Quando o muro de Berlim caiu
Os partidos olharam para baixo
E nós continuamos a olhar para o horizonte...
Mas também nos confundimos
Com a estrela
Que aparentava ser vermelha
E sem levar nenhum susto, amarelou.
Vieram as crises: primeiro a da política
Depois a da economia
E por último, a regressão moral.
Por alto previmos a crise econômica
E saudamos o advento do poder;
Mas não organizamos o povo
E a crise foi contornada ainda cedo
Porém não resolvida.
***
A base econômica
Deixou de ser a mesma.
Havia duas décadas
Que o muro havia caído
E o capitalismo arrecadara os seus destroços.
As fábricas dispersaram os operários
E os arados foram informatizados;
Os camponeses também perderam o lugar na produção.
Dissemos que não havia nenhuma novidade
Afinal Marx havia previsto
Que as forças produtivas
Um dia entrariam em choque
E brigariam com as relações sociais de produção.
Mas não damos importância
Para as mudanças estruturais que estavam em andamento
Quando na história isto acontece
O movimento da base principal
Desloca para outro ponto
As forças políticas organizadas
E as obriga mudar de posição.
Primeiramente na colocação física,
Depois na posição política;
Que influi fortemente, também sobre as idéias.
Aos poucos vimos a força das mudanças estruturais
Romper a coluna vertebral da classe
Que despencou sem sustentar o próprio peso.
Opiniões e críticas saíram para os embates
Engalfinharam-se como adolescentes bêbados
Sangraram e perderam a própria forma
E sem razão, ambas as partes se calaram.
As massas aturdidas
Voltaram para casa
Guardaram as bandeiras presas aos mastros
No vão, entre o guarda-roupa e a parede.
O mofo se apoderou do pano e dos sonhos
A hora do entusiasmo
Estava já passando.
Ninguém diria que um governo
Poderia subornar tantas consciências
E colocar a gravata no pescoço da vanguarda
Que se curvou como a vara de um pescador astuto.
Que aceitou a condição
De ser força auxiliar
Entre o braço caridoso
E as bocas ávidas pelas iscas.
***
E nós que já tínhamos o instrumento
Ficamos à margem das disputas
Não demos e não levamos nenhum soco
Nem retraímos, nem aumentamos os nossos inimigos.
É fácil manter-se atualizados quando nada se diz;
É só não afirmar nada
Não dizer nada
Ou dizer de forma camuflada
Que nada fica ultrapassado.
Mas nosso instrumento queria mostrar o novo,
Não queria?
Defendia o trabalho de base
Mesmo que as massas estando recolhidas!
Mas desconsiderou os métodos.
Queria ser vanguarda, mas rejeitava o nome.
Tendia para ser partido
Mas receava as críticas
Assim passou a ser um referente desculpado.
O nome é um composto de forma e método.
O pensamento um suspiro recolhido;
E o programa, uma formulação anoitecendo.
A base não chega a ser de classe
Gravita entre os espaços estudantis e desocupados,
Embora a idoneidade do voluntarismo
Seja inquestionável.
Os movimentos nunca perderam os cargos no comando
E figuram sempre como sustentadores
De algo que não deixa ser a sua semelhança.
De tudo, porém o que é mais grave,
É a confusão no campo das idéias
Que, de vez em quando
Na busca de uma inovação
A consciência dá um giro para trás.
Confunde o conteúdo dos princípios
Desdenha a razão do método dialético
E, como a lógica formal
E presta-se a servir de auxilio
Às forças oportunistas
Que chantegeiam com a tática eleitoral
Pedindo que escolhamos
A melhor, entre as piores alternativas.
Quem não tem a própria agenda
Vai na programação alheia
E dança conforme a música orquestrada.
***
E então esperamos pelo ascenso
Como se ele nascesse de um trovão
Mas as massas só dão o seu apoio
A quem merece!
Mas, para merecê-lo
É preciso aparecer...
Fazer alguma coisa
Que possa receber em troca
Uma mobilização...
Uma revolta...
Uma insurreição.
Mas se o cordão umbilical do partido
Tem que estar enraizado no ventre da classe
Por que então não dela está desligado
E a sua voz não encanta o proletariado?
É verdade que os tempos são penosos
E em nada favorece a quem espalha sonhos
A classe dobrou-se esfarelada
E observa com a cara de poucos amigos
O desfilar do vácuo de sua representação.
Perdera a auto-estima
Juntamente com a estabilidade.
As massas vagueiam disfarçadas
Fingem que procuram um benfeitor
Nas fileiras alheias,
Mas não entregam o direito à espontaneidade.
Assim o instrumento fica a cata de um sujeito imaginário,
Com todas as táticas acocoradas
Desceram a tão baixo
E se assemelham ás fórmulas vencidas e ajoelhadas.
