. As estatísticas são aterrorizantes: 40 mil assassinatos por ano nas grandes cidades, a maioria pela polícia. Por isso os movimentos sociais apoiaram a campanha pelo desarmamento. Mas a força das empresas bélicas financiou deputados, campanhas etc., e o povo caiu na ilusão de que o problema da violência urbana se resolveria tendo o direito de ter arma. Acredito que a pobreza e a desigualdade nas grandes cidades brasileiras é o problema social mais grave que temos. Infelizmente nenhum candidato está debatendo o tema, nem quando o debate é para prometer segurança! Segurança para quem? As famílias precisam de segurança de trabalho, renda, escola para os filhos.

Nas eleições presidenciais, o quadro apresenta duas candidaturas que polarizam a disputa, enquanto as outras não demonstram força para mudar essa situação. Nessa conjuntura, quem abre melhores perspetivas para a classe trabalhadora e para a reforma agrária?

As candidaturas não estão debatendo programas, projetos para a sociedade. Mas as candidaturas representam claramente interesses diversos de forças sociais organizadas. Serra representa os interesses da burguesia internacional, da burguesia financeira, dos industriais de São Paulo, do latifúndio atrasado, com sua Katia Abreu de coordenadora de finanças, e setores do agronegócio do etanol. Dilma representa setores da burguesia brasileira que resolveram se aliar com Lula, setores mais arejados do agronegócio, a classe média mais consciente, e praticamente todas as forças da classe trabalhadora organizada. Vejam, apesar de toda popularidade do Lula, nessa campanha, a Dilma reuniu mais forças da classe trabalhadora do que na eleição de 2006. A candidatura da Marina representa apenas setores ambientalistas e da classe média dos grandes centros, e por isso seu potencial eleitoral não decola. E temos três candidaturas de partidos de esquerda, com companheiros de biografia respeitada de compromisso com o povo, mas que não conseguiram aglutinar forças sociais ao seu redor, e por isso, o peso eleitoral será pequeno. Nesse cenário, nós achamos que a vitória da Dilma permitirá um cenário e correlação de forças mais favoráveis a avançarmos em conquistas sociais, inclusive em mudanças na política agrícola e agrária. E evidentemente que nesse cenário incluímos a possibilidade de um ambiente propício para maior mobilização social da classe trabalhadora como um todo, para a obtenção de conquistas. Como militantes sociais, e como movimentos sociais, temos a obrigação política de derrotar a candidatura Serra, que representa o núcleo central dos interesses da burguesia e a volta do neoliberalismo.

O MST apresentou uma avaliação de que a luta eleitoral não é sufi ciente para a realização das mudanças sociais. Por outro lado, analisa que é um momento importante no debate político. Como o MST vai se envolver nessas eleições?

A esquerda brasileira, os movimentos sociais e políticos ainda estão aturdidos com a derrota político-ideológica-eleitoral que sofremos em 1989. Isso levou a muitas confusões, e também a alguns desvios de setores da classe. Vivemos um período da história da luta de classes de nosso país – e poderíamos dizer em nível internacional, na maioria dos países – em que a estratégia para conseguir acumular forças para mudanças sociais é a combinação da luta institucional com a luta social. Na luta institucional, compreendemos a visão gramsciana na qual os interesses da classe trabalhadora precisam disputar e ter hegemonia na disputa de governos nos três níveis: municipal, estadual e federal. Nos espaços do conhecimento, universidade, meios de comunicação. Nos sindicatos, igrejas e outras instituições da sociedade de classes. E a luta social são todas as formas de mobilização de massa, que possibilitam o desenvolvimento da consciência de classe e a conquista de melhores condições de vida – sabendo que elas dependem de derrotar os interesses do capital. Pois bem, o que aconteceu no último período? Parte da esquerda e da classe trabalhadora priorizou a luta institucional da disputa apenas de governos e menosprezou, desdenhou a luta social. E parte dos movimentos sociais, desencantado com a crise ideológica, desdenhou a luta institucional, como se a luta direta, de massas, fosse sufi ciente. Luta social apenas, sem disputar projeto político na sociedade e sem disputar os rumos institucionais do Estado, não consegue acumular para a classe. Podem até eventualmente resolver problemas pontuais da classe, mas não mudam a natureza estrutural da sociedade. O MST compreende que devemos aglutinar, combinar, estimular as duas formas de luta, de forma permanente. Para que com isso possamos acumular forças, organizadas, de massa, de forma orgânica, que construa um projeto político da classe e ao mesmo tempo crie condições para o reascenso do movimento de massas, pois este é o período histórico em que a classe tem condições de ir para a ofensiva, de tomar inciativa política, de pautar seus temas para todo o povo. Por isso, claro que todo militante do MST, como cidadão consciente, deve arregaçar as mangas e ajudar a eleger os candidatos mais progressistas em todos os níveis. Isso é uma obrigação de nosso compromisso com a classe.

