domingo, 20 de julho de 2008
"Me apaixonei por uma assassina"
"O que acontece se sua nova namorada tem um segredo muito mais tenebroso e sinistro do que ter dormido com alguns caras?"
Jason P. Howe
Chega um ponto em todo relacionamento novo que sua namorada quer te contar um segredo. Normalmente, tem a ver com sexo - quantos parceiros ela já teve (com alguns convenientemente apagados) -, esse tipo de coisa. Freqüentemente, o segredo altera as bases do relacionamento; a honestidade vem com as conseqüências. Mas o que acontece se sua nova namorada tem um segredo muito mais tenebroso e sinistro do que ter dormido com alguns caras?
Sentado nu na beira da cama de um quarto de hotel barato e quente no coração de uma região da Colômbia produtora de drogas e assolada pela guerra , acendi um cigarro e escutei, enquanto a garota com quem eu acabara de fazer amor me contava um segredo tenebroso o bastante para tirar qualquer um de seu êxtase pós-coito. Eu tinha estado na Colômbia por alguns meses para aprender a ser um foto-jornalista. Não fazendo algum curso teórico universitário, ou tirando retratos em um estúdio confortável, mas me entregando profundamente.
Tempos de paz têm sido raros na história desse país. Nos últimos 40 anos, um grupo rebelde de inspiração marxista, conhecido como Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), está em guerra com o governo, financiando seu exército crescente com seqüestros e extorsão, e taxando o comércio ilegal de cocaína. Esquadrões da morte de direita, conhecidos como "forças de auto-defesa", surgiram como uma resposta aos seqüestros, pelas Farc, de ricos proprietários de terra e traficantes. Sob a fachada de uma organização chamada AUC (Autodefensas Unidas da Colômbia), estas milícias privadas, ou paramilitares (conhecidos localmente como "paras"), são secretamente apoiadas por altos níveis do governo e do exército, que dão suporte para sua guerra suja contra os rebeldes das Farc.
Essse conflito triangular causou, e continua a causar, um alto preço para o povo colombiano. Durante as últimas quatro décadas, mais de 200 mil pessoas perderam a vida e mais de três milhões foram forçadas a saírem de suas casas devido à violência ou à intimidação. Nesta semana, como resultado de uma incursão das forças de governo no Equador para matar rebeldes das Farc, o confito foi o centro de uma crise envolvendo os dois países, junto com a Venezuela de Hugo Chávez.
Desviando a atenção de toda essa brutalidade chamando-a de guerra contra as drogas, o governo comete uma grande injustiça contra o povo colombiano. Suas raízes estão na desigualdade econômica e social que permeia o país, uma enorme classe trabalhadora vivendo na pobreza, enchendo os bolsos de uma minúscula e rica classe alta, que possui mais de 90% da terra, da indústria e dos negócios. Meu objetivo, por essas razões, era encontrar e fotografar membros de cada um dos grupos envolvidos, e tentar explicar esse conflito latino-americano de 40 anos.
Comecei viajando a uma parte do país com forte presença das Farc, e, depois de muita perseverança, persuadi os rebeldes a me deixarem viver em um de seus campos. Depois de documentar seu cotidiano e de estar com eles em um tiroteio contra soldados do governo, era o momento de ir embora e buscar seus eternos inimigos, os paras.
Fui em direção de Putumayo, um dos centros do narcotráfico e cena de batalhas entre as Farc e os paras, no sul da Colômbia, na fronteira com o Equador. Levei um par de dias viajando em um ônibus local para chegar à capital, Puerto Asis.
Primeiro encontro
No caminho, comecei a conversar com uma passageira, uma linda colombiana chamada Marylin, que me contou que estava voltando de comprar roupas em uma das grandes cidades. Expliquei a ela porque visitava a região, e Marylin me disse que tinha amigos tanto entre os paramilitares quanto entre os militares, e que, portanto, poderia me ajudar. Ela me convidou a ficar com sua família, que tinha uma loja e bar de estrada nas imediações da cidade. Fiquei atraído por Marylin, mas não tinha idéia de quão íntimos nos tornaríamos e como seria nosso futuro.
Passei as semanas seguintes com a família dela, fazendo viagens ao campo para fotografar os campos de coca e para encontrar os paramilitares. Marylin e eu passamos longas tardes deitados juntos em uma rede. Nos demos as mãos e nos beijamos algumas vezes, mas não foi além disso. Chegou um momento em que meu tempo e dinheiro acabaram e eu tive que voltar à Inglaterra. Enquanto me despedia, prometi fazer o possível para voltar, e Marylin disse que agora eu era "da família".
