terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O caso Battisti

A decisão do ministro Tarso Genro, que concedeu refúgio político a Cesare Battisti, originou intensa polêmica. As qualificadas razões expostas por Tarso, entretanto, não constituem o centro da discussão aliás, elas sequer são referidas pela maioria dos que passaram a contestá-la. Aqui, como tem sido comum, se pretende desgastar o governo a qualquer custo, especialmente ao custo da reflexão que o caso deveria ensejar. Battisti integrou um grupelho extremista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) ao final dos anos 70 na Itália. Havia sido condenado em um processo criminal por ações atribuídas a este grupo, mas evadiu-se de prisão e refugiou-se na França. Em 1982, Pietro Mutti, um dos líderes do PAC, foi preso e passou à condição de collaboratore di giustizia.Foi ele quem implicou Battisti na autoria de dois homicídios e na co-autoria de outros dois – o que foi sempre negado pelo acusado – recebendo pela delação uma sensível redução de sua pena. Fala-se que a Itália respondeu às ações armadas – especialmente covardes, assinale-se – com o estado democrático de direito, o que é verdadeiro. O que não se fala é que a Itália empregou para tanto leis de exceção que reduziram o espaço de defesa dos acusados. Democracia e exceção, aliás, não são pares excludentes. Basta ver o significado da experiência da prisão de Guantánamo no estado de direito nos EUA.Battisti foi protegido no período Mitterrand por mais de uma década, sem que as autoridades italianas articulassem um só movimento de protesto. Agora convocam seu embaixador e montam um circo bem ao gosto de um governo dirigido por um fanfarrão chamado Berlusconi. Os detratores de Lula, claro, torcem pela Itália. Com notáveis exceções, observa-se entre os críticos da decisão governamental o mais acabado farisaísmo. Nenhum deles criticou no passado a concessão do asilo a um criminoso político do porte de Alfredo Stroessner e quase todos entendem que a lei da anistia no Brasil impede a punição dos assassinos e torturadores da ditadura.Quando Stroessner foi asilado, sustentei que o Brasil deveria recebê-lo. Muitos anos depois, como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, liderei um movimento para que o ditador paraguaio fosse julgado no Brasil com fulcro no art. 7º , inciso I, alínea “a” e inciso II, alínea “d”, do Código Penal. Imaginava que seria importante produzir uma verdade jurídica que o responsabilizasse, ainda que não houvesse mais sentido puni-lo. O mesmo vale para os torturadores no Brasil. Puni-los, a este altura do campeonato, me parece deslocado e obtuso. Inaceitável é a ausência de uma sentença – mesmo cível – que os nomeie como torturadores. Mas a anistia no Brasil surgiu exatamