domingo, 8 de setembro de 2013

A revolução dos mascarados !


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Como a o uso das máscaras está na ordem-dia , a nossa seção emancipacionismo publica dois artigos sobre um dos mais importantes movimentos revolucionários das tempos atuais : o do Movimento Zapatista , do sudoeste do México que tem como a liderança mais conhecida um mascarado , o Subcomandante Marcos, que tornou-se o porta-voz deste Movimento singular , que rompeu com a imagem clássica dos movimentos revolucionários do século XX.
Talvez por isto, tem sido este Movimento objeto inúmeras pesquisas em todo o mundo, onde seus aspectos de modernidade merecem destaque, como por exemplo o trabalho dos professores Alexander Hilsenbeck Filho e Fátima Cabral (Depto. Ciências Sociais/Unesp) que na sua introdução nos dizem:
“Numa conjuntura em que se apresentava a “vitória incontestável” do capitalismo democrático, em sua versão neoliberal, o EZLN se caracteriza mais como um antípoda das clássicas guerrilhas marxistas dos anos 1960 e 70 que a América Latina conheceu, do que com um movimento composto por “resquícios de um passado”, que utiliza práticas em “vias de extinção”.
Com um poder de autocrítica, poucas vezes visto em movimentos do tipo, questiona diversos dogmas e referências do marxismo e inova em suas formas de atuação e objetivos, como sua interpretação da questão do poder, ou melhor, de sua recusa ao poder “Estadocêntrico” como lócus privilegiado da modificação social; sua relação com a “sociedade civil”, considerando-a como interlocutor privilegiado, capaz de intervir, inclusive, nas práticas e táticas do zapatismo; a utilização dos modernos avanços nos meios de comunicação para realizar um “conflito comunicativo e midiático” que os possibilita transporem sua localização geográfica e atuarem em âmbito local, nacional e internacional; sua crítica ao modelo de democracia parlamentar burguesa, e sua alternativa em um modelo de democracia, levado a cabo nos municípios autônomos e rebeldes sob seu controle, em que mescla elementos da democracia representativa e democracia direta, sintetizada no lema de “mandar obedecendo” em que a comunidade seja o principal ator e protagonista social”
O primeiro artigo, publicado na “Carta Maior” , “o retorno do zapatismo no México” , de Eduardo Febbro, nos trás a temática do zapatismo nos novos tempos do México, com a conquistada do poder pelo PRI. Um interessante artigo na nova realidade mexicana onde ascendeu um novo ator social, o narcotráfico .
Já o segundo artigo, colhido no Olho da História, é mais antigo, de 1996. Porém, pelo autor, o professorAntonio García de Leónpor ter sido um dos consultores do Exercito Zapatista nas negociações que levaram ao acordo de paz, torna-se muito relevante para aqueles que desejam conhecer melhor a origem dos conflitos . Boa Leitura, então …
Arlindenor Pedro
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O retorno do zapatismo no México
Após um período de poucas intervenções, o subcomandante Marcos reapareceu com seu verbo e com ação para reinstalar o movimento zapatista no horizonte da agenda política do recém- eleito presidente Enrique Peña Nieto, cuja vitória marcou o retorno do Partido Revolucionário Institucional (PRI) ao poder. Em uma marcha realizada dia 21 de dezembro, da qual participaram cerca de 40 mil pessoas, Marcos divulgou um comunicado dizendo: “Escutaram? É o som de seu mundo desmoronando, é o do nosso ressurgindo”. O artigo é de Eduardo
Cidade do México – Dezembro é o mês dos levantes. Ao término de um largo período de poucas intervenções, o subcomandante Marcos reapareceu com sua prosa e com a ação para instalar o movimento zapatista no horizonte da agenda política do recém- eleito presidente Enrique Peña Nieto, cuja vitória marcou o retorno do Partido Revolucionário Institucional (PRI) ao poder, após 12 anos na oposição.
Já se passaram cerca de duas décadas desde que, logo após a meia noite de 31 de dezembro de 1993, o então presidente mexicano Carlos Salinas de Gortari ingressou no ano de 1994 com um brinde aguado: estava festejando o ano novo e a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio da América do Norte quando o ministro da Defesa da época o informou que um grupo armado acabava de tomar a localidade de San Cristóbal de las Casas e vários pontos de Chiapas, o Estado situado ao sul da península de Yucatã.