Seis meses depois, eu estava de volta, determinado a explorar totalmente esse conflito, aprender tudo que pudesse e, talvez, publicar um livro. Voltei a Puerto Asis com a intenção de passar um tempo com Marylin e sua família. Mas algumas surpresas me esperavam: Marylin me contou que ela tinha entrado para a AUC e tinha combatido ativamente em uma vila próxima, chamada El Tigre. Uma amiga que havia lutado ao lado dela tinha sido morta, junto com outros 25 paramilitares e pelo menos 15 rebeldes. Quando o combate acabou, a população inteira da vila fugiu. O irmão de Marylin agora trabalhava em uma plantação de coca e carregava uma pistola que ficava debaixo de seu travesseiro enquanto dormia. Não achei tudo isso particularmente chocante. Esse era, afinal, um país dividido por todo tipo de violência. Apenas a sorte, ou a falta dela, determinava em qual lado você estaria.
Passaram-se meses. Viajei pelo país desenvolvendo meu projeto. Os resultados receberam uma positiva aceitação, incluindo um prêmio em uma competição internacional, e me sugeriram que eu fosse para o Iraque documentar a guerra por lá. Então, eu fui. Mas, depois de seis meses vivendo diariamente com carros-bombas e ataques de mísseis em Bagdá, eu estava muito ansioso para voltar para a Colômbia.
Mudança na atmosfera
Um ano depois de nosso primeiro encontro, eu voltei para a casa de Marylin em um táxi batido. Me sentei e bebi uma cerveja gelada com seu pai enquanto esperava que ela voltasse de uma "pequena missão". Então, caminhei de mãos dadas com ela e com sua filha de quatro anos, Natalie, por uma estrada de carroça, até um rio envolto por sombras de árvores que havia atrás de sua casa. Com a filha dela nadando perto do banco em que estávamos sentados, dando braçadas na água cada vez mais profunda e fria, senti que havia tido uma mudança na atmosfera, mas não sabia exatamente o que.
Perguntei à Marylin se as coisas ficariam diferentes entre nós se eu ficasse em um hotel no centro e não com sua família. Ela concordou que isso seria melhor para continuarmos juntos, então encontrei um quarto para mim. Naquela noite, ela veio para o jantar. Comemos na varanda e, enquanto tomávamos vinho e ouvíamos o coro dos insetos, comecei a pensar que o ano de preparação que eu tinha levado a cabo estava prestes a ser recompensado. Marylin passou a noite comigo.
Puerto Asis, a cidade de Marylin, fica um grau ou dois acima da linha do Equador. Ar-condicionado era um caro supérfluo e eu estava duro. O minúsculo quarto de hotel estava abafado, e, quando estávamos deitados, abraçados no lençol molhado de suor, com os gritos dos vendedores de rua e o barulho do trânsito da manhã entrando pela janela da varanda, Marylin disse que tinha algo para me contar.
A confissão
Então, ela me golpeou com uma confissão que iria, ao mesmo tempo, me fazer tremer e ficar confuso. Ela explicou que nos meses que eu estava no Iraque, seu papel na AUC mudou; ela havia entrado para a milícia urbana e se tornado uma assassina. Agora, seu trabalho era eliminar informantes e traidores. Até então, me contou, tinha matado pelo menos dez pessoas da região. Acendi um cigarro e traguei profundamente, enquanto Marylin me olhava através da fumaça que expeli, esperando para ver como eu iria reagir ao que ela acabara de me contar. Estranhamente, sua confissão não teve o impacto que se esperaria; eu não recuei horrorizado.
Os meses que eu tinha passado na Colômbia e no Iraque, em meio à violência, havia alterado minha forma de ver as coisas. Não acho que eu havia me tornado imune à morte ou ao sofrimento, mas, certamente, estava menos facilmente chocável. A diferença entre vítima e algoz, rebelde e refugiado, normalmente é apenas uma questão de perspectiva.
