sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O TRAJETO TORTUOSO É MAIS INSTIGANTE

  Quando o muro de Berlim caiu

Os partidos olharam para baixo

E nós continuamos a olhar para o horizonte...

Mas também nos confundimos

Com a estrela

Que aparentava ser vermelha

E sem levar nenhum susto, amarelou.

Vieram as crises: primeiro a da política

Depois a da economia

E por último, a regressão moral.

Por alto previmos a crise econômica

E saudamos o advento do poder;

Mas não organizamos o povo

E a crise foi contornada ainda cedo

Porém não resolvida.

***

A base econômica

Deixou de ser a mesma.

Havia duas décadas

Que o muro havia caído

E o capitalismo arrecadara os seus destroços.

As fábricas dispersaram os operários

E os arados foram informatizados;

Os camponeses também perderam o lugar na produção.

Dissemos que não havia nenhuma novidade

Afinal Marx havia previsto

Que as forças produtivas

Um dia entrariam em choque

E brigariam com as relações sociais de produção.

Mas não damos importância

Para as mudanças estruturais que estavam em andamento

Quando na história isto acontece

O movimento da base principal

Desloca para outro ponto

As forças políticas organizadas

E as obriga mudar de posição.

Primeiramente na colocação física,

Depois na posição política;

Que influi fortemente, também sobre as idéias.

Aos poucos vimos a força das mudanças estruturais

Romper a coluna vertebral da classe

Que despencou sem sustentar o próprio peso.

Opiniões e críticas saíram para os embates

Engalfinharam-se como adolescentes bêbados

Sangraram e perderam a própria forma

E sem razão, ambas as partes se calaram.

As massas aturdidas

Voltaram para casa

Guardaram as bandeiras presas aos mastros

No vão, entre o guarda-roupa e a parede.

O mofo se apoderou do pano e dos sonhos

A hora do entusiasmo

Estava já passando.

Ninguém diria que um governo

Poderia subornar tantas consciências

E colocar a gravata no pescoço da vanguarda

Que se curvou como a vara de um pescador astuto.

Que aceitou a condição

De ser força auxiliar

Entre o braço caridoso

E as bocas ávidas pelas iscas.

***

E nós que já tínhamos o instrumento

Ficamos à margem das disputas

Não demos e não levamos nenhum soco

Nem retraímos, nem aumentamos os nossos inimigos.

É fácil manter-se atualizados quando nada se diz;

É só não afirmar nada

Não dizer nada

Ou dizer de forma camuflada

Que nada fica ultrapassado.

Mas nosso instrumento queria mostrar o novo,

Não queria?

Defendia o trabalho de base

Mesmo que as massas estando recolhidas!

Mas desconsiderou os métodos.

Queria ser vanguarda, mas rejeitava o nome.

Tendia para ser partido

Mas receava as críticas

Assim passou a ser um referente desculpado.

O nome é um composto de forma e método.

O pensamento um suspiro recolhido;

E o programa, uma formulação anoitecendo.

A base não chega a ser de classe

Gravita entre os espaços estudantis e desocupados,

Embora a idoneidade do voluntarismo

Seja inquestionável.

Os movimentos nunca perderam os cargos no comando

E figuram sempre como sustentadores

De algo que não deixa ser a sua semelhança.

De tudo, porém o que é mais grave,

É a confusão no campo das idéias

Que, de vez em quando

Na busca de uma inovação

A consciência dá um giro para trás.

Confunde o conteúdo dos princípios

Desdenha a razão do método dialético

E, como a lógica formal

E presta-se a servir de auxilio

Às forças oportunistas

Que chantegeiam com a tática eleitoral

Pedindo que escolhamos

A melhor, entre as piores alternativas.

Quem não tem a própria agenda

Vai na programação alheia

E dança conforme a música orquestrada.

***

E então esperamos pelo ascenso

Como se ele nascesse de um trovão

Mas as massas só dão o seu apoio

A quem merece!

Mas, para merecê-lo

É preciso aparecer...

Fazer alguma coisa

Que possa receber em troca

Uma mobilização...

Uma revolta...

Uma insurreição.

Mas se o cordão umbilical do partido

Tem que estar enraizado no ventre da classe

Por que então não dela está desligado

E a sua voz não encanta o proletariado?

É verdade que os tempos são penosos

E em nada favorece a quem espalha sonhos

A classe dobrou-se esfarelada

E observa com a cara de poucos amigos

O desfilar do vácuo de sua representação.

Perdera a auto-estima

Juntamente com a estabilidade.

As massas vagueiam disfarçadas

Fingem que procuram um benfeitor

Nas fileiras alheias,

Mas não entregam o direito à espontaneidade.

Assim o instrumento fica a cata de um sujeito imaginário,

Com todas as táticas acocoradas

Desceram a tão baixo

E se assemelham ás fórmulas vencidas e ajoelhadas.