Desde os tempos do governo FHC, José Serra fez declarações contra a reforma agrária e o MST. No entanto, nas últimas semanas, vem intensificando os ataques. Na sua visão, por que ele vem agindo dessa forma?

Por dois motivos. Primeiro, porque as forças sociais que ele representa agora, como porta-voz maior, são as forças da classe dominante do campo e da cidade, que são contra os interesses dos camponeses, da classe trabalhadora em geral e do povo brasileiro. Portanto, ele é contra a reforma agrária não porque não goste do MST, mas por uma questão de interesse de classe. Segundo, na minha avaliação, é que a coordenação tucana acha que a única chance do Serra crescer eleitoralmente é adotar um discurso de direita, para polarizar e, então, se mostrar mais de confiança do que a Dilma. Por isso adotou todos os ícones da esquerda para bater. Bate em nós, em Fidel, em Cuba, Chávez, Evo Morales, até no bispo Lugo ele bateu. Achou uma conexão das Farc com o PT absurda. Ele sabe que o partido está mais próximo da social-democracia. Não é por ignorância, é por tática eleitoral. Acho que ele errou também na tática. E vai ficar refém de seu discurso de direita sem ampliar os votos. Eu acho ótimo que ele se revele como direitista mesmo. Ajuda a clarear os interesses de classe das candidaturas. E por isso mesmo vai perder de maior diferença do que o Alckmin perdeu do Lula em 2006.

Atualmente, o movimento sindical vem fazendo a luta pela redução da jornada, mas está fragmentado em uma série de centrais sindicais. Quais os problemas e desafios da luta sindical atualmente?

Não tenho a pretensão de dar lições a ninguém. Há valorosos companheiros que atuam na luta sindical que têm muitos elementos para analisar a situação da organização de classe. Os problemas e desafios da organização sindical são evidentes. Mas não estão no número de sindicatos ou de centrais. Isto, ao contrário, até poderia ser visto como vitalidade, já que as correntes sindicais sempre existiram, são importantes e aglutinam por vertentes ideológicas. Os desafios da unidade da classe nos sindicatos passam pela necessidade de recuperarmos o trabalho de base, a organização, de toda a classe, lá no local de trabalho e no de moradia. Ninguém mais quer fazer reunião na porta de fábrica, na fábrica (mesmo que de forma clandestina, como era nos tempos do Lula). Precisamos recuperar o sentido da luta de massas como a única expressão da força da classe. Precisamos recuperar o debate de temas políticos, relacionados com um programa para a sociedade que extrapole as demandas salariais e corporativas. Precisamos recuperar a importância de o movimento sindical ter seus próprios meios de comunicação de massa. Saúdo a chegada da televisão dos trabalhadores no ABC. Mas precisaríamos ter antes, e em todas regiões metropolitanas. Precisamos recuperar a formação de militantes da classe trabalhadora, em todos os níveis. Sem conhecimento, sem teoria, não haverá mudanças. E, com essas iniciativas, certamente poderemos construir um processo de maior unidade, já que os interesses da classe como um todo serão o denominador comum, e de construção do reascenso do movimento de massas.

Um grupo de dirigentes e estudiosos avalia que a sociedade brasileira passou por uma transformação, e sindicatos e partidos políticos não são suficientes para organizar o povo brasileiro, especialmente com o aumento da informalidade. Com isso, seria necessário construir novos instrumentos para a luta política. Como você avalia os desafios organizativos da classe trabalhadora?