O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) impôs-se na política mexicana junto a seu líder, o subcomandante Marcos. O subcomandante e os zapatistas romperam o modelo dos tradicionais grupos revolucionários latino-americanos: eram majoritariamente indígenas e seu discurso e suas demandas estavam distantes das entonações marxistas, desenhando uma exigência democrática para um México que ainda era governador ininterruptamente pelo PRI. Os combates daquele primeiro levante duraram quase duas semanas ao final das quais houve centenas de mortos. Salinas de Gortari decretou um cessar-fogo e o subcomandante Marcos ganhou a batalha, não com as armas, mas sim com as palavras.
Em um inesquecível comunicado dirigido à imprensa, Marcos respondeu ao suposto “perdão” oferecido pelo governo federal: Do que devemos pedir perdão? Do que vão nos perdoar? De não morrermos de fome? De não nos calarmos em nossa miséria? De não ter aceitado humildemente a gigantesca carga histórica de desprezo e abandono? De termos nos levantado em armas quando encontramos todos os outros caminhos fechados? De não termos observado o Código Penal de Chiapas, o mais absurdo e repressivo do qual se tem memória? De ter demonstrado ao resto do país e ao mundo inteiro que a dignidade humana ainda vive e está presente em seus habitantes mais empobrecidos? De termos nos preparado bem e de forma consciente antes de iniciar? De ter levado fuzis para o combate, no lugar de arcos e flechas. De ter aprendido a lutar antes de fazê-lo? De todos sermos mexicanos? De sermos majoritariamente indígenas? De chamar todo o povo mexicano a lutar de todas as formas possíveis em defesa do que lhes pertence? De lutar pela liberdade, democracia e justiça? De não seguir os padrões das guerrilhas anteriores? De não nos rendermos? De não nos vendermos? De não nos trairmos?
Denso, legítimo, inapagável. Transcorreram quase vinte anos, houve muitos mortos em Chiapas, repressão, matanças como as Acteal (com 45 indígenas assassinados), centenas de páginas da prosa literária com a qual o subcomandante Marcos seduziu o mundo, um enorme terremoto político no México e, sobretudo, o fim do mandato interrompido do PRI e a chegada ao poder de outra força política, o conservador Partido da Ação Nacional (PAN), que governou o México durante dois mandatos consecutivos: Vicente Fox (2000-2006) e Felipe Calderón (2006-2012).
O PRI retornou ao poder em dezembro de 2012, após seu candidato, Enrique Peña Nieto, ganhar as eleições presidenciais de julho do ano passado. E com o PRI voltou também o zapatismo, com a ação e a palavra. Após um longo período de recesso, o Exército Zapatista de Libertação Nacional irrompeu no espaço público em dois tempos: primeiro, no dia 21 de dezembro com uma mobilização silenciosa da qual participaram 40 mil pessoas com o rosto coberto com o gorro popularizado pelo subcomandante. Marcos divulgou um comunicado nesta marcha zapatista que percorreu várias comunidades dizendo: Escutaram? É o som de seu mundo desmoronando, e o do nosso ressurgindo. A marcha do dia 21 foi a maior mobilização protagonizada pelos zapatistas desde que pegaram em armas no dia 1º de janeiro de 1994.
A escolha da data não foi casual: coincidiu com o décimo-quinto aniversário do massacre de Acteal perpetrado por paramilitares e no qual morreram 45 indígenas, em sua grande maioria mulheres e crianças. O governo mexicano atribuiu à matança a um conflito étnico e condenou 20 indígenas. Após 11 anos de prisão, os acusados recuperaram a liberdade devido a irregularidades no processo.
O segundo tempo da instalação do zapatismo na agenda política foi assumido pelo subcomandante Marcos mediante duas cartas e um copioso comunicado nos quais, com sua verve habitual, entre crítico, poético e guerreiro, interpela e despedaça a classe política em seu conjunto, esquerda e direita, os meios de comunicação e o presidente Enrique Peña Nieto, a quem exige que cumpra com os acordos de San Andrés (Acordos de San Andrés sobre Direitos e Cultura Indígena firmados em 16 de fevereiro de 1996 pelo governo mexicano do presidente Ernesto Zedillo e pelo EZLN).
Estes textos que figuram nas cartas do Comitê Clandestino Revolucionário Indígena são os primeiros em extensão que, nos últimos dois anos, levam a assinatura do subcomandante Marcos. O líder mexicano anuncia uma série de ações cívicas e, desde o princípio, assinala o caminho que será seguido: “A nossa mensagem não é de resignação, não é de guerra, morte ou destruição. Nossa mensagem é de luta e de resistência”.
