quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Oposição Sindical que venceu o ( SITRACARNES) de Chapecó é destaque no site do BRASIL DE FATO



 “Estamos trabalhando há 18 dias sem acidentes com afastamento. Nosso recorde é de 115 dias”, diz o aviso na frente da entrada da maior unidade de corte de carne da Sadia, no bairro Efapi, município de Chapecó, na região Oeste de Santa Catarina. A placa ainda diz pouco. Em frente à fábrica, os olhares são duros. Atrás das grades da empresa, um ou outro operário surge, observa a movimentação de fora e retorna à produção intensiva. Lá dentro, oito horas diárias vão ser ultrapassadas. Como descrevem os operários, não há alívio, janelas e nem tempo para se distrair.

Em outra conjuntura, a exploração seguiria invisível. Mas o dia primeiro de setembro foi incomum na vida desses trabalhadores, a maioria deles jovens, mulheres, indígenas e antigos agricultores da região, quem às vezes gasta três horas para chegar à fábrica. Pela primeira vez em vinte e dois anos, eles acompanharam uma eleição para a disputa do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados (Sitracarnes), filiado à Força Sindical. No dia 31 de agosto, às vésperas da votação, os panfletos entregues na frente da Sadia reforçavam promessas de assistencialismo da atual direção. Mas, desta vez, outros também falavam de independência e direito dos trabalhadores.

Para acontecer o pleito, foi preciso a ação do Ministério Público do Trabalho (MPT). A atual direção do sindicato foi processada pelo órgão, devido a acordos coletivos em prejuízo dos trabalhadores e fraude nas eleições. No dia primeiro, as duas chapas ficaram de cada lado do quarteirão, separadas por cordões de isolamento da Polícia Militar, há cinqüenta metros do sindicato, onde foram instaladas duas urnas. Os órgãos de imprensa surgiram apenas à noite no local, após um dia inteiro de apreensão e temor de fraudes ou repressão. Às vinte e três horas, um dos lados começou a se dispersar e os trabalhadores tiveram a notícia da vitória da Chapa 2 que conquistou mais do dobro dos votos (489 ao total, contra 216 da situação).

Ao longo dos 22 anos, o sindicato controlou e restringiu a sua base, fracionando-se em duas agremiações, criando um outro sindicato para os trabalhadores da empresa Aurora. Outra parte dos trabalhadores havia se desfiliado, afinal havia controle e regras, tais como votar com dois anos de filiação. Durante as eleições, houve um embate em torno de possível fraude da lista de votantes, apresentada com 950 filiados, mas definida com cerca de 748 entre as partes e o MPT.

O MPT havia garantido que, se o trabalho da Chapa de Oposição fosse criminalizado, a direção da Sadia seria acusada de formação de quadrilha, por estar vinculada à direção atual do sindicato. O que permitiu o trabalho de conscientização na porta da fábrica, no dia 31 de agosto, um dia antes da votação, apesar da presença de inúmeros “leões-de-chácara”, vestindo a camisa da Chapa 1, como forma de intimidação.

Tensão exposta

A disputa colocou em evidência as condições de trabalho desta empresa do agronegócio que, no ano passado, operou uma fusão com a Perdigão, tornando-se Brasil Foods. De um total de 6 mil operários da unidade de Chapecó, a maioria mulheres, cerca de 1.100 estão afastados pelo INSS, como decorrência de doenças ou lesões ocupacionais. Cerca de 200 mil frangos são abatidos diariamente, com a finalidade da exportação. Desde a entrada na empresa, em um prazo muito curto de tempo, dores nos braços são inevitáveis. Os relatos apontam que, em média, os trabalhadores fazem seis mil movimentos na linha de produção, onde um frango, por exemplo, deve ser desossado a cada oito segundos.

Esta é a história da operária Cida, que há três anos está afastada devido à tendinopatia -- lesões nos tendões causadas por traumas ou por esforços repetitivos --. Ela se queixa dos quatro atendimentos médicos que têm direito por ano, ainda assim tendo que pagar a metade do serviço. No dia primeiro de setembro, Cida foi um dos inúmeros trabalhadores afastados que se deslocaram da periferia da cidade, para dar o seu voto na urna instalada no sindicato.

Organização de base

A organização paciente dos trabalhadores foi construída ao longo de três anos. A atual forma de luta é considerada pelas organizações apoiadoras uma referência para outros sindicatos e pode ter um efeito dominó.

Membro da futura direção colegiada, o operário Jenir de Paula recorda que, ainda em 1988, a oposição já havia triunfado, mas foi impedida de assumir o sindicato. Mais tarde, diz ele, tentativas de organização levaram a dez companheiros demitidos. À época, para não ser demitido, Jenir passou a trabalhar no terceiro turno, afastado de qualquer forma de organização. Há três anos começou a reorganização com a meta de tomar o sindicato, a partir do trabalho do movimento social de Chapecó.

“Desde 1988, não haviam feito nova eleição, sequer assembleias para consultar a base. Entramos com pedido de eleição e o Ministério Público confirmou. Há dois meses demitiram colegas nossos. Tentaram me mandar embora quando quebrei o rosto da face. Voltei pela Justiça e registramos a chapa”, descreve. E complementa: “Aqui existia uma ditadura sindical”.

A unidade entre diferentes centrais sindicais na construção da Chapa 2 é outro ponto sinalizado pelos militantes que acompanharam a vitória da oposição. Estiveram presentes nesse processo organizações como Sindicato dos Bancários de Blumenau, Intersindical da região de Campinas (SP), Consulta Popular, MST, Conlutas, além do apoio de CUT entre outros. “A vitória aqui envolveu elementos importantes, como a derrota de uma estrutura sindical ligada à empresa, um campo amplo de unidade entre as forças do movimento sindical e popular, e também o elemento de organização no interior da fábrica”, analisa Antônio Goulart, da Coordenação Nacional da Consulta Popular.

Retrato de uma operária

Integrante da Chapa 2 do Sitracarnes, Neucira Terezinha Enderle passou 14 anos na luta pela terra, entre acampamentos e ações de despejo. Há cerca de três anos voltou ao Oeste de Santa Catarina em busca de melhores condições. “Um melhor salário”, como diz. Ela se afirma ainda agricultora, por isso teve tantas dificuldades com a forma de trabalho na Sadia. A operadora de produção do setor Hamburger, na unidade de produção da Sadia, topou com a mesma trajetória de tantos outros operários. “Tomava o café às três da madrugada, antes de sair. Na fábrica é proibido o lanche, então tomava água para saciar a fome, quando dava a tremedeira”, narra Neucira.

A lesão nos braços a impediu de fazer atividades básicas como varrer a casa, descascar uma mandioca ou esfregar uma meia. Neucira teve tendinopatia nos braços, inflamação que se espalha a outras partes do corpo, e que nela já se encontra desde 2007. “Perguntaram, em tom de ameaça, se queria ir embora ou continuar. Mas eu tinha filha, pagava aluguel, tinha metas para cumprir mesmo com dores no braço”, afirma.

Conta que teve problemas para que o atestado fosse aceito pelo departamento médico da empresa, numa tentativa de negar a condição de doença do trabalho. “Há companheiros machucados fazendo serviços mais leves. Outro com 27 anos de trabalho na fábrica e os dedos torcidos. Mas há gente que acha que a empresa está no prejuízo e temos que ajudá-la. Eu mesma queria dar lucro para ela, quando senti a dor no braço é que fui ver a realidade”, narra.

*Pedro Carrano - Chapecó



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