As formas de organização da classe em partidos, sindicatos e associações de bairro foram desenvolvidas pela classe, como respostas ao desenvolvimento da exploração pelo capitalismo industrial, desde os tempos de Marx até os dias atuais. Acho que o problema não é ficar analisando se serve ou não, jogar tudo fora e pensar novos instrumentos. Cada tempo histórico tem suas formas de organização, suas formas de luta de massa e produz suas próprias lideranças. Estamos vivendo um período de derrota político-ideológica que gerou crise ideológica e organizativa na classe. Um período de refluxo do movimento de massas. Mas isso faz parte de um período, de uma onda. Logo ingressaremos em novos períodos. Acho que o principal não é discutir a forma, mas tratar de organizar de todas as maneiras possíveis todos os setores da classe trabalhadora. E evidentemente que a forma sindical ou partidária não está conseguindo chegar na juventude pobre, da classe trabalhadora das periferias. E precisamos descobrir novos métodos e novas formas. As formas podem ter outros rótulos, outros apelidos, mas o principal é que a classe precisa se organizar do ponto de vista econômico, corporativo, para resolver suas necessidades e problemas imediatos; e precisa ter organização política, para disputar projetos para a sociedade. E só vamos resolver os problemas de organização organizando. A prática é a melhor conselheira, do que grandes teses, nesse caso.

Dentro de um modelo que tem hegemonia de bancos e do capital financeiro, com o enfraquecimento da indústria, baseado no consumo de massa, quais as perspectivas de futuro para a juventude?

A juventude pobre, da classe trabalhadora urbana, não tem espaço nesse modelo de dominação do capital financeiro e internacionalizado. Nem nos países chamados ricos, como na Europa, onde o desemprego atinge até 40% da juventude. O futuro da juventude está justamente em desenvolver uma consciência como classe trabalhadora. Se apenas ficar se olhando como jovem e sem oportunidades, não vai encontrar as respostas, vai ficar velho sem as respostas. Precisamos desenvolver consciência de classe, e motivá-los para que se mobilizem, lutem. E como estão fora das fábricas, da escola, temos que desenvolver novas formas de trabalho político com a juventude, que a ajude a debater, a se aglutinar, para que descubra que o futuro é agora. Tenho esperanças, há uma massa enorme da juventude trabalhadora urbana que está em silêncio. Ou ainda alienada, iludida. Alguns tentando entrar no mercado consumidor, como se fosse a felicidade geral. Logo perceberão que precisam ter uma atitude, uma participação ativa na sociedade.

O MST vem fazendo a avaliação de que a reforma agrária não avançou durante o governo Lula. Por quê?


É preciso ter claro os conceitos e o significado da reforma agrária. Reforma agrária é uma política pública, desenvolvida pelo Estado, para democratizar a propriedade da terra e garantir o acesso a todos os camponeses que queiram trabalhar na terra. Do ponto de vista histórico, ela surgiu numa aliança da burguesia industrial no poder com os camponeses que precisavam terra, para sair da exploração dos latifundiários. E, assim, a maioria das sociedades modernas fez reforma agrária a partir do século 19 e ao longo do século 20. Depois tivemos as reformas agrárias populares e socialistas, que foram feitas por governos populares ou revolucionários, no bojo de outras mudanças sociais. Aqui no Brasil nunca tivemos reforma agrária. A burguesia brasileira nunca quis democratizar a propriedade da terra. Ela preferiu manter aliança com os latifundiários para que continuassem exportando matérias-primas (e aí ela usaria os dólares da exportação para bancar a importação de máquinas) e sobretudo preferiu expulsar os camponeses para a cidade, para criar um amplo exército industrial de reserva, que manteve ao longo do século 20 os salários industriais mais baixos de todas as economias industriais do mundo. E os camponeses brasileiros nunca tiveram forças, sozinhos nem em aliança com os trabalhadores da cidade, para impor uma reforma agrária aos latifundiários. Chegamos mais perto disso em 1964. E tivemos um baita programa de reforma agrária, em aliança com o governo Goulart. A resposta da burguesia foi se aliar com Império e impor a ditadura militar de classe. As políticas dos governos no Brasil e do governo Lula são de assentamentos rurais. Ou seja, aqui e acolá, pela força da pressão camponesa, desapropria algumas fazendas para aliviar os problemas sociais. Mas isso não é reforma agrária. Tanto que o censo do IBGE de 2006 revelou que agora a concentração da propriedade da terra é maior do que no censo de 1920, quando recém saímos da escravidão. E no governo Lula não tivemos espaço para debater um processo de reforma agrária verdadeiro, e nem tivemos força de massas para pressionar o governo e a sociedade. Por isso, a atual política de assentamentos é insuficiente por um lado, mas reflete a correlação de forças políticas que há na sociedade. Lamentamos apenas que algumas forças dentro do governo se iludam a si mesmas, fazendo propaganda ou achando que essa política de assentamentos – insuficiente – fosse reforma agrária.

