sexta-feira, 6 de março de 2015

Sobre o "exército" da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) alguns apontamentos (precários, incertos e possivelmente abertos a mudança)

- Já falaram aqui, repito e endosso a opinião alheia, ainda que com outros elementos. Como dito por outros compas, enquanto a esquerda em sua esmagadora maioria foi brincar de conquistar cargos e aparatos eleitorais, as forças conservadoras ligadas ao neopentecostalismo se enraizaram nos subúrbios e periferias. Criaram redes de sociabilidade, onde oferecem serviços dos mais diversos e resolvem os problemas cotidianos de um setor da classe (cabelereiro, brechó, emprego, cultura, música, lazer). Enquanto isso a esquerda distribui santinho eleitoral nas áreas dos setores-médios ou foca suas atividades na conquista de aparatos sindicais e estudantis. Quem mora na zona norte do rio ou na zona oeste por exemplo, não precisa ser cientista social pra perceber que aqui quem manda é a direita.
- Contra-hegemonia. Não há nenhuma preocupação, com honrosas exceções, de criar um pólo (mesmo que minoritário) de contra-domínio de meios de comunicação alternativo. Olhem para o movimento vigoroso das rádios comunitárias no passado e veja em que mãos caíram esses instrumentos. Ou façam melhor: comparem um jornal sindical com um jornal de qualquer denominação religiosa. As pautas jornalísticas desses meios de comunicação neopentecostais dialogam e são muito menos dogmáticas do que as pautas herméticas da esquerda. Além disso, conseguiram ocupar canais de tv, rádios e instrumentos comunitários de comunicação.
- Mística. Numa tese de doutorado do Marcos Gaspar,("A falta que faz a mística") ele já demonstrava o quanto as igrejas evangélicas neo-pentecostais são habilidosas em dar para o povo aquilo que os sindicatos, espaços comunitários e organizações políticas perderam: o sentimento de pertencimento, a "mística", a mobilização emocional. Não como um rito performático mal-simulado, mas como algo que segundo o autor (minha livre interpretação, porque vou de memória) trabalha os problemas existenciais das pessoas. Não que devemos pautar a política da esquerda a essa questão, mas de fato, participar de um culto dá muito mais "tesão" se permitem a palavra apócrifa, do que assistir alguém falando sobre a sétima internacional. Enquanto as igrejas debatem os problemas amorosos, pessoais, financeiros e existenciais das pessoas (que as tocam tanto quanto as questões ditas "materiais"), a esquerda está discutindo problemas completamente endógenos e desconhecidos pela maior parte das/os trabalhadores.
- Trabalho de base comunitário. Aprofundando essa questão, as igrejas ocupam um terreno da classe, enquanto isso a esquerda faz atos centralizados, performances descoladas da experiência da classe e dialoga principalmente com uma "vanguarda". Num terreno de precariedade material e incertezas, estar ligado a alguma instituição minimamente sólida e estável, pode garantir canais de solidariedade razoáveis. Principalmente nas periferias. E quantos canais comunitários de esquerda que se enquadram nesse perfil de algo estável e com credibilidade no território os/as trabalhadores/as em disputa podem buscar?
- A culpa também é do capitalismo. Não podemos também repassar "o valor da tarifa" apenas para a conta das organizações política, sindicatos e entidades de classe. De fato, há um projeto político de avanço das forças conservadoras que não foi construído de um dia para outro (o anticomunismo pelo Rosário) capitaneado pelos setores neopentecostais que foi estimulado por organismos e agências internacionais e que se ampara em tradições e costumes conservadores. Um exemplo dessa luta intestina, foi a atuação de organismos ligados ao golpismo do IPES/IBAD que protagonizaram o malfadado golpe de 1964 e por exemplo, ajudaram a organizar as Marchas da Família (naquele contexto, católicas principalmente, salvo engano).
- Cultura que dialoga. As denominações neopentecostais (que são as que mais crescem e se consolidam) conseguiram plasmar/sintetizar práticas muito díspares e contraditórias da cultura e da religiosidade brasileira. Vejam o uso de elementos de outras religiões de matriz africana sendo acionados, ainda que não se ressaltem essas referências. Ao conseguirem "ler" de maneira difusa e traduzir de modo necessariamente mais amplo, uma "cultura popular" (ao seu modo), conseguem estabelecer canais de diálogo com os significados das tradições de classe. É quase como retraduzir uma experiência de classe num sistema de significados, valores e ideias estável (e organizado pela instituição religiosa). Perguntei uma vez a um companheiro militante porque o peronismo sobrevivera tanto tempo na argentina e ele me respondeu: "porque o peronismo é tudo". Essa capacidade elástica de um determinado conjunto de significados se apropriar e retraduzir uma experiência de classe difusa se opõe a grupos de esquerda cada vez mais restritos, com linguagem e tradições específicas (geralmente limitantes. com vocabulários próprios e que só militantes compreendem).
- Desconhecimento teológico e preconceito com a religião. Há também ao meu ver uma sobrevalorização por parte da esquerda das possibilidades fascistóides de determinadas agremiações. Com isso não estou dizendo que o significado dado por essas instituições religiosas neopentecostais não seja conservador (evidentemente é) ou que não possa descambar abertamente para as fileiras do fascismo. Mas se não entendermos esse campo como um campo de disputa, vamos jogar mais gasolina no fogo. O neopentecostalismo sempre se nutriu de um inimigo a se combater (primeiro o comunismo, agora os direitos lgbtt's etc). Não me parece inteligente engessar de maneira irredutível a polarização, sem atacar o adversário por dentro. Construir um discurso apocalíptico ("O Estado Islâmico chegou") dentro dos esquemas religiosos que trabalham com as oposições simbólicas é pura burrice. A questão é: como disputar esse setor da classe (não me refiro a disputar a instituição). Acrescente a isto, o fato que a esquerda em geral tem uma relação precária, ambígua ou simplesmente preconceituosa com a religião. A direita não, é geralmente bem pragmática neste sentido. Enquanto a esquerda diz: disputem os sindicatos, os centros acadêmicos, pelas costas afirma: saiam da igreja, "é ópio do povo" e abre uma avenida para a direita.
Não reclame quando o exército marchar na sua porta.

Por: Rafael Viana

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente artigo, parabens. Muito profundo.

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