É o alvo estratégico rebaixado
O horizonte que desceu com a lama da enxurrada
E soterrou a criatividade,
Ou é a timidez dos sonhos
Que perderam a força da capacidade?
***
Quando Fidel entrou em Havana
Com sua coluna guerrilheira
Éramos bebês!
Nossos pais ouviram pelo rádio
O relato da grande vitória
Enquanto nos embalavam
Para calar o choro impertinente.
Depois, quando Fidel passou o cargo adiante:
Ouvimos ainda pelo rádio;
Vimos pela televisão
E lemos nas telas dos computadores e nos jornais
Aclamações dos inimigos
Saudando o novo tempo sem Fidel.
Tal qual os ouvintes do passado, eles esperam:
Querem saber o que irá acontecer.
O tempo que vem nunca diz tudo
Pois a névoa do futuro não deixa ver aquilo que será.
E em meio às opiniões, eles temem:
Receiam de que aquilo que será, seja o que já é.
Receiam sim!
Fidel pode ter sido um nome só
Mas nunca um homem só.
Desde Moncada
Tornara-se um indivíduo coletivo!
Uma consciência ampla!
Um povo universal!
E nós, que chupávamos mamadeiras!
Agora dizemos aos nossos filhos
Que as notícias mentem.
Fidel não renunciou
Só passou o cargo à frente
Para ter tempo de contemplar a obra feita.
Dizemos mais:
Os revolucionários de corpo e coração
Jamais renunciam à revolução
Apenas mudam de lugar
Para: Olhar...Sorrir... Amar...
Mas em que lugar estamos nós?
***
Ninguém está a procura de um Quartel Moncada
Nem mesmo de uma coluna guerrilheira
Para desfilar entre as montanhas
Mas ainda há crianças como éramos nós
Que sugam mamadeiras
E precisam alimentar uma esperança.
Os pais não têm porque fazê-las parar de chorar.
Não há notícia a ser ouvida
As novidades já duram uma semana.
É a violência ou a enchente
Nada de novo, nas manipulações.
Os jornais ainda são os mesmos
Mas nós crescemos
E já passamos a idade de Fidel
No tempo que entrou em Havana
Com a sua coluna guerrilheira
E o que temos para noticiar?
Que iremos apoiar um novo candidato?
Que iremos levantar uma nova bandeira
Onde o petróleo possa nos salvar
Como salvara os nacionalistas
Na época do desenvolvimentismo?
Falta um feito que mostre os defeitos!
Falta um fato que sacuda o alambrado
E a massas abatidas deixem de ser torcida.
Sabemos que o horizonte não é uma divisa
Onde o sol no fim da terra
Como as galinhas, sobe para repousar.
O horizonte é um lugar
Para acudir aqueles que voam alto
Que prometem e cumprem as suas declarações.
Os atos heróicos
Trazem em si sempre um tanto de loucura
Basta deixar-se enlouquecer
Pela prática dos atos
Para desvendar a fronte do poder.
***
E não é lícito que os loucos sejam lúcidos
Nem que as idéias estejam todas formuladas
Mas se a prudência se opõe aos desatinos
Quem se oporá às mediações cansadas?
Mas nós ainda fortalecemos as mediações
As que já estão muito evidentes
E repetimos os velhos hábitos:
O instrumento novo
Busca um braço sindical antigo
Um movimento juvenil
Preso a conceitos de conteúdos seculares.
A inovação do gênero
Que reparte a força para valorizá-la
Como se a classe trouxesse os sexos em separado
Para dispor de duas colunas
Para enfrentar os inimigos:
Uma de homens e outra de mulheres.
A formação política despistada do engajamento
Esculpe quadros incapazes de esculpirem
A própria semelhança.
É a velha estrutura
Batizada pelo mesmo dogma,
Proferido em latim.
Do ventre velho e torto
Já nasce um verso morto.
Velho que velho o reproduz
Com rugas fartas
Antes de vir à luz.
***
Não é que nada produzimos
Nem que não miramos
Em alvo algum!
É que, na tentativa de disparar projéteis
Com as armas não atualizadas
Causamos sempre um mal menor::
Que bate, mas não fura
Machuca, mas não sangra
E mesmo assim, somos criminalizados
Por causa das balas perdidas.
É preciso reagir com a energia da América
Com as cores de sua pele
Com os pensamentos de seu cérebro
E com o vigor dos seus heróis.
Se há imprecisões na análise
O sujeito nunca aparecerá
Mesmo que se apresente nas revoltas,
Não será reconhecido
Ou não reconhecerá as cores e os sentidos.
***
O belo das bandeiras adormecidas
Chama pelo símbolo que se esconde indeciso.
São as mediações que não se encontram
E por isto não se precipitam
Nem se contribuem.