Alguns estudiosos e setores sociais, até mesmo na esquerda, avaliam que passou o tempo da reforma agrária no Brasil. Qual o papel da reforma agrária dentro do atual estágio de desenvolvimento?

É verdade, nós também dizemos isso. Não há mais espaço para uma reforma agrária clássica, que visava apenas distribuir terra aos camponeses e eles produziriam com suas próprias forças e família para o mercado interno. Esse modelo era viável no auge e para o desenvolvimento nacional e do capitalismo industrial. Mas ele é inviável não porque o MST desdenha, e sim porque as forças políticas e sociais que poderiam ter interesse não têm mais. Se houvesse uma reviravolta nas classes que dominam o Brasil, e um novo projeto de desenvolvimento nacional e industrial entrasse na pauta política, aí a reforma agrária clássica teria lugar. Mas não é isso que se desenha. Então, qual a alternativa agora? É lutar por um novo tipo de reforma agrária. Uma reforma agrária que nós chamamos de popular. Que o movimento de pequenos agricultores chama de Plano Camponês, que a própria Contag e Fetraf chamam de agricultura familiar. São rótulos diferentes para um conteúdo semelhante. Ou seja, nós precisamos reorganizar o modelo de produção agrícola do país. Nós queremos usar nossa natureza para uma agricultura diversificada, fixando as pessoas no meio rural com melhoria das condições de vida, eliminando o latifúndio (não precisa ser muitos, apenas os acima de 1.500 hectares), adotando técnicas de produção de agroecologia, respeitosas ao meio ambiente e, sobretudo, produzindo alimentos sadios para o mercado interno. Nossa proposta de reforma agrária popular, no entanto, depende de um novo modelo de desenvolvimento, que tenha distribuição de renda, soberania nacional, rompimento com o domínio do capital estrangeiro sobre a agricultura e a natureza.

Como a reforma agrária pode beneficiar o conjunto da sociedade, especialmente a população das cidades?

A reforma agrária e a fixação do homem no campo são fundamentais para reduzir o desemprego na cidade e elevar os patamares do salário mínimo e a média salarial. A burguesia só paga baixos salários e aumenta o número de empregados domésticos porque todos os dias chegam milhares de novos trabalhadores se oferecendo para serem explorados. A reforma agrária é a única que pode produzir sem venenos. A grande propriedade do agronegócio só consegue produzir com veneno, porque não quer mão de obra, e esse veneno vai para o estômago de todos nós. Na última safra foram um bilhão de litros de venenos, 6 litros por pessoa, 150 litros por hectares. Uma vergonha. Um atentado. A reforma agrária ajuda a resolver o problema de moradia e do inchaço das cidades. Também vai reequilibrar o meio ambiente e com isso teremos menos mudanças climáticas que estão afetando agora, com mais força, as cidades. Vejam o que aconteceu no Nordeste. Num dia, 13 cidades foram varridas do mapa pelas chuvas torrenciais. Não foi a chuva a culpada, e sim o monocultivo da cana que alterou o equilíbrio e empurrou o povo para a beira do rio. Mas isso só o general Nelson Jobim viu e teve coragem de dizer. A Globo ficou quietinha procurando acobertar. Nenhuma área de reforma agrária de Pernambuco e Alagoas foi atingida, por que será? E nossos assentamentos foram os primeiros, antes do governo, a dar guarida aos desabrigados.

Por que a Via Campesina e o MST vêm realizando protestos contra as grandes empresas do agronegócio? As ocupações de terras não são sufi cientes ou não servem mais para a luta pela reforma agrária?


Como disse antes, agora a disputa não é mais apenas entre os pobres sem-terra e os latifundiários. Agora é uma disputa de modelo para produção e uso dos bens da natureza. De um lado temos o agronegócio, que é a aliança entre os grandes proprietários, o capital financeiro, que os financia – veja que, de uma produção de R$ 112 bilhões, os bancos adiantam R$ 100 bi para eles poderem produzir –, as empresas transnacionais que controlam a produção de insumos, sementes, o mercado nacional e internacional e as empresas de mídia. E, de outro lado, os sem-terra, os camponeses com pouca terra e a agricultura familiar em geral. E nesse marco de disputa, nosso inimigo principal são os bancos e as empresas transnacionais. Então, fazemos a luta de classes contra nossos inimigos principais e ao mesmo tempo devemos seguir lutando para melhorar as condições de vida, com novos assentamentos, moradia rural, luz para todos, programa de compra de alimentos pela Conab, um novo crédito rural etc. Essas medidas, embora setoriais, também ajudam a acumular força como classe.