Sempre gostei da companhia dos "executores", rebeldes e soldados que arriscavam suas vidas por causas em quais imagino que eles acreditassem. Não me interessei pelas ricas, bem-vestidas e lindas misses que viviam nos clubes de alto nível de Bogotá. Embora mais tarde eu fosse me sentir de forma diferente, minha reação inicial às palavras de Marylin foi de uma aceitação que talvez até tenha chegado perto de uma aprovação. Acho que eu senti que, no contexto de amantes em zona de guerra, ela era muito "bacana".
No início, suas visitas ao meu quarto de hotel - normalmente portando uma pistola - não me perturbou muito. Antes de tudo, não acho que as implicações reais do que Marylin fazia tinha vencido a neblina surreal. Eu era jovem e estava vivendo uma aventura incrível. Era, com certeza, o mais próximo que eu chegaria na vida de alguém que estava verdadeiramente e totalmente envolvido e imerso nesse conflito. A mulher com quem eu acabara de começar a dormir era uma assassina de aluguel e havia uma arma sobre a mesa ao lado de minha cama.
Ao observar ela tirar a pistola de seu cinto, desabotoar seu jeans e deitar na cama, de alguma forma não pude relacionar a mulher em meus braços com os corpos que eu havia visto no necrotério local, com as cabeças destruídas por tiros à queima-roupa, assassinatos que ela confessou ter cometido. Estar drogado por uma combinação do clima tropical inebriante, rum local e cocaína nível A, e o fato de estar nos braços de uma ninfeta de 22 anos, fizeram com que fantasia e realidade se misturassem. Me sentia como se estivesse vivendo em um filme de Quentin Tarantino.
Mercenária
Em uma manhã, Marylin me contou que na noite anterior ela havia persuadido uma amigo a ajudá-la a decapitar e desmembrar uma mulher que ela tinha sido contratada para matar. Não era nenhuma informante. Uma amiga pagou para que ela matasse a outra namorada de seu namorado. Ela descreveu tão graficamente o que tinha acontecido, com tão pouco sentimento, que, finalmente, a realidade me chacoalhou. Percebi que meus sentimentos por ela mudavam. O brilho romântico começou a se esvair rapidamente. Ela já não parecia ser uma parte legítima de um conflito civil, mas uma assassina autônoma, tirando vidas por dinheiro - simplesmente isso.
Embora eu ainda a achasse sexualmente atrativa e quisesse ficar com ela, alguma coisa estava ricoheteando no meu cérebro. Alguns dos pensamentos que teriam ocorrido a qualquer um muito mais cedo, estavam, agora, começando a aparecer.
Durante o ano anterior, eu a fotografei nadando no rio com sua filha e lendo histórias de dormir. Agora, as imagens que me lembrava se concentravam quase totalmente no outro lado de sua vida. Eu estava, com pensamentos de auto-preservação em minha mente, reduzindo-a a uma "pauta". Perguntei a Marylin se ela se prepararia para me deixar entrevistá-la sobre sua vida e com o que ela tinha se envolvido. Vestindo um capuz e brandindo uma pistola, ela permitiu que eu filmasse nossa conversa.
Comecei perguntando como ela tinha se envolvido com os paramilitares e por que ela decidiu se juntar a eles. Como a persuadiram a matar sua primeira vítima e como ela se sentiu. Ela começou a responder de forma hesitante, mas ganhou confiança à medida que sua história era revelada.
"Quando matei a primeira pessoa, eu tinha medo, estava apavorada. Matei a primeira pessoa só para ver se podia. Mas há uma obrigação em matar. Se você não o faz, eles te matam. Por isso que a primeira vez foi difícil, porque a pessoa que matei estava ajoelhada, implorando, chorando e dizendo 'Não me mate. Tenho filhos.' Por isso foi difícil e triste. Mas, se você não mata esta pessoa, alguém da AUC irá te matar. Depois de matar, você continua tremendo. Você não consegue comer ou falar com ninguém. Estava em casa, mas pensando na pessoa implorando para não ser morta.
Atirei em mim mesma, por dentro, mas, com o tempo, esqueci tudo. Os superiores sempre dizem 'Não se preocupe, é só a primeira vez. Quando você mata o segundo, tudo ficará bem.' Mas você continua tremendo. A segunda vez é só um pouco mais fácil, mas, como eles dizem aqui, 'se você pode matar um, pode matar muitos mais.' Você tem que perder o medo. Agora, continuo matando e nada acontece. Me sinto normal. Antes, eu tinha obrigação de matar, eu era enviada para matar. Mas quando deixei a organização, não era mais obrigada. Agora, só faço o trabalho por dinheiro".