É o alvo estratégico rebaixado

O horizonte que desceu com a lama da enxurrada

E soterrou a criatividade,

Ou é a timidez dos sonhos

Que perderam a força da capacidade?

***

Quando Fidel entrou em Havana

Com sua coluna guerrilheira

Éramos bebês!

Nossos pais ouviram pelo rádio

O relato da grande vitória

Enquanto nos embalavam

Para calar o choro impertinente.

Depois, quando Fidel passou o cargo adiante:

Ouvimos ainda pelo rádio;

Vimos pela televisão

E lemos nas telas dos computadores e nos jornais

Aclamações dos inimigos

Saudando o novo tempo sem Fidel.

Tal qual os ouvintes do passado, eles esperam:

Querem saber o que irá acontecer.

O tempo que vem nunca diz tudo

Pois a névoa do futuro não deixa ver aquilo que será.

E em meio às opiniões, eles temem:

Receiam de que aquilo que será, seja o que já é.

Receiam sim!

Fidel pode ter sido um nome só

Mas nunca um homem só.

Desde Moncada

Tornara-se um indivíduo coletivo!

Uma consciência ampla!

Um povo universal!

E nós, que chupávamos mamadeiras!

Agora dizemos aos nossos filhos

Que as notícias mentem.

Fidel não renunciou

Só passou o cargo à frente

Para ter tempo de contemplar a obra feita.

Dizemos mais:

Os revolucionários de corpo e coração

Jamais renunciam à revolução

Apenas mudam de lugar

Para: Olhar...Sorrir... Amar...

Mas em que lugar estamos nós?

***

Ninguém está a procura de um Quartel Moncada

Nem mesmo de uma coluna guerrilheira

Para desfilar entre as montanhas

Mas ainda há crianças como éramos nós

Que sugam mamadeiras

E precisam alimentar uma esperança.

Os pais não têm porque fazê-las parar de chorar.

Não há notícia a ser ouvida

As novidades já duram uma semana.

É a violência ou a enchente

Nada de novo, nas manipulações.

Os jornais ainda são os mesmos

Mas nós crescemos

E já passamos a idade de Fidel

No tempo que entrou em Havana

Com a sua coluna guerrilheira

E o que temos para noticiar?

Que iremos apoiar um novo candidato?

Que iremos levantar uma nova bandeira

Onde o petróleo possa nos salvar

Como salvara os nacionalistas

Na época do desenvolvimentismo?

Falta um feito que mostre os defeitos!

Falta um fato que sacuda o alambrado

E a massas abatidas deixem de ser torcida.

Sabemos que o horizonte não é uma divisa

Onde o sol no fim da terra

Como as galinhas, sobe para repousar.

O horizonte é um lugar

Para acudir aqueles que voam alto

Que prometem e cumprem as suas declarações.

Os atos heróicos

Trazem em si sempre um tanto de loucura

Basta deixar-se enlouquecer

Pela prática dos atos

Para desvendar a fronte do poder.

***

E não é lícito que os loucos sejam lúcidos

Nem que as idéias estejam todas formuladas

Mas se a prudência se opõe aos desatinos

Quem se oporá às mediações cansadas?

Mas nós ainda fortalecemos as mediações

As que já estão muito evidentes

E repetimos os velhos hábitos:

O instrumento novo

Busca um braço sindical antigo

Um movimento juvenil

Preso a conceitos de conteúdos seculares.

A inovação do gênero

Que reparte a força para valorizá-la

Como se a classe trouxesse os sexos em separado

Para dispor de duas colunas

Para enfrentar os inimigos:

Uma de homens e outra de mulheres.

A formação política despistada do engajamento

Esculpe quadros incapazes de esculpirem

A própria semelhança.

É a velha estrutura

Batizada pelo mesmo dogma,

Proferido em latim.

Do ventre velho e torto

Já nasce um verso morto.

Velho que velho o reproduz

Com rugas fartas

Antes de vir à luz.

***

Não é que nada produzimos

Nem que não miramos

Em alvo algum!

É que, na tentativa de disparar projéteis

Com as armas não atualizadas

Causamos sempre um mal menor::

Que bate, mas não fura

Machuca, mas não sangra

E mesmo assim, somos criminalizados

Por causa das balas perdidas.

É preciso reagir com a energia da América

Com as cores de sua pele

Com os pensamentos de seu cérebro

E com o vigor dos seus heróis.

Se há imprecisões na análise

O sujeito nunca aparecerá

Mesmo que se apresente nas revoltas,

Não será reconhecido

Ou não reconhecerá as cores e os sentidos.

***

O belo das bandeiras adormecidas

Chama pelo símbolo que se esconde indeciso.

São as mediações que não se encontram

E por isto não se precipitam

Nem se contribuem.