Nos próximos dias, o MST vai realizar atividades pela reforma agrária. Como serão essas mobilizações e quais seus objetivos? Elas têm alguma relação com o período eleitoral?

A coordenação nacional do MST escolheu há tempos essa semana de meados de agosto para realizar uma campanha nacional de debates em torno da reforma agrária. É uma forma concentrada de esforços para desenvolver diferentes maneiras de agitação e propaganda; para levar nossas ideias à classe trabalhadora urbana; para denunciar os problemas e malefícios que o agronegócio, com seus venenos e sua sanha concentradora, causa para toda a sociedade; e, ao mesmo tempo, mostrar justamente os benefícios de uma reforma agrária popular. Esperamos que nossa militância se engaje em todo país, para essa jornada de conscientização de massas.


João Pedro Stédile é dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina.


*Nilton Viana
Brasil de fato

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Câmara de Vereadores de Chapecó gasta R$ 4 Milhões em 6 meses

Vereadores de Chapecó gastam com bomba de chimarão R$ 675,00. Enquanto isso??? A classe trabalhadora do município chupa o dedo

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Elogio de um revolucionário

Quando aumenta a repressão, muitos desanimam

Mas a coragem dele aumenta

Organiza sua luta pelo salário, pelo pão

e pela conquista do poder.

Interroga o capital:

De onde vens?

Pergunta a cada ideia:

Serves a quem?

Ali onde todos calam, ele fala

E onde reina a opressão e se acusa o destino,

ele cita os nomes.

À mesa onde ele se senta

senta-se também a insatisfação.

A comida sabe mal e a sala torna-se estreita.

Aonde o perseguem chega a revolta

e de onde o expulsam persiste a agitação.

Elogio de um revolucionário, Bertolt Brecht

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Companheiro Gas-PA lança novo Cd de Hip-Hop


"Eu amo o Hip Hop, ele mudou a minha vida. Não só a minha, mas a de uma porrada de gente. Pra melhor, e, nos últimos tempos, pra pior", diz Gas-PA. Foto: Arquivo pessoal.


Gas-PA além de rapper é militante político, usa a arte para a conscientização em busca de uma sociedade mais justa. Por meio do Coletivo LUTARMADA desenvolve trabalhos de base com projetos políticos e cursos de formação na periferia do Rio de Janeiro, em paralelo à produção musical. Em entrevista ao Fazendo Media, ele fala sobre o seu mais novo CD, analisa as corporações de mídia e comenta sobre o hip hop brasileiro nos dias de hoje.

Quantos CDs O Levante já lançou? As letras do disco são todas de sua autoria?

Dois CDs: O Temeremos mais a miséria do que a morte, e agora o Estado de direito. Estado de direira. No primeiro, tirando uma letra que tem coautoria do K-Lot (um MC da velha escola fluminense, que também acaba de lançar um CD), todas as outras são de minha autoria, e o Mimil só interpretava as músicas. Mas no Estado de direito. Estado de direita, não. Esse é até um papo que me emociona, pois me faz lembrar que há 4 anos eu fui lá na favela que ele mora e levei o primeiro livro. Depois ofereci outro. O terceiro eu já nem precisei levar. Mimil, que tinha uns 25 cm menos do que tem hoje, foi lá em casa buscar. Hoje, ele que no começo era apenas um fã, é autor de duas letras desse disco. Fiz uma parte da Meu estilo de vida, já a Combativo e internacionalista, foi o contrário. Ele apareceu com uma letra pronta, sem refrão. Daí eu fiz o refrão, botei mais meia dúzia de versos, e a música ficou daquele jeito. O nome disso é trabalho de base.

Queria que você falasse da escolha do nome do disco.

Estado de direito. Estado de direita, é por que sabemos que o Direito é só uma forma de legitimar a dominação, já que a propriedade privada dos meios de produção é assegurada no Estado burguês. E todos os outros “direitos” são apenas uma conseqüência desse, por isso até que nós o conquistemos ele será de direita.

E as fotos da capa e contra-capa(uma foto histórica do Luiz Morier) do cd?


