Preste atenção nos pratos deliciosos da sua mesa de almoço. Pense quantos deles você poderia comer caso os seres humanos não tivessem desenvolvido a agricultura. Esta atividade, além de permitir a sobrevivência da nossa espécie, forma a nossa cultura.
Os agricultores aprenderam sobre as plantas através de uma longa história de relação com a natureza, na qual acumularam saberes e respeito. Isto permitiu que eles pudessem melhorar os produtos cultivados, compreendendo as características do solo, do clima e das estações do ano. Todo este aprendizado está sintetizado no cultivo de sementes, que são o símbolo da continuidade da agricultura.
Mas o crescente controle da agricultura pelo mercado capitalista (o agronegócio, já ouviu falar?) menosprezou os saberes sagrados dos agricultores tradicionais. Além disso, nas últimas décadas, os direitos de propriedade intelectual agravaram ainda mais essa situação. De que maneira?
Ora, em primeiro lugar, através das patentes de invenção. Aqui estamos falando das sementes transgênicas, nas quais são introduzidos genes de outras espécies, inclusive de animais e humanos, com o intuito de produzir super-plantas super-lucrativas. As patentes, portanto, protegem um tipo bastante polêmico de semente, pois há muitas incertezas quanto aos seus efeitos no meio ambiente e na saúde humana e animal. Outro ponto de debate, pouco levantado pela mídia e pelos governos, é o monopólio de produção que as empresas de sementes vêm obtendo.
Outra forma de se patentear sementes é através do direito de melhorista. Aqui estamos falando de sementes melhoradas em laboratório com o cruzamento entre plantas da mesma espécie, sem a intradução de genes diferentes, como no caso das transgênicas.
Com isso, o agricultor é impedido legalmente de guardar sementes, e é obrigado a comprá-las de grandes empresas produtoras. Pior ainda, muitas dessas sementes usam uma tecnologia que se chama “terminator”, o que quer dizer que as plantas produzidas são estéreis, ou seja, não produzem novas sementes. (Adivinha de quem o agricultor vai ter que comprar novas sementes toda safra?)
O Brasil já começa a sentir os efeitos dessas ações. No Rio Grande do Sul, praticamente já não existe mais soja que não seja transgênica. Você já pensou no poder que terá uma empresa que detiver a produção de todas as sementes de arroz, por exemplo?
A propriedade intelectual faz com que a pesquisa em alimentos seja unicamente orientada pela produtividade para o mercado. Ou dá lucro, ou está banida da mesa. Caso a produção de uma determinada semente seja baixa, ou caso ela não desperte interesse comercial, simplesmente não será mais produzida. Isso põe em risco a biodiversidade agrícola e a segurança alimentar. Com isso, todos os outros usos da planta são descartados.
O arroz, por exemplo, se pensado em termos de mercado, deve produzir muitos grãos. Mas não podemos esquecer que, para algumas populações, como em localidades da Índia, o resto da planta é tão importante quanto o grão. Nesses lugares se usa a palha para os tetos das casas de sapé, para a fabricação de esteiras e como forragem para o gado. O farelo é usado para os tanques de peixes e como matéria-prima de combustíveis.
Apesar desse cenário, nem tudo está dominado. Fora do grande mercado, a resistência está se organizando. Pequenos agricultores e comunidades tradicionais vêm produzindo com respeito ao meio-ambiente, através da chamada agrobiodiversidade, trabalhando com suas sementes tradicionais, que ainda não foram apropridas por ninguém e que são melhor adaptadas a situações específicas de solo e clima, e, principalmente, são fruto do conhecimento da humanidade, de domíno público.
A luta pela manutenção da agricultura familiar e pela proteção das sementes tradicionais e livres, que carregam o conhecimento acumulado por milhares de anos, é a defesa da biodiversidade, de alimentos de qualidade e de condições de vida dignas para as populações rurais. A luta pelo conhecimento livre é a luta pela continuidade vida do homem e da natureza
*Epidemia
sábado, 18 de setembro de 2010
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