“E assim as questões imediatas serão priorizadas em detrimento dos reais problemas que assolam a sociedade americana, que nunca serão confrontados. Então por um lado temos a perspectiva de tempo de 50 anos e, por outro, uma trágica realidade de pressões em termos de três, quatro, cinco anos”
Entrevista concedida a Matheus Pichonelli e Ricardo CarvalhoAs contradições terão de ser enfrentadas por esses movimentos que emergiram no mundo árabe e na Europa. Terá de ser um movimento das massas, sem pequenos grupos de intelectuais se reunindo e tomando as decisões. E sim as massas, que devem estar dispostas a assumir o fardo e as consequencias de realmente fazer alguma coisa. E, ao mesmo tempo, elas devem aceitar as responsabilidades das escolhas que forem feitas. Isso é importante porque, no nosso círculo de decisões políticas existente hoje, ninguém nunca é responsável. Eu lembro que nos Estados Unidos houve uma investigação sobre o “Iran–Contra Affair”, a cumplicidade de algumas figuras políticas do alto escalão norte-americano com o regime iraniano. Isso foi durante o governo de Ronald Reagan.
O que acontece nas eleições? Um novo partido continuará a culpar seu antecessor exaustivamente. Isso acontece hoje na Grã Bretanha, onde existe uma coalizão entre o partido conservador e o partido liberal. E eles não fazem mais do que afirmar que tudo o que produzem de negativo é consequência da administração anterior, do Partido Trabalhista. Isso é característico de um avestruz que insiste em esconder sua cabeça debaixo da terra.
O sistema capitalista não só foi válido por um tempo considerável como foi, de longe, mais poderoso e dinâmico do que qualquer outro sistema. Mas existe um limite para isso e esse sistema está se tornando cada vez mais destrutivo. E esse é o grande problema que os movimentos políticos e sociais terão de enfrentar, a separação da política das dimensões sociais e econômicas. Isso é parte do capitalismo, agrupar essas três dimensões. Se, no passado, o agrupamento dessas dimensões funcionou e possibilitou transformações econômicas violentas, além de transformações políticas, hoje já não surte efeito. E é por isso que quando as demandas desses movimentos sociais chegam aos parlamentos nada ocorre, no círculo de decisões políticas já existe uma inércia e as limitações herdadas do passado.
Pense nisso, o sistema capitalista, no auge da sua produtividade, é incapaz de satisfazer plenamente as necessidades da população mundial por comida. É calculado que em 20 anos ou menos o preço dos alimentos será absurdamente mais caro do que é hoje. Atualmente ainda existem revoltas promovidas por populações famintas. Nada poderia atestar mais graficamente a falência desse sistema. No Norte da África, essas pessoas que se rebelaram recentemente gastam em média 80% da sua renda apenas para assegurar comida. Com o aumento do preço dos alimentos, como eles vão ficar? E, com esse aumento, algumas pessoas, que se dizem especialistas, já começaram a culpar os chineses e indianos pela alta dos preços. Com o fortalecimento das suas economias, eles começaram a comer. Que ultraje! Populações inteiras que sempre trabalharam como escravos, em jornadas de até 14 horas ao dia, começaram a comer como gostariam? Isso não é um absurdo? E é com desculpas como essa que nossa sociedade se acomodou para afrontar seus problemas. Eu insisto, fechando os olhos e varrendo tudo para baixo do carpete.
O grande dinamismo por trás do sistema capitalista ocorreu no momento em que o valor de troca substituiu o valor de uso. O uso primário de um produto capitalista é a venda, uma vez que você tenha vendido o seu produto, ele cumpriu com o seu objetivo. Não importa para onde ele vá, não importa se ele será utilizado uma, duas ou dez vezes. Isso é totalmente irrelevante.
O sistema capitalista, que possui essa dinâmica, atingiu o limite de suas contradições. O principal ponto do capitalismo é ignorar a necessidade real das pessoas. Prova disso é que ainda hoje as pessoas sofrem enormemente. Elementos da necessidade humana não podem ser considerados porque a natureza do nosso sistema é um crescimento sem limites e sem fim. E nesse sentido o céu é o limite. Não é bem assim. Dizer isso é enganar-se a si mesmo. Existe um limite para os seres-humanos e a maneira como nos relacionamos com a natureza. Nossa existência depende da manutenção de uma relação aceitável com a natureza.
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