É claro que as massas querem vê-lo
Mesmo que seja tremulando
Apenas nas mãos mais experientes.
É o vazio da referência que intimida as massas
E não a convocação para os combates
Sobre os obstáculos do poder!
Querer é também deixar-se ser um pouco
Usados pela imaginação
E provocar “loucuras”
Que no futuro serão apresentadas como atos heróicos.
Ninguém nunca transgrediu a ordem
Nem o trânsito
Por andar na velocidade permitida
E respeitar a cor vermelha dos sinais.
Se as leis têm cada qual o seu espírito
É preciso atacar a sua materialidade
Com a decisão de quem não quer ser interrompido.
A desobediência foi feita para ser usada!
***
Mas se hoje nos perguntarem
Se a barbárie pode ser contida?
Com nosso otimismo duvidoso
Diremos que sim,
Mas não sabemos como.
Não sabemos em termos,
Porque um pouco todos sabem
Que uma força maior só pode ser contida
Se outra força igual se apresentar
E, frente a frente medirem suas potencialidades.
Contra a violência dos ignorantes
Impõe-se a ação revolucionária
Para fazer a insurreição
Que faz nascer um sol avermelhado.
Contra a mesquinhez e a covardia
Impõe-se a solidariedade e a coragem.
Ninguém vai atrás de quem não anda
Ou dá socorro a quem não quer ser ajudado.
É tempo de colocar-se em movimento
E dizer que aquilo que queremos é bom.
Se não dissermos
As massas o dirão por conta
E comporão de si;
A própria direção;
Com suas próprias legiões de rejeitados.
De fora ficarão os escolhidos
Por não aceitarem e terem ido
Às praças destinadas aos convidados.
***
A propaganda é muito necessária
E a agitação é tudo.
É preciso penetrar nas classes
E raiar nos fundos das metrópoles
Onde estão as massas urbanizadas.
Arrancar delas o grito da partida
E insurgir-se contra a linha divisória
Que separa os explorados dos exploradores.
É preciso passar para o lado do povo
Para não ficar sobre os escombros
Do muro que contém as massas.
Nos campos, os camponeses
Já fazem seus próprios exercícios
Aprenderam a fazer com a corda do enforcamento
Uma ponte para atalhar o vale
E ligar o caminho ao meio urbano.
É preciso avisá-los:
Que há grandes contingentes nos pequenos redutos
Basta que se queira unificá-los
E construir a retaguarda da marcha em movimento.
Nos campos a classe está reconstruída
Foi revigorada.
Na cidade as classes estão destituídas
Foram desclassificadas.
Mas as massas estão em movimento
Querem a sua vanguarda de volta
Para que possam dar rumo às suas revoltas.
***
Então é preciso abandonar as fórmulas
E agarrar com força as novas circunstâncias
E improvisar um pouco de imaginação.
Os galhos secos das idéias precisam ser podados
Para que os pássaros possam mostrar suas cores
Cada qual virá como estiver
Para a nova revoada.
Se não quiserem voar aos pares,
Que se juntem e combinem a perfilação
O importante é que se juntem
E se sintam um bando!
É o tempo de motivar a liberdade organizativa
Somente assim as penas coloridas
Seguirão unidas.
É tempo de insistir nas alianças
Das forças renovadas
Que não se apegam, a estruturas,
Velhas e já cansadas...
Nem defendem princípios desenraizados.
É tempo de renovar as táticas
De entregar às massas a responsabilidade
Ela talhará em si os próprios instrumentos
E os trará ao campo da unidade.
A espontaneidade é profundamente salutar
Sem ela não se faz a experiência
Nem se destravam as rodas da consciência
Que devem girar para diante
Jamais irem de arrasto
A reboque, apagando os rastros.
***
Se o tempo em que vivemos é difícil
Alegrem-se: pois há infinitas possibilidades!
Nos tempos de fartura não surgem heróis.
Se há muito por fazer
Há muito que aprender.
Quando as tormentas atacam as moradias
Todos procuram o lugar mais seguro
E escondem a cabeça
Deixando o corpo entregue ao furor do vendaval.
Na política, a história diz que é o contrário:
A cabeça por conter os olhos e a inteligência
É que deve ficar na evidência
Para decifrar os perigos
E apontar os caminhos.
As perguntas de cada época
São formuladas de acordo com as capacidades da própria sociedade.
Há tempos que ninguém se atreve a dar respostas
Porque as condições ainda estão desprevenidas
E as crises vem, machucam e vão embora
Até o dia que as perguntas são agarradas e respondidas.
Se ainda não estamos ã altura para dar todas as respostas
Mantenhamos ao menos as perguntas
Para que as massas se agarrem às perspectivas.
A história há de dar razão aos que se empenham,
Aos que se envolvem e engenham,
O triunfo da revolução.
*Ademar Bogo
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
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