O subcomandante arremete contra o atual presidente, acusando-o de ter chegado ao poder mediante um “golpe midiático” e destaca que “estamos aqui presentes para que eles saibam que se eles nunca se forem, nós tampouco”. O insurgente zapatista não livrou ninguém: critica a esquerda de Manuel López Obrador, os governos passados e presentes e a imprensa por ter pretendido sentenciar a desaparição do zapatismo. “Nos atacaram militar, política, social e ideologicamente. Os grandes meios de comunicação tentaram fazer com que desaparecêssemos, com a calúnia servir e oportunista em um primeiro momento, com o silêncio e cumplicidade, depois”.
Marcos celebra o nível de vida que gozam os indígenas da região, muito superior, escreve, “ao das comunidades indígenas simpáticas aos governos de plantão, que recebem as esmolas e as gastam em álcool e artigos inúteis. Nossas casas melhoraram sem danificar a natureza, impondo a ela caminhos que lhe são alheios. Em nossas comunidades, a terra que antes era usada para engordar o gado de latifundiários, agora é para cultivar o milho, o feijão e as verduras que iluminam nossas mesas”.
Este comunicado constitui um aparato crítico e um programa de ação que compreende “iniciativas de caráter civil e pacífico”, uma tentativa de “construir as pontes necessárias na direção dos movimentos sociais que surgiram e surgirão”, e, sobretudo, a preservação irredutível de uma “distância crítica frente à classe política mexicana”. O subcomandante Marcos coloca o governo ante o desafio de demonstrar “se continua a estratégia desonesta de seu antecessor, que além de corrupto e mentiroso, tomou dinheiro do povo de Chiapas para o enriquecimento próprio e de seus cúmplices”. Sem piedade ante o novo Executivo, Marcos dedica extensos parágrafos a lembrar o passado de alguns membros do atual governo.
Com o PRI no poder o zapatismo voltou a ocupar espaço na agenda nacional como soube fazer com tanto êxito em anos anteriores. Os analistas, partidários e adversários de Marcos, estão divididos acerca da capacidade que o subcomandante ainda possui para mobilizar um país açoitado pela violência gerada por esse novo ator decisivo que é o narcotráfico.
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Depoimento de Antonio García de León
Atualmente, sou um dos assessores do Exército Zapatista nas negociações de Salandres, que estão sendo realizadas entre este e o governo da República. Trata-se de uma negociação difícil porque o modelo econômico imperante no México não permite, facilmente, a participação popular e camponesa nos assuntos do Estado. Temos, nesse momento, a vigência de um modelo econômico neoliberal que se estabeleceu fortemente, sobretudo a partir dos anos 80, por meio das reformas econômicas levadas a cabo por Salinas e Gortari. Tal modelo não é compatível com a grande mobilização popular que se iniciou no México a partir de 1988. Neste ano, realizou-se uma grande ruptura do modelo político, quando um setor do partido dominante (do Estado) rompeu com o modelo e implantou um movimento de esquerda, ao redor de uma figura chamada Qualtemo Cárdenas, filho do general Cárdenas que foi presidente do México no período populista dos anos 30. Sem dúvida, esse movimento conseguiu romper, em 1988, através das eleições, o modelo imperante, não conseguindo, todavia, se impor sobre o mesmo. Uma grande fraude eleitoral “cibernética e informatizada” fez com que o velho partido de Estado continuasse ainda no poder no México, o que se verifica até os dias atuais. Ao longo de boa parte do século XX, desenvolveu-se, no México, um sistema de partido único que domina a política mexicana desde o período posterior à revolução de 1920.
Em 1994, surge uma rebelião armada no sul de Chiapas, um estado caracterizado pelo fato de possuir uma população, em sua maioria, formada de camponeses e por ser uma região pobre e predominantemente agrária e, portanto, muito sujeita às flutuações do mercado internacional, como ocorre, por exemplo, com a cultura do café. Estas são características muito importantes de Chiapas que ajudam a compreender o processo de luta armada.
