quinta-feira, 11 de novembro de 2010

E agora José?

 
JOSÉ

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
                           José, para onde?  

Carlos Drummond de Andrade

Um comentário:

Carol Bonando disse...

Sen sa ci o nal!!!
Me lembro de ter conhecido este poema no primário... na escolinha com a professora tentando enfiar algo útil nas nossas cabecinhas e eu fiquei tão impressionada, que mostrei pra todo mundo da família! hahaha
Já tinha gosto pelas artes...
Abraço e ótima escolha.

Ao visitante

entre.
leia.
comente.
sugira.
não faça nada.
enfim, sinta-se a vontade.

Compartilhe este conteúdo em sua rede

Postagens populares