Para quem conhece mais a fundo a história da revolução cubana, “Che” vai agradar porque traz uma recriação precisa de vários acontecimentos e diálogos descritos em muitos livros sobre o assunto
Steven Soderbergh é um cineasta que não cansa de surpreender ao buscar novas e diferentes fontes de inspiração para suas obras, ao invés de render-se a fórmulas de sucesso fácil, alternando projetos puramente comerciais, tipo “Erin Brocovich” ou “Onze Homens e Um Segredo”, com outros bem mais arrojados e difíceis, como “Traffic” e “Solaris”.
Não causou surpresa, portanto, o anúncio de que iria dirigir uma biografia de Che Guevara, que estréia nos cinemas brasileiros no dia 20, um dos controversos líderes da revolução cubana que se transformou num verdadeiro ícone e é até hoje odiado pela direita (que o enxerga como a encarnação de Belzebu na Terra) e celebrado pela esquerda (que o considera um dos maiores exemplos de coragem e dedicação na luta contra a opressão das elites).
O filme resultou num “épico” de mais de quatro horas e os realizadores optaram por dividi-lo em duas partes. Acabo de assistir à primeira, intitulada “Che – O Argentino”.
Começo dizendo que se trata de um filme difícil de classificar. Apesar de trazer Che no nome, não se trata de uma tentativa de biografá-lo. Apesar de ele aparecer em quase todas as cenas, o diretor não se preocupa em aprofundar a personalidade de Guevara, optando por uma narrativa não-linear, onde alterna ações da guerrilha na Sierra Maestra com uma viagem de Che aos EUA já como Ministro de Cuba, onde faz pronunciamentos na ONU, dá entrevistas e participa de festas – numa delas ironiza o infame senador McCarthy, agradecendo-o em nome da causa revolucionária pela fracassada tentativa de invadir Cuba pela Baia dos Porcos. A primeira parte termina com a vitória dos guerrilheiros e sua partida para Havana.
Assim, o filme é basicamente episódico, pulando de um evento para outro sem muita preocupação em situar a ação dentro da cronologia ou explicar o que está acontecendo. Mesmo a figura de Che é tratada com reverência e distanciamento, o que é reforçado pela atuação contida e metódica de Benício Del Toro, que literalmente encarna o personagem fisicamente. A opção de Soderbergh em filmar quase toda a parte da guerrilha em planos gerais aumenta ainda mais essa sensação de distanciamento.
Para quem conhece mais a fundo a história da revolução cubana, “Che” vai agradar porque traz uma recriação precisa de vários acontecimentos e diálogos descritos em muitos livros sobre o assunto. Não por acaso, o jornalista estadunidense John Lee Anderson, autor da biografia de Guevara, serviu como consultor especial ao projeto. Anderson é aquele sujeito que humilhou os autores da ridícula “reportagem” sobre Che, publicada em 2008 no panfleto de extrema-direita da editora Abril, a famigerada revista Veja.
Por outro lado, essa aproximação distanciada e nem um pouco didática confundirá a cabeça do espectador comum que, acostumado a se “informar” pela mídia grande, não vai conseguir entender direito o que se passa na tela e, por causa disso, fatalmente perderá o interesse. O que é sempre uma pena.
No final das contas, “Che – O Argentino” acaba sendo excessivamente reflexivo e um pouco frio para um tema tão “caliente”. Não tenta explicar a revolução cubana nem “entrar” na cabeça de Guevara, ficando num meio termo entre um documentário sobre as ações da guerrilha e uma pálida fotografia de um de seus líderes.
É claro que fica difícil avaliar um filme que foi concebido e filmado como um só, mas que assistimos separadamente, em duas partes. Pode ser que todas essas “lacunas” que apontei acima sejam resolvidas na parte dois. Vamos esperar para ver, então...
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