É importante lembrar também que, não obstante tenha havido no México uma reforma agrária após a revolução, essa reforma, no caso de Chiapas, não pôde ser levada a cabo, visto que as oligarquias agrárias fizeram uma aliança com o governo revolucionário central para evitá-la. Esta também foi uma das causas que acabaram por gerar um conflito de longa duração nessa região, pelo menos nos últimos cinqüenta anos, entre os camponeses sem-terra e os grandes proprietários de gado, plantadores de café, de milho e de outros produtos como a soja e o algodão. Têm ocorrido enfrentamentos permanentes. Grande parte do movimento camponês está também muito marcado pelos movimentos indígenas de manutenção de identidade própria. A presença de índios na região é grande, tratando-se, em sua maioria, de descendentes maias que falam entre quatro e seis línguas diferentes e que fazem questão de se comunicar entre eles em sua língua, tendo, atualmente, inclusive estações de rádio em língua indígena.
O movimento zapatista surge dentro desse contexto, a partir de 1983, e começa a organizar, no interior do movimento dos camponeses sem-terra, um exército popular. Os camponeses colonizaram a selva Lacandona e aí formaram novas entidades políticas muito desenvolvidas, com uma grande dose de politização e com uma avançada unidade horizontal, englobando todos os grupos indígenas e camponeses. Os pobres da região se organizaram de uma maneira muito eficiente. Isso provocou a reação dos grandes fazendeiros que organizaram, então, uma repressão violenta contra esse movimento, empregando forças armadas próprias — as “Guardas Brancas”, grupos de pistoleiros a serviço dos fazendeiros —, da polícia, ou mesmo do Exército.
Esse movimento de invasão e apropriação de terras (algumas federais e outras privadas) desenvolvido pela população humilde teve início em 1974. Ele se inspira na imagem do velho Emiliano Zapata, caudilho da revolução mexicana de 1910, que se torna símbolo dessa luta. Zapata é, sem sombra de dúvida, um símbolo da resistência popular. Mas seu movimento também é retomado de forma crítica, no sentido de se esclarecer os motivos que levaram a sua derrota. Afirma-se que a derrota do movimento de Zapata se deveu ao fato de que se tratava de um movimento de cunho regional. Portanto, agora, é preciso se construir um movimento nacional que seja forte para se impor. Mas mesmo essas críticas não eliminam o fato de Zapata, hoje, ser um símbolo popular, um mito religioso, ou, por que não, um orixá.
Os camponeses, a partir dos anos 70, começam também a adquirir armas para defenderem-se, mesmo que isoladamente, dos grandes proprietários das terras. O Exército Zapatista é fundado, quando, numa segunda ocasião, um grupo marxista de guerrilha urbana se integra a esta luta. Seu objetivo inicial era, em 1974, formar uma guerrilha foquista, uma guerrilha guevarista na região. Porém, esta tentativa foi totalmente aniquilada pelo Exército em 1974. Em 1983, ocorre uma nova tentativa que, desta vez, sai vitoriosa. Esta vitória, em certo sentido, se dá em conseqüência da fusão de guerrilheiros urbanos (um pequeno grupo de militantes marxistas urbanos, entre eles Marcos) com o movimento indígena e camponês, engendrando uma luta com perspectivas novas, no interior de um movimento mais eclético e mais heterodoxo.
O movimento indígena foi fundado, principalmente, em torno da questão da identidade de grupos maias que, ao longo dos séculos, vêm sofrendo discriminações e uma marginalização na sociedade. Sem dúvida, a maior parte da força de trabalho agrária é composta de camponeses índios. Mas, em geral, não se reconhece aos índios este aporte na economia. Pelo contrário, eles vêm sendo expulsos da terra e discriminados lingüistica e culturalmente. O governo central não reconhece a diversidade étnica no México. E isso abre espaço para o surgimento de um movimento popular de cunho étnico muito atuante, chamado Movimento pela Autonomia, que inclui 56 grupos indígenas que estão lutando pela sua autonomia sem desejar, com isso, uma ruptura com a unidade da nação. Eles reivindicam o reconhecimento de sua autonomia cultural, a exemplo do modelo espanhol, em que se reconhece a língua e a educação de povos distintos. Há também uma população de origem africana nas costas do Pacífico, chamada de afro-mestiça, que cultua sua própria identidade. E esse movimento também está buscando uma autonomia regional ao lado dos movimentos indígenas. Foi firmada uma aliança, por intermédio do Foro Nacional Indígena, na qual se organizam todos esses grupos. Há também uma população de origem asiática que desembarcou no território mexicano no período colonial em função da dominação das Filipinas (colônia espanhola, cuja capital era o México).