"Sim [matei uns amigos meus], porque eles iam me matar. Eles me disseram para tomar cuidado porque eles trabalhavam para o outro lado e tinham conexões com as guerrilhas. Então, era minha vida ou a deles. Então, pedi permissão para matá-los, que me foi dada [pela AUC]. Eles investigaram e concluíram que de fato meus amigos trabalhavam para as guerrilhas, então os matei. Foi muito doloroso para mim. Estive no enterro e na vigília. Fiquei mal ao ver a mãe deles chorando, sabendo que eu era a única culpada disso. Mas é sua vida, e você aprendeu na escola [da AUC]: primeiro você, depois os outros. No total, matei 23 pessoas."
Lavagem cerebral
Uma incrível tristeza me consumiu enquanto ouvia essa jovem inteligente, de quem havia me tornado tão íntimo, falar de sua vida. Marylin era uma vítima extrema das circusntâncias. Seu tédio e sua busca por emoções a levaram a entrar em contato com os paramilitares, que fizeram uma lavagem cerebral que a deixou sem nenhum respeito pela vida humana. Sem respeito pela dela e nem mesmo pela de sua família.
Mas suas desculpas, ou falta delas, me irritaram, e eu disse que ela representava tudo que estava errado com o país. De minha posição privilegiada e, no final das contas, desqualificada, de alguém de fora, achei impossível me identificar com ela, para apenas para ficar bravo, preocupado e crítico.
Reduzi-la a uma "pauta" não funcionou. Não fui capaz de ser distante, objetivo ou deixar meus sentimentos de lado. Tinha ido muito além desse ponto. Enquanto em um nível eu saboreei a intensidade do que estava experimentando, havia um preço a se pagar por ter ido tão longe, e o preço era alto. Percebi que as coisas que eu tinha visto e ouvido nos últimos meses eram inacreditáveis. Por causa delas, minha paixão pela Colômbia havia crescido e meu entendimento do que acontecia nesse país mal-entendido tinha aumentado. Mas sentia que tinha perdido algo e que estas coisas também haviam me causados danos.
Voltei ao Iraque e depois fui cobrir a guerra no Afeganistão. Durante todo o ano, Marylin e eu trocamos emails regularmente. Basicamente, neles ela me perguntava onde eu estava e me pedia que não a esquecesse. Ela me disse que as coisas que eu falei depois da entrevista causaram um grande impacto. Ninguém nunca havia falado daquele jeito com ela, realmente questionado o que ela estava fazendo com sua vida. Disse que queria um novo começo, mas sabia que a AUC não deixava seus membros saírem, pelo menos não vivos.
Depois de um longo período de silêncio, comecei a temer que algo tinha acontecido. Então, decidi voltar a Puerto Asis para saber a verdade. Levei um tempo para criar coragem para dirigir à sua casa e ver se ela e sua família ainda estavam por lá. Me perguntei se talvez ela tivesse dado um basta e ido começar uma nova vida, ou se, mais provavelmente, seu passado a havia alcançado. Dadas as coisas terríveis que eu já sabia dela, estava, de alguma forma, preparado para más notícias. Para o que eu não estava preparado era o quão confuso seria ouvi-las.
"Natalie acordou órfã"
A família dela demonstrou sua habitual surpresa ao me ver na porta da frente de sua casa. Todos meus temores foram confirmados quando seu pai, com lágrimas nos olhos, me contou que Marylin estava morta. Tinha 25 anos e dois meses quando foi seqüestrada em sua casa e apedrejada até a morte. Seus seqüestradores destruíram sua cabeça com pedras e depois atiraram nela.
Na manhã seguinte, sua filha de agora seis anos, Natalie, acordou como uma órfã, seus pais haviam perdido a terceira filha e seu irmão estava tão triste que não podia andar, falar ou mesmo comer. Marylin não tinha sido morta por alguém que buscava vingança para uma das muitas mortes que haviam acontecido por suas mãos durante sua época de assasssina. Ela foi assassinada por seu próprio grupo em um apedrejamento simbólico por ser um sapo, termo usado pelos colombianos para designar os informantes.
Seu namorado mais recente era um soldado do governo, conveniente o suficiente quando os paramilitares e o exército estavam trabalhando lado a lado na guerra para tirar os campos de coca de Putumayo das mãos das Farc, mas suficiente também para fazer com que ela fosse assassinada quando o relacionamento azedou e suas conversas de alcova continuaram.
A morte de Marylin teve um significado especial para mim, porque eu, também, compartilhei algo destas conversas de alcova. Fomos amigos e depois amantes. Nossas vidas nunca tiveram muito em comum; exceto o fato de que a pequena e suja guerra na Colômbia tinha trancado a ambos em sua prisão fatal. Achei difícil falar isso; na verdade eu não estava certo do que sentia.
Estava lamentando que uma jovem, que deliberadamente havia tirado a vida de seres humanos, tinha recebido o mesmo tipo de justiça de rua para a qual ela havia contribuído? Estava revivendo as conversas que tivemos sobre ela mudar sua vida e os emails que recebi dela me agradecendo e dizendo que precisava falar mais sobre como poderia sair da confusão em que estava metida? Estava desejando ter feito mais para ajudá-la? Estava lamentando por seus pais e sua filha linda, que um dia iria querer uma explicação de porque sua mãe foi morta e, talvez, descobrir os horrores que aconteceram enquanto ela era um bebê? Estava lembrando como ela beijá-la naqueles dias em que eu não tinha a menor idéia de que ela era uma assassina? Estava tentando imaginar, ou talvez tentando não imaginar, como ela ficou depois que sua cabeça foi destruída pelas pedras?
Memórias das guerras
Na realidade, eu estava pensando, sentindo e imaginando todas essas coisas. Ao mesmo tempo, no entanto, sabia que, qualquer que fosse o sofrimento pelo qual sua família estava passando, ela causou este mesmo sofrimento em outros, por muitas vezes. De volta ao quarto de meu hotel, dei o mais longo dos suspiros, acendi um cigarro e olhei para o ventilador do teto. As pás que giravam misturaram minhas memórias das guerras em que eu havia estado, minha ex-namorada e minha situação atual.
Na manhã seguinte, cedo, junto com a mãe de Marylin e Natalie, ambas vestindo seus melhores vestidos e carregando flores, fui ver onde o corpo de Marylin havia sido deixado para descansar. Seu caixão estava em uma caixa de concreto, em cima da tumba de sua irmã, que também tinha sido morta pelo conflito. O número de corpos precisando de enterro tinha, há muito tempo, ultrapassado o espaço disponível. Ao lado, um túmulo muito menor; os restos de outra de suas irmãs, que morreu de causas naturais aos três meses de idade. Não consegui imaginar como a mãe de Marylin se sentia segurando a mão de sua neta e olhando para os túmulos de suas três filhas.
Meu plano de viajar mais para dentro de Putumayo para fotografar os paramilitares já não parecia uma boa idéia. Marylin sempre me mostrava a direção correta e me alertava quando ir além não era uma boa idéia. Eu queria saber mais sobre sua vida e morte, mas não queria ser morto por fazer as perguntas erradas para as pessoas erradas.
Naquela noite, jantando com motos em movimento e caminhões buzinando ao fundo, outra moradora local me contou mais sobre o que aconteceu com Marylin. Entre bocas cheias de sopa, a mulher me disse que Marylin esteve envolvida com a AUC por um período mais longo do que ela havia admitido para mim, e que se acreditava na cidade que ela estava envolvida no massacre de 26 moradores em El Tigre. Muitas das vítimas foram decapitadas e estripadas antes de serem jogadas em um rio. Reservei um assento no próximo vôo disponível para fora dali.
Enquanto eu observava Puerto Asis desaparecer abaixo de mim, o avião foi envolvido por uma nuvem. No meu iPod, alguém cantava "esta cidade nos deixa louco e precisamos ir embora dela". Enquanto estou sentado digitando isto, a cerca de nove mil milhas de distância, em um quarto de hotel congelante e escuro de Cabul, Afeganistão, ainda cobrindo outro conflito sem fim, me pergunto se tudo isso poderia ter terminado de outra forma.
Marylin foi realmente morta porque era uma informante ou porque, como ela indicava em seus emails, queria de fato deixar a AUC e começar uma nova vida?
É nisso que eu quero acreditar. Quero acreditar que ela passou por uma mudança em seu coração. Quero acreditar que ela não era a assassina fria, sem coração e perversa que parecia ser. Mas, quem estou tentando enganar?
Jason P. Howe é o autor de Colombia: Between the Lines, out later this year. * Este artigo foi originalmente publicado na revista Arena.
Tradução: Igor Ojeda
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