A capa é pra mostrar qual o direito que nós temos nesse Estado. Nela mostramos dois momentos de uma mesma instituição: no escravismo e no capitalismo. Antes, sob o nome de Capitão do Mato, ela caçava, prendia e matava pretos e pretas. Hoje, mais de um século de república, com o nome de polícia, ela caça, prende e mata pretos e pretas. E as duas fotos, mostrando pessoas pretas amarradas, umas às outras pelo pescoço, tanto no escravismo, quanto no capitalismo, é para mostrar o “quanto que esse país mudou”, de lá pra cá.

Você acha que a mídia contribui para a criminalização da pobreza no Rio?

Lógico. Fizemos dois eventos em uma casa noturna tradicionalmente roqueira, mas que nos abriu as portas. Demos o serviço para todos os jornais, e alguns divulgaram o nosso evento. Tentamos a mesma coisa quando fizemos o 1º Hip Hop ao Trabalho, que é nosso evento anual, nos 1º de Maio, em alguma das favelas de Costa Barros. Nenhum veículo divulgou.

Mas por quê? Nesse dia se apresentaram o B Negão e a atriz/DJ Gisele Frade, duas pessoas com nomes já projetados no mercado cultural. Mesmo assim, nenhuma linha. Porra, nós estávamos levando cultura pro bagulho. Se ao invés de caixas de som, microfones, pick ups, discos, nós estivéssemos entrando de granada, fuzil, pistola… nossos nomes estariam em todos os jornais. A mídia burguesa só gosta de repercutir o que as favelas têm de ruim, ou algo de bom mas que não seja de iniciativa da própria favela. Tem que ter a impressão digital de Celso Ataíde, José Junior, Rubens Cesar Fernandes, ou outro antropófago social qualquer.

Às vezes ela faz pior, pega algo de positivo e transforma em ameaça à sociedade. E isso não é por acaso, tem intencionalidade política. Quem só tem acesso à “realidade” via mídia burguesa, vai acabar acreditando que na favela só tem crime e violência. Que a violência é a única língua que a favela conhece. Assim sendo, nada mais legítimo que a violência com a qual o Estado trata a favela. Afinal, se for de outro jeito a favela não entende.

E essas pessoas que crêem nessa “verdade” estão aptas a crer também que, se não é a policia, tem que ser as ONGs, afinal, um povo que só entende a língua da violência não é capaz de estabelecer nenhuma forma de organização pacífica para produzir cultura, atividades esportivas e superar os seus problemas.

Vocês usam muito o termo “revolução”. Como você imagina essa revolução numa sociedade tão despolitizada e com os jovens tão desinteressados pelos caminhos e pelo futuro do nosso país?

Tem que haver um trabalho árduo de educação da militância de esquerda, e ela parece que tem nojo de favela e periferia. A esquerda partidária, então, só pisa lá de 2 em 2 anos, ou para faturar em cima dos corpos do desabamento ou da chacina policial. Por isso nos atos o que se vê são as mesmas caras. Até em ato contra a criminalização da pobreza, da qual são vítimas os favelados, a favela está ausente. Por quê?


A favela e a periferia são os terrenos mais férteis para o senso comum. Quem deveria combater esse senso comum - que faz naturalizar a violência do Estado contra o povo preto e pobre - se viciou em centro da cidade. O único ano em que o Grito dos Excluídos não aconteceu no centro, ele foi para Zona Sul! Pro asfalto!

Estamos passando por um descenso das massas, e essa situação não vai se alterar sozinha. Ou essa militância se oferece ao trabalho de base, onde estão as bases da sociedade, ou vai ficar o resto dos dias reclamando que a juventude está despolitizada. A Globo está todo dia lá fazendo o seu trabalho de base. As ONGs, também. Engana-se quem diz que o único braço do Estado a entrar na favela é a polícia. O Estado está lá diariamente. Vai lá e veja o esgoto a céu aberto, a escola com 2, 3 turmas em cada sala, o posto médico sem médico nem remédio, o crack, a coca, o fuzil, a granada, a TV tela-plana financiada… isso é ou não é a presença do ”Estado de direita”?

Outro equívoco é achar que a juventude está despreocupada com o futuro, desmobilizada. Veja quantos jovens estão envolvidos em projetos do 3º setor. É muita gente preocupada com o futuro, mas dentro de uma perspectiva neoliberal. Fazer o quê? Tem quase ninguém para disputar essas consciências com o inimigo! É preciso chegar nesses espaços antes do desabamento e antes da chacina, mas para isso temos que educar a esquerda.