É importante lembrar que Chiapas tem uma longa tradição de resistência, de grandes sublevações populares (indígenas e não-indígenas) no passado. Chiapas também contou com a presença de escravos africanos durante o período colonial, na região do Pacífico. Estes dois grupos fizeram parte das estruturas coloniais desta parte do sul do México. Tratava-se de uma estrutura colonial muito similar à da Guatemala, visto que Chiapas pertencia à América Central (Capitania Geral da Guatemala) e não à parte mexicana colonial. Desta forma, pode-se afirmar que, em certo sentido, Chiapas tem uma vocação centro-americana. O espanhol falado em Chiapas é o centro-americano e não o mexicano. Mas, durante o processo de independência, o estado foi integrado à nação mexicana.
O movimento de Chiapas, atualmente, converteu-se numa espécie de detonador de um movimento nacional que é, por um lado, um movimento dos camponeses e, por outro, dos marginalizados urbanos, mas também de amplos setores da sociedade civil mexicana, como partidos e organizações que buscam a democratização do país. Pode-se afirmar que o movimento zapatista é um movimento detonador de uma transição rumo à democracia. E essa transição passa também por uma busca das identidades regionais, envolvendo os diferentes grupos sociais no México. Todos esses grupos, de alguma forma, colocam-se contra o modelo neoliberal imperante na economia mexicana, modelo este que vem tentando privatizar a totalidade das terras, a saúde, a seguridade social, o ensino — as universidades nacionais, por exemplo, têm-se tornado cada vez mais pobres.
Existe também no México uma tradição muito forte do movimento estudantil. Em 1968, os estudantes participaram de um movimento que foi brutalmente reprimido, como ocorreu, por exemplo, no massacre de quatrocentos estudantes na Praça de Lateloco, durante uma manifestação pacífica.
Atualmente, existe uma tentativa de se solucionar alguns dos problemas envolvidos no conflito por meio da negociação. Os zapatistas, todavia, não esperam muito dessa negociação porque acreditam que o governo não quer ceder e que ele se opõe, compreensivelmente, à transformação do sistema. Há grandes interesses econômicos, além dos meramente políticos, que impedem a transformação e a transição para a democracia. O sistema político se corrompeu muito fortemente. O narcotráfico tem penetrado no governo de forma assustadora. E a grande corrupção chegou, inclusive, à Presidência da República: o presidente Salinas é acusado, agora, de haver roubado milhões de dólares dos cofres do Estado. Para se ter idéia da grandeza da corrupção, basta se citar que apenas uma das contas bancárias de Salinas na Suíça possui oitenta milhões de dólares que são produto do roubo direto e de mecanismos de corrupção do aparelho de Estado. A divulgação dessas notícias tem debilitado muito a posição do governo que não se encontra em seu melhor momento, estando severamente questionado pela corrupção e pelo narcotráfico.
Por outro lado, há também uma presença muito marcante, no México, do grande capital e do modelo financeiro internacionais, cujos defensores advogam a idéia de um modelo de transição à democracia concebido de maneira particular. Quer dizer, todos no México entendem que o México necessita de um processo de transição para a democracia. Só que o grande capital internacional deseja uma transição light, ou seja, uma transição na qual o poder se alterne de mãos, mas não de classes, tomando como exemplo a política dos EUA (entre republicanos e democratas). No México, esta dar-se-ia entre o PRI e o PAN.
Todavia, mesmo esta alternativa defendida pela direita não consegue se impor nacionalmente, visto que, atualmente, o PRI ainda mantém o controle de tudo em matéria de política: o controle das campanhas e o controle da mídia (em especial, a televisiva), por exemplo. Há, no entanto, alguns estados da República onde o PRI tem sido vencido pela oposição de direita. Há, por exemplo, alguns governadores do PAM, sobretudo no norte do país; mas as diretrizes do PAM não diferem muito das do PRI. É um partido de direita, conservador e que mantém a mesmas práticas do PRI, inclusive agora também ligado à corrupção do Estado.
Há também em gestação um grande movimento popular e de esquerda, agrupado em partidos de esquerda com reconhecimento, como o PRD (Partido da Revolução Democrática ou partido cardenista, devido à liderança de Cárdenas). É um partido popular, de bases amplas, que tem ganhado força no país. Mas trata-se de um partido muito dividido. Atualmente, o PRD agrupa muitas correntes políticas, anteriormente trotskistas, maoístas, comunistas, etc. O PC se fundiu totalmente e não existe mais. Há outros partidos de esquerda, como o PT que é controlado pelo PRI. Há outros partidos mais populistas, cuja direção também é controlada. Há um setor da direção do PRD que é muito próximo do governo. Mas a sua base social é, em geral, simpatizante do zapatismo. No mês de junho, foi realizada uma aliança em que se estabeleceu uma ampla frente de oposição, com a participação de todos esses partidos de esquerda e de suas bases e dos zapatistas, promovida pelo Exército Zapatista. Alguns partidos troskistas também estão aliados com o EZLN. Somente um setor burocrático da esquerda — a direita do PRD e parte da liderança do PT — coloca-se ao lado do governo.
