OS NÚMEROS
Faz tudo para expandir-se. Fica de pé quando todos estão sentados, bota o casaco, usa o celular, sai da sala, entra na sala, abre a agenda. Ansiedade cortando a razão com navalha fria. Já sentiu isso? Começa a riscar algo em um papel, traços fortes, que fazem barulho. Tudo para esconder a dimensão de seu descontentamento. Uma vontade imensa de fugir de si mesmo. Já sentiu isso?Tentando esconder mostra para as oito pessoas do vagão o que lhe atormenta. Um dia, confundiu a loucura criativa e a solidão sagrada com obsessão por sucesso. Sucesso financeiro. Mas o vagão é ainda um quadrado verde.Desce amargando o corpo. Não existem dores boas.
DOIS ATOS TOLOS
Na piração pelo sucesso e pelo poder a Maria esqueceu quem ela era e perdeu a própria identidade. Virou um zumbi. E aí, não havia mais Arte, nem Gênio, nem Idéia. Mas o pior de tudo: acabou também o prazer de viver, a sensação deliciosa de perceber o vento brincando com os fios do cabelo, a alegria de ir para o curso de artes de manhã cedinho, de tomar uma cerveja no boteco, de beijar o (gostoso-maluco-genial) Murilo.Virou tudo dinheiro, tudo passou a ser contabilizado em moeda: vento no cabelo? Eu deveria estar me esforçando para aprender algo que me traga dinheiro. Ir para o curso de manhã? Só estou indo porque minha conta bancária é uma piada, se eu tivesse dinheiro estaria fazendo algo melhor... eu, tomar cerveja nesse boteco de quinta?? O quêêê....beijar o Murilo, aquele pé rapado que precisa dar aulas de física para manter-se no curso de engenharia?A fonte de prazer virou um lamaçal nos olhos imundos da Mary.
TRÊS PÁSSAROS NA BEIRA DO ABISMO
Um conselho para você: não pira igual à Mary. Ela ficou anos nessa bad trip e perdeu tudo o que ela mais amava na vida sem nem perceber, de tão doida que estava. Depois de um certo tempo ela conseguiu emprego estável e até comprar um carro da moda. Mas havia perdido todos os amigos . Ela perdeu os amigos, as festas, a alegria , a genialidade e a paz. Ela virou uma coisa, como as coisas que ela queria obter para mostrar para as pessoas.No fundo, tudo o que queremos é ser feliz. E cada um tem um jeito diferente de ser feliz.O problema é quando a sociedade te diz que felicidade é ter o carro da moda, a roupa da moda e o sofá da moda... piração. Massificação. Massificação de atitudes, de comportamentos, de sensações.Jogar minha vida na lixeira para manter o sistema funcionando.A minha alma, o combustível do jogo.Uma alma perdida entre tantas demandas por etiquetas coladas ao meu corpoE todas as horas da minha vida que gasto com expressão séria no trabalhoPara garantir esse espetáculo:Um sofá que combina com o tapetee com a cadeira do designer.Isso é pouco para mim.Mas ás vezes parece que é tudo o que eu tenho e tudo o que eu sou.Uma bolsa de couro não pode ser o sentido da vida de ninguém.
* Mary Dangoc
Nenhum comentário:
Postar um comentário