É claro que as massas querem vê-lo

Mesmo que seja tremulando

Apenas nas mãos mais experientes.

É o vazio da referência que intimida as massas

E não a convocação para os combates

Sobre os obstáculos do poder!

Querer é também deixar-se ser um pouco

Usados pela imaginação

E provocar “loucuras”

Que no futuro serão apresentadas como atos heróicos.

Ninguém nunca transgrediu a ordem

Nem o trânsito

Por andar na velocidade permitida

E respeitar a cor vermelha dos sinais.

Se as leis têm cada qual o seu espírito

É preciso atacar a sua materialidade

Com a decisão de quem não quer ser interrompido.

A desobediência foi feita para ser usada!

***

Mas se hoje nos perguntarem

Se a barbárie pode ser contida?

Com nosso otimismo duvidoso

Diremos que sim,

Mas não sabemos como.

Não sabemos em termos,

Porque um pouco todos sabem

Que uma força maior só pode ser contida

Se outra força igual se apresentar

E, frente a frente medirem suas potencialidades.

Contra a violência dos ignorantes

Impõe-se a ação revolucionária

Para fazer a insurreição

Que faz nascer um sol avermelhado.

Contra a mesquinhez e a covardia

Impõe-se a solidariedade e a coragem.

Ninguém vai atrás de quem não anda

Ou dá socorro a quem não quer ser ajudado.

É tempo de colocar-se em movimento

E dizer que aquilo que queremos é bom.

Se não dissermos

As massas o dirão por conta

E comporão de si;

A própria direção;

Com suas próprias legiões de rejeitados.

De fora ficarão os escolhidos

Por não aceitarem e terem ido

Às praças destinadas aos convidados.

***

A propaganda é muito necessária

E a agitação é tudo.

É preciso penetrar nas classes

E raiar nos fundos das metrópoles

Onde estão as massas urbanizadas.

Arrancar delas o grito da partida

E insurgir-se contra a linha divisória

Que separa os explorados dos exploradores.

É preciso passar para o lado do povo

Para não ficar sobre os escombros

Do muro que contém as massas.

Nos campos, os camponeses

Já fazem seus próprios exercícios

Aprenderam a fazer com a corda do enforcamento

Uma ponte para atalhar o vale

E ligar o caminho ao meio urbano.

É preciso avisá-los:

Que há grandes contingentes nos pequenos redutos

Basta que se queira unificá-los

E construir a retaguarda da marcha em movimento.

Nos campos a classe está reconstruída

Foi revigorada.

Na cidade as classes estão destituídas

Foram desclassificadas.

Mas as massas estão em movimento

Querem a sua vanguarda de volta

Para que possam dar rumo às suas revoltas.

***

Então é preciso abandonar as fórmulas

E agarrar com força as novas circunstâncias

E improvisar um pouco de imaginação.

Os galhos secos das idéias precisam ser podados

Para que os pássaros possam mostrar suas cores

Cada qual virá como estiver

Para a nova revoada.

Se não quiserem voar aos pares,

Que se juntem e combinem a perfilação

O importante é que se juntem

E se sintam um bando!

É o tempo de motivar a liberdade organizativa

Somente assim as penas coloridas

Seguirão unidas.

É tempo de insistir nas alianças

Das forças renovadas

Que não se apegam, a estruturas,

Velhas e já cansadas...

Nem defendem princípios desenraizados.

É tempo de renovar as táticas

De entregar às massas a responsabilidade

Ela talhará em si os próprios instrumentos

E os trará ao campo da unidade.

A espontaneidade é profundamente salutar

Sem ela não se faz a experiência

Nem se destravam as rodas da consciência

Que devem girar para diante

Jamais irem de arrasto

A reboque, apagando os rastros.

***
Se o tempo em que vivemos é difícil

Alegrem-se: pois há infinitas possibilidades!

Nos tempos de fartura não surgem heróis.

Se há muito por fazer

Há muito que aprender.

Quando as tormentas atacam as moradias

Todos procuram o lugar mais seguro

E escondem a cabeça

Deixando o corpo entregue ao furor do vendaval.

Na política, a história diz que é o contrário:

A cabeça por conter os olhos e a inteligência

É que deve ficar na evidência

Para decifrar os perigos

E apontar os caminhos.

As perguntas de cada época

São formuladas de acordo com as capacidades da própria sociedade.

Há tempos que ninguém se atreve a dar respostas

Porque as condições ainda estão desprevenidas

E as crises vem, machucam e vão embora

Até o dia que as perguntas são agarradas e respondidas.

Se ainda não estamos ã altura para dar todas as respostas

Mantenhamos ao menos as perguntas

Para que as massas se agarrem às perspectivas.

A história há de dar razão aos que se empenham,

Aos que se envolvem e engenham,

O triunfo da revolução.


*Ademar Bogo

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