O movimento zapatista pretende se converter numa importante força política, mas não numa força eleitoral, visto que considera que esse sistema está totalmente corrompido e que se tem que criar uma alternativa nova. Vislumbra uma organização da sociedade civil realizada a partir das bases e uma transformação das relações políticas. O movimento zapatista também concebe o poder de maneira diferente da dos partidos. Para os zapatistas, o poder não é um coisa que se toma, e pronto. Mas sim uma relação social que tem que transformar o modelo imperante, modificando as relações de poder, como fizeram as comunidades indígenas e camponesas que organizaram o EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) de uma maneira democrática, com ampla participação das bases. O EZLN é um paradoxo: é um movimento armado e militar que, apesar disto, possui uma estrutura democrática no seu interior. Mas isto, militarmente, o faz débil e frágil. Atualmente, o EZLN está dividido. Trata-se de uma organização político-militar na qual a política se coloca acima do militar. Um exemplo disto está no fato dos militares da EZLN não fazerem parte da sua direção. Esta não é militar, mas política, formada por um conselho de dirigentes indígenas que controla o movimento. É este conselho, chamado Comitê Clandestino Revolucionário Indígena, que agora está negociando com o governo. Existe também a equipe de assessores das negociações (da qual faço parte, formada por especialistas em questões agrárias, econômicas, de saúde, sociais, especialistas universitários, dirigentes políticos e populares e líderes indígenas de outras regiões) e uma Comissão de Intermediação, formada pelo bispo de Chiapas, por Pablo Gonzalez Casanova e por outros intelectuais. Esta assessoria também tem o objetivo de traduzir, durante as negociações, muitos conceitos e palavras algumas vezes complicadas, utilizadas pelo governo como forma de dominação lingüística sobre os índios e rebeldes. Quanto ao bispo de Chiapas, trata-se de um religioso progressista, muito ligado à Teologia da Libertação, que, atualmente, vem sendo severamente atacado pelo governo, que vem afirmando ser ele o supremo comandante do movimento; e pela imprensa, que o descreve como louco, comunista, etc.
Essa negociação é realizada com uma comissão de concórdia e pacificação, formada por deputados de todos os partidos no Congresso.
Mas, sem dúvida, os índios rebeldes nos têm ensinado muito mais do que nós a eles. Eles detêm um conhecimento muito valioso nos aspectos da dominação, em função da sua própria história de vida, por mais que nós, especialistas e acadêmicos, tenhamos estudado em Paris.
O movimento zapatista não é somente um movimento armado, mas, principalmente, um movimento com força moral que luta pela dignidade e pelo reconhecimento dos valores próprios. Muitas pessoas, atualmente, vêem nesse movimento um futuro possível, a possibilidade de romper o modelo neoliberal. Nesta semana, os zapatistas estão realizando um encontro intercontinental pela humanidade e contra o neoliberalismo. Enquanto falamos aqui, em Chiapas, neste momento, falam convidados, intelectuais e dirigentes populares de todo o mundo. Cinco mil pessoas estão em Chiapas para discutir saídas possíveis para o esquema neoliberal, as possibilidades de um novo modelo econômico e político, e de mudanças e de uma transformação a nível mundial.

Antônio García de León é professor da Divisão de Pós-Graduação da Faculdade de Economia da Universidade Nacional do México e especialista no estudo das rebeliões indígenas em Chiapas, tendo vivido na região, durante dez anos, atuando como professor de comunidades indígenas, e aprendido uma de suas línguas. É sobre esta temática que ele escreveu sua tese de doutorado (Paris I – Panteon Sorbone) que, em 1985, foi publicada com o título de Resistência e Utopia, tornando-se, a partir de 1994, um best-seller. Atualmente, ele
 á assessor do Exército Zapatista.

Depoimento fornecido ao professor Jorge Nóvoa, em julho de 1996, na Faculdade de Filosofia e Ciência Humanas da Universidade Federal da Bahia.


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