A crise estrutural do capitalismo vai inviabilizando a cada rodada, ano a
ano, década a década, as experiências periodicamente eleitas como
exemplos a serem seguidos na economia mundial. Japão nos anos 80, EUA na
década de 1990 e agora China são locomotivas que apenas apitam e soltam
fumaça. São “alternativas” cada vez mais apertadas num horizonte
estreito, fazendo com que as projeções intelectuais tenham que se
“ajustar” por algo viável.
Não deixa de ter razão o monetarista que mostra que, apesar de todos os esforços do governo, injetando dinheiro nas empresas (via BNDES e bancos públicos com crédito rural e imobiliário), atuando com a imensidão de investimentos de fundos de pensão e empresas estatais (Petrobrás à frente) e ampliando a dívida de forma progressiva nos últimos anos, os resultados não apenas foram pífios como pioraram. O problema é que não há nada que explique como essa situação vai ser superada com enxugamento do crédito, privatização, contenção de gastos e aumento de juros se todas essas medidas são historicamente recessivas. Enfim, a política neodesenvolvimentista está naufragando e seus métodos não têm diminuído em nada a entrada de água, mas os neoliberais também não têm nada a oferecer para salvar a embarcação e aproveitam a oportunidade para vender os salva-vidas para a primeira classe.
Mas isso é constatação estrutural... por
todos os lados se reivindica uma sugestão para o momento, precisamos de
soluções, caminhos etc... afinal, nós vivemos mesmo na conjuntura.
Nesse caso, a única coisa que sobra é administração da crise. Nada mais
resta do que empurrar a desgraça com a barriga, evitar que aconteça
hoje o que podemos rolar para a semana seguinte. Mas nesse campo o
governo Dilma parece ter esgotado suas possibilidades. Desde 2011 que a
economia brasileira desce a ladeira e o baixo crescimento se transformou
em estagnação nos últimos trimestres.
Não deixa de ter razão o monetarista que mostra que, apesar de todos os esforços do governo, injetando dinheiro nas empresas (via BNDES e bancos públicos com crédito rural e imobiliário), atuando com a imensidão de investimentos de fundos de pensão e empresas estatais (Petrobrás à frente) e ampliando a dívida de forma progressiva nos últimos anos, os resultados não apenas foram pífios como pioraram. O problema é que não há nada que explique como essa situação vai ser superada com enxugamento do crédito, privatização, contenção de gastos e aumento de juros se todas essas medidas são historicamente recessivas. Enfim, a política neodesenvolvimentista está naufragando e seus métodos não têm diminuído em nada a entrada de água, mas os neoliberais também não têm nada a oferecer para salvar a embarcação e aproveitam a oportunidade para vender os salva-vidas para a primeira classe.
Talvez o erro aqui
tenha sido a rapidez em abandonar as esperanças no ativismo estatal. Os
mais à esquerda vão dizer isso: o equívoco é muito mais de análise
política do que propriamente da alçada econômica. O governo teria
interpretado errados os “sinais das urnas” e Dilma teria aderido muito
rapidamente ao programa do Aécio, abandonando as esperanças
neodesenvolvimentistas. Nesse caso, a razão é apenas um pouco mais
paciente, mas não tanto correta: sem dúvida que, comparativamente, o
governo teria muito mais a queimar para tentar manter a economia sob
efeito de remédios. O monetarismo está preocupado demais com o aumento
da relação dívida bruta/PIB de 52 % para 62 % de 2011 para cá, quando
países como como Itália possuem uma relação de cerca de 130 %, Estados
Unidos de 103 %, Japão chegando aos 250 % e a China já teria superado
mesmo esse patamar.
Ou seja, o momento de aperto não precisa ser agora, pois haveria ainda uma margem longa para explorar de endividamento público, o que levaria à manutenção de crédito barato por bancos estatais, ampliação de emprego público, investimentos em infraestrutura e distribuição de renda que manteria a economia sob remédios durante um bom tempo. Aqui o diagnóstico poderia se passar muito bem como o de administração temporária da crise, confiando numa possível melhora da conjuntura mundial para poder reduzir essas medidas de Estado ativo.
