quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Pizza a caminho


Lentamente, como um velho navio cargueiro, a imprensa vai abandonando a rota do escândalo que paralisa o Senado Federal e se volta diretamente para o tema da eleição presidencial de 2010.

O anunciado acordo entre os senadores fiéis a José Sarney e seus opositores de momento se concretiza em decisão do presidente do Conselho de Ética, que arquivou pedido de processo contra o líder do PSDB, Arthur Virgílio, da mesma maneira como fizera com as denúncias contra Sarney.

Algumas notas publicadas nesta quinta-feira pelos jornais, observadas em conjunto com notícias que frequentaram suas edições eletrônicas ao longo da tarde de quarta-feira, revelam que o sistema já está plenamente articulado.

Observe-se, por exemplo, que a notícia sobre a descoberta de outros 468 atos secretos, editados entre 1998 e 1999, chegou a ganhar destaque no G1, o portal eletrônico do Globo, na madrugada desta quinta-feira, mas não aparece na edição nacional do jornal de papel.

Essa mesma notícia está publicada na Folha de S.Paulo, que afirma serem outros 450 atos, e é manchete no Estado de S.Paulo.

Aliás, o Estadão é o único dos três grandes da imprensa que mantém o escândalo do Senado como principal destaque nos últimos dias.

O Globo e a Folha têm manifestado especial preferência pela controvérsia entre a ex-secretaria da Receita Federal Lina Vieira e a ministra Dilma Rousseff, suposta candidata do PT à sucessão presidencial.

O Globo também dedica amplo espaço ao processo judicial contra os dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus, que se transforma rapidamente em novo confronto entre as duas mais poderosas redes nacionais de televisão, Globo e Record.

Entre os detalhes do caso, o leitor e ouvinte pode se deliciar com histórias como a do comércio de jóias e outros objetos doados por fiéis durante os eventos que a Igreja Universal chama de “fogueira santa”.

A julgar pelo noticiário publicado até esta ocasião, aquilo que o Globo chama de “exploração da fé”, na série dedicada ao processo judicial, tem episódios que podem ser denominados mais objetivamente como estelionato puro e simples.

A verdade pela metade

A complexa mistura entre política, negócios e religião torna tudo muito mais difícil de entender.

Ou de explicar.

A chamada bancada evangélica, que mistura protestantes de denominações tradicionais, como os presbiterianos e luteranos, com os representantes das seitas contemporâneas que praticam o tal evangelho de resultados financeiros, tem atuado como uma força política considerável no Congresso.

O Partido Republicano Brasileiro, PRB, fundado por dirigentes da Igreja Universal, tem como presidente de honra o vice-presidente da República, José Alencar Gomes da Silva, e cumpre papel discreto, mas eficiente, na bancada governista.

Funciona mais ou menos como a bancada ruralista na oposição, e uma denúncia contra sua fonte de poder, a seita religiosa, pode produzir repercussões na política.

Da política para e imprensa e da imprensa de volta para a política, o círculo das influências se fecha sem que a sociedade se dê conta de que muitas escolhas editoriais têm menos a ver com jornalismo do que com disputas partidárias.

O que tem, sim, a ver com jornalismo é a questão da propriedade cruzada de meios de comunicação, que remete diretamente ao problema da concessão de emissoras de rádio e televisão.

Nos meandros do escândalo no Senado, quase passa despercebido o fato de que o governo enviou para votação no Congresso pedidos de concessão de vinte novas emissoras comerciais de rádio. Uma delas se refere à instalação de uma rádio FM que tem como um dos donos um filho do senador Renan Calheiros.

A baixa qualidade dos parlamentares, frequentemente citada pelos jornais como causa das constantes crises no Congresso Nacional e pela profusão de casos de corrupção denunciados, tem muito a ver com a propriedade dos meios de comunicação pelo Brasil afora.

Respaldados na popularidade que impõem com suas emissoras, os coronéis da política esmagam qualquer possibilidade de surgimento de liderancas legítimas que poderiam escalar o poder e melhor representar a população.

Mas a imprensa fala de tudo, menos da questão da propriedade dos meios de comunicação.

Por que, será?

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