Grafite feito por Kdo na Avenida Presidente Vargas, uma das principais vias do centro do Rio. Foto: Arquivo pessoal.

Na música “ A verdadeira mulher da minha vida” você expressa a preocupação de um pai em relação ao futuro da filha. Como você sonha o mundo para estas novas gerações que virão?

Um mundo onde o alimento exista pra matar a fome, e não pra enriquecer ninguém; onde medicina exista pra salvar vidas, prevenir e curar enfermidades, e não pra enriquecer ninguém; onde a arte e o esporte existam pra trazer prazer e saúde física e mental, e não pra enriquecer ninguém; onde a solidariedade não seja uma mercadoria vendida nas prateleiras das ONGs; onde a informação não seja uma mercadoria e nem uma ferramenta de manipular as mentes; onde a educação sirva para se formar seres humanos dignos e plenos, e não para enriquecer ninguém; onde não exista mais dominados e dominantes, por razão nenhuma. Mas isso eu sei que só com muita luta.

Um alvo das suas letras é a televisão, especialmente a Rede Globo. Qual a dimensão do desserviço que esta emissora causa na nossa sociedade?

Desserviço dependendo do ponto de vista, pois para a burguesia ela cumpre o papel que se espera. Ela elege presidente, depois faz derrubar o presidente que elegeu. Ela faz o povo clamar por um ataque contra a Bolívia, quando seu presidente resolve pôr fim à exploração das suas riquezas por uma transnacional. Ela faz o povo ter medo do Chávez, achando que ele, e não os EUA, quer dominar o mundo. Ela joga no lixo a auto-estima da mulher preta, fazendo ela acreditar que só pode ser bonita se se aproximar de um padrão estético que não é o seu. Ela faz o povo repudiar movimentos legítimos como o MST. Consegue deformar outros movimentos, como o Hip Hop, que através das suas telas é um movimento inofensivo, ostensivo, e acéfalo.

O que é o Hip Hop pra você? E qual o poder de transformação social que ele tem?

Ele é meio que minha vida, eu sou um apaixonado por ele. Como eu sou um cara sensível, meus olhos se enchem d’água quando ouço alguma música do Facção Central, ou a Corpo em evidência, do grupo Visão de Rua; quando eu vejo algum moleque ou mina de uma oficina nossa fazendo um movimento com maior grau de dificuldade, no Break; quando eu vejo um graffiti bem feito provocando reflexão sobre o nosso cotidiano; quando eu vejo uma performance bem criativa e bem elaborada nos toca-discos; quando eu vejo alguém fazendo um beat-box, que se tu fechar os olhos, tu vai pensar que tem uma banda tocando. Eu amo o Hip Hop, ele mudou a minha vida. Não só a minha, mas a de uma porrada de gente. Pra melhor, e, nos últimos tempos, pra pior.

Hoje, no Brasil, tem rap fazendo apologia às drogas e ao crime. Ouvi um som um dia desses em que o cara se vangloriava de andar voado numa moto na [Avenida]Brasil sem capacete. Conheço muita gente pelo Brasil afora que disse que a música Voz ativa, dos Racionais, mudou suas vidas. Conheci gente que abandonou o crime por causa deles. Hoje, sei de gente que entrou pro crime por causa deles. As músicas dos caras parece um intervalo comercial. Faz propaganda da Audi, Citroen, Baush & Lomb (que eu só vim saber o que era por causa das músicas deles), “cordão de elite 18 quilates”, modelos e outros supérfluos. A maioria dos que escutam Os Racionais, e vê neles uma referência, ainda são pobres. Como essa gente pobre irá responder a todos esses estímulos? Que tipo de transformação essas músicas podem causar? Então, falar que o Hip Hop transforma, ou não, é muito complexo. Não existe Hip Hop, e sim Hip Hops. Vários.



Gas-Pa com o Bboy do gueto e Kathleen Cleaver, dos Black Panthers. Foto: Arquivo Pessoal.

Em “Rimador Radical” você diz: “ e fazer um disco inteiro falando de maconha”, é uma crítica a Marcelo D2? Como você vê estes artistas como ele e MV Bill?

É uma crítica a todos os aproveitadores. Levamos um camarada da Marcha da Maconha para fazer um debate numa atividade nossa, para dar a chance de essa garotada ter acesso a uma discussão mais qualificada sobre a questão da criminalização das drogas. Isso tem, de fato, uma intencionalidade política. Mas quem gasta uma faixa do disco dizendo “se eu fumo ninguém tem nada com isso”, está querendo só vender disco e shows. E isso vale pra qualquer gênero musical, qualquer expressão artística. Mas quem entra na luta tem que estar preparado para isso tudo. O inimigo não vai ficar parado olhando a nossa reação. Ele vai tentar minar nossas forças, e em alguns casos, as armas que eles têm são a nossa própria gente.

Como fazer para mudar a imagem do Rap para quem o conhece através de MTV e MultiShow, naqueles clips em que o discurso são os carrões, as mulheres gostosas e os cordões de ouro?

Você mesmo na pergunta identificou nessas músicas: machismo, ostentação de bens de consumo e eu ainda acrescento apologia à violência e ao regionalismo. Veja que eu estou falando de 1991 e de propagar valores capitalistas. Esse era o momento crucial pra o inimigo lançar mão dessa tática. Foi nessa ocasião em que a União Soviética acabou. O capital tinha que mostrar pras novas gerações por que motivos o “comunismo perdeu pro capitalismo”. Se a direita enxerga a força que o Hip Hop tem pra mobilizar o povo para as suas causas, por que a esquerda também não vê isso? É míope?

Hoje a TV ataca mais a nós do que ao MST. Quantas vezes o MST aparece na televisão? Quantas vezes aparece o Hip Hop? Mas vê só como o Hip Hop aparece. Aquilo que a TV faz com a gente é um ataque. Disfarçado, mas é um ataque. E quando não é esse Hip Hop deformado, cheio de vícios, é o Hip Hop domesticado da CUFA. A esquerda tinha que investir boa parte do que tem em recursos financeiros, logística e tudo o mais pra fazer a nossa arte chegar ao maior numero de pessoas. É isso que a juventude está ouvindo nas periferias. Quer dizer, é algo meio parecido com isso.

Mas a cegueira chega a irritar, a emputecer. 50 cent vem aqui, fala um monte de merda, maior galera paga uma fortuna pra ver e ouvir isso, e a esquerda não faz nada pra fazer essa disputa com a burguesia.Gramsci tratou disso com o conceito de Guerra de posição. Aliás, pra além de investir na música, investir também nas outras artes do Hip Hop. Investir principalmente na formação de novos atores nas favelas e periferias. As ONGs fazem isso o tempo todo. Das oficinas que as ONGs realizam saem bons artistas que vão graffitar painel pra Coca Cola, dançar no palco do Criança Esperança e fazer músicas que atendam às demandas do mercado numa disputa insana por prestígio e o dinheiro sujo da alienação. Sobre o cenário internacional, para mim é foda. Conheço muito pouco, mas já vi umas entrevistas do Dead Prez, mesmo assim prefiro não botar minha mão no fogo.

Quem foi ou é uma referência pra você no Rap?

Public Enemy foi fundamental e necessário pra eu ser o que sou hoje. Por eles eu entendi que o rap era algo mais que uma música, mas sim um instrumento de luta racial/classista. Os Racionais também, naquele momento (que se frise bem isso) também foi muito importante. Contar a minha história sem falar neles, é mentira. Agora, pro meu trânsito de artista-comprometido-com-a-luta, para militante orgânico, teve um cara chamado Preto Ghoez, que foi tudo pra mim, inclusive um amigo. Uma amizade cheia de problemas, admito, porém fundamental para minha história na luta revolucionária.

Serviço: O cd “Estado do direito – Estado de Direita” está a venda por R$ 5,00 na Produto do Morro, que fica no camelódromo da Uruguaiana, Quadra D, N° 478 (acesso pela Rua da Alfândega); na livraria KITABU, Rua Joaquim Silva 17, Lapa; na Lojinha da Escola Nacional Florestan Fernandes, em SP, ou na mão dos companheiros do LUTARMADA.

Para quem está fora do Rio, é só depositar R$ 15 no Banco do Brasil ag 1508-3, conta poupança 28130-1, Gaspar F C Souza, e mandar o endereço postal com o comprovante de depósito escanneado para o_levante@yahoo.com.br, que o CD chega via PAC.

(*) Veja aqui a entrevista do Gas-PA concedida ao Fazendo Media em 2005.

http://www.fazendomedia.com/coletivo-lutarmada-lanca-novo-cd/

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