Nesta peça, que é o momento atual da história da humanidade, está
faltando um personagem. E não é um personagem qualquer, mas um dos mais
importantes.
Dos dois personagens mais importantes desta peça, apenas um está
presente. Trata-se da burguesia. Esta continua, com toda força a
representar o seu papel. Ela continua a levar adiante, a ferro e fogo, o
seu projeto, mesmo que isso comprometa o futuro da humanidade.
O lugar do outro personagem, o proletariado, infelizmente está vazio.
Dizem até que ele abandonou definitivamente a cena e que o seu papel
teria sido assumido por outros personagens. Entendo que isso não é, de
modo nenhum, verdade. Tanto do ponto de vista teórico, como do ponto de
vista empírico, não há nenhuma prova de que o proletariado tenha
desaparecido e de que o seu papel de protagonista fundamental da
revolução tenha sido assumido por outros personagens.
Este lugar, o de personagem fundamental na direção do processo
revolucionário, pertence ao proletariado não por uma definição
metafísica, mas por sua posição no processo concreto de produção da
riqueza no capitalismo. Por sua posição nesse processo, é ele, como já
afirmavam Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, a única classe efetivamente revolucionária, uma vez que somente ela tem uma contradição absolutamente antagônica com o capital.
Não obstante todas as transformações sofridas pelo processo produtivo,
especialmente nas últimas décadas, que resultaram em enormes mudanças na
classe operária, esta continua a ocupar o lugar de antagonista radical
do capital, pois é ela que produz, ao mesmo tempo, a riqueza material, a
mais-valia e o capital. Nem sequer do ponto de vista quantitativo
existem provas de que a classe operária tenha diminuído de modo muito
significativo.
Apesar de estar ausente, hoje, como protagonista ativo e consciente, deste lugar, ele lhe pertence por natureza.
A questão, então, é: por que esse lugar está vazio? Por que a classe
operária está ausente dessa tarefa de conduzir a luta revolucionária
contra o capital?
A resposta a essa pergunta é da máxima importância, pois dela dependerá
a identificação dos entraves que se opõem a que o proletariado volte a
assumir o seu papel de dirigente do processo revolucionário. Todavia, a
resposta a essa questão é muito complexa, pois implicaria examinar o
processo histórico acontecido desde as primeiras lutas operárias a
partir do século XIX. Dada a brevidade deste texto, não poderei mais do
que indicar dois elementos que me parecem fundamentais. Embora
apresentados separadamente, eles não podem ser considerados de modo
isolado, pois fazem parte de um mesmo processo e se determinam
mutuamente.
Em primeiro lugar, as transformações ocorridas no processo produtivo,
com rebatimentos em todas as outras dimensões sociais. Essas
transformações, que resultam sempre das periódicas crises sofridas pelo
capital, levaram a mudanças no interior da própria classe trabalhadora.
Uma dessas mudanças teve relevância especial. Trata-se da divisão que se
estabeleceu entre uma camada de trabalhadores que, durante o período de
desenvolvimento que medeia uma crise e outra do capital, teve acesso a
ganhos mais significativos e, portanto, a um padrão de vida mais
elevado. Essa situação colocou tal parcela da classe trabalhadora em
oposição à maioria da mesma classe que não teve acesso aos mesmos
ganhos. É a famosa “aristocracia operária” de que falava Lenin. Ocupando
os postos na maioria das organizações operárias, essa parcela, mais
interessada em manter e melhorar os seus ganhos do que em fazer a
revolução, imprimiu às lutas da classe operária um caráter fortemente
reformista.
Em segundo lugar, e de modo articulado com a primeira questão, a
mudança da centralidade do trabalho para a centralidade da política.
Para evitar mal-entendidos, esclareço que, por centralidade do
trabalho, entendo, de um lado, o fato de que o trabalho, isto é, a
transformação da natureza para produzir valores de uso, é o fundamento
do mundo social. De outro lado, o fato de que, no modo de produção
capitalista, a classe operária é o sujeito fundamental – embora não
único – da revolução. Por esses dois motivos, uma revolução comunista
implica, necessariamente, uma transformação na forma do trabalho que
elimine o trabalho assalariado e o substitua pelo trabalho associado.
Por sua vez, por centralidade da política, entendo por atribuição ao
Estado, que é o núcleo central do poder político, a tarefa de conduzir o
processo de superação do capitalismo e de construção de uma sociedade
comunista.
Tanto pela via reformista (social-democracia) quanto pela via
revolucionária (de tipo soviético), a tarefa de conduzir a superação do
capitalismo e de construir o comunismo foi atribuída ao Estado. Ambas as
vias, por caminhos diferentes – a primeira pela via da reforma e a
segunda pela via da coexistência pacífica – imprimiram à luta da classe
operária um caráter predominantemente reformista. De um lado, tratava-se
de chegar ao comunismo pela via das conquistas parciais e paulatinas,
sem, portanto, confrontar direta e radicalmente o capital e o Estado. De
outro lado, tratava-se de defender a “pátria do socialismo” – a União
Soviética – na crença de que o capitalismo seria vencido pela atração
que esse socialismo em construção exerceria nos próprios países
capitalistas. Colaboração de classes e não o confronto passou, então, a
ser o tom das lutas da classe operária.
Desse modo, a classe operária foi perdendo o horizonte revolucionário,
deixando de assumir o seu protagonismo como inimiga radical do capital e
pautando as suas lutas apenas por melhorias pontuais, que não
questionavam a ordem social capitalista.
Nenhuma outra classe, nenhuma outra categoria, nenhum outro movimento
social pode ocupar esse lugar que pertence, por natureza, à classe
operária. As lutas de todos os outros segmentos sociais são, sem dúvida,
importantes, mas elas só ganharão um sentido revolucionário na medida
em que estiverem norteadas pela luta da classe operária contra o capital
e contra o seu mais importante sustentáculo, que é o Estado.
Contribuir, hoje, para que a classe operária volte a ocupar o seu lugar
de antagonista radical do capital e lidere o processo revolucionário é
condição necessária para a resolução dos gravíssimos problemas com os
quais se debate a humanidade. Essa é, pois, uma importantíssima tarefa
de todos aqueles que estão comprometidos com um futuro digno para a
humanidade.
O GRANDE AUSENTE, pelo viés do colaborador Ivo Tonet*
*Ivo Tonet é professor de filosofia da Universidade Federal de Alagoas.
Graduado em Letras pela Universidade Federal do Paraná, Mestre em
Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais e Doutor em Educação
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Ivo Tonet
colaborou com este texto exclusivo escrito em abril de 2012.
Fonte: http://www.revistaovies.com/colaboradores/2012/05/o-grande-ausente/
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