Ou seja, o momento de aperto não precisa ser agora, pois haveria ainda uma margem longa para explorar de endividamento público, o que levaria à manutenção de crédito barato por bancos estatais, ampliação de emprego público, investimentos em infraestrutura e distribuição de renda que manteria a economia sob remédios durante um bom tempo. Aqui o diagnóstico poderia se passar muito bem como o de administração temporária da crise, confiando numa possível melhora da conjuntura mundial para poder reduzir essas medidas de Estado ativo.
Mas o problema que se coloca não é exatamente o do
seu conteúdo (desde que ignorando seus efeitos ecológicos), mas o campo
de reflexão que o estabelece. Pensar em termos meramente conjunturais,
por mais realista, digno e, no fim das contas, por mais “prático” que
seja, é exatamente confinar o pensamento no aqui e agora e limitar a
capacidade teórica a um instrumento das obrigações imediatas. E nesse
caso o erro do governo – mais grave entre os membros do PT -- foi ter
exatamente confundido um ciclo curto da economia mundial com uma
possibilidade indefinida, foi ter convertido a bonança criada pelo boom
das commodities em acertos de sua política, foi ter faturado como
qualidade aquilo que era dádiva. O erro aqui, ao não enxergar os
movimentos mais profundos da história recente de crise estrutural, foi
não saber sequer diferenciar o epifenômeno do seu fundamento. E isso tem
claros resultados nas opções políticas.
Por que, a espanto da
esquerda, o governo não pode estender ainda mais as políticas anticrise,
que inclusive foram enaltecidas durante a campanha eleitoral? Por que
abandonar as ferramentas anticíclicas e apelar para o neoliberalismo
mais tosco? Por que fazer da vitória eleitoral uma derrota incoporando a
política oficial adversária?
O erro do governo, que inviabiliza
politicamente a manutenção da política de administração da crise – como
simulacro desenvolvimentista --, foi ter confiado arrogantemente em seus
próprios atos, confundido as virtudes momentâneas com um pretenso
resultado de seu voluntarismo. A confiança de que suas apostas na
política econômica poderiam dar certo de qualquer maneira – se não por
outros motivos, pelo menos na boa intenção social – impediu o governo de
enfrentar o quadro político, fiscal e normativo que lhe envolvia. Pelo
contrário, tentando mostrar responsabilidade e maturidade política, não
apenas se enquadrou como ainda ampliou o conjunto legal de restrições
fiscais e administrativas neoliberais erguidas durante o período tucano.
A esquizofrenia não foi poucas vezes apontada: política econômica
neodesenvolvimentista num quadro institucional, jurídico e normativo
cada vez mais neoliberal. O resultado é que a política anticíclica não
poderia perdurar longamente, foi necessário mantê-la pelo menos até a
eleição, ainda que fazendo algum tipo de “pedalada fiscal” que não
estava nos planos -- afinal, no poder o PT se vangloriava de seguir
claramente as regras.
O resultado é o que enxergamos hoje. Mais do
que pagando pelas alianças políticas que estabeleceu (o que também é
parte dessa contradição), os limites da administração da crise petistas
estão colocados pela sua própria incapacidade de confrontar a moldura
institucional, normativa e mesmo intelectual que foi criada pelo
neoliberalismo nos últimos vinte anos. Fazendo inclusive parte desse
quadro, o governo petista comprovou que o “neoliberalismo se tornou um
consenso suprapartidário” (Harvey), se não na política econômica oficial
(mais próxima ou mais distante, o neoliberalismo sempre fez uso abusivo
do Estado em setores variados da economia, como atestam os casos
americano e inglês), pelo menos no contexto mais geral da própria
estrutura estatal. Em certo sentido, os governos Lula-Dilma foram
governos neodesenvolvimentistas num Estado neoliberal. Não é a toa que, a
continuar o rolo compressor das desgraças, não vai sobrar muita coisa
de seu presumido avanço social. Talvez a lei Maria da Penha, das
domésticas e a política de cotas, se não forem ameaçadas pelo avanço
conservador, perdurem. Mas a distribuição de renda, o ganho real nos
salários etc, podem ser dobrados e mesmo esquecidos em poucos anos de
crise. Por outro lado, ficará na memória que esse governo “dos
trabalhadores” foi sequer capaz de fazer avançar mudanças na legislação
que viabilizassem reforma urbana ou agrária, suas pautas históricas. Os
limites curtos impostos à administração da crise ficarão mais visíveis
com a explosão da barbárie.
Por: Maurilio Botelho
Fonte: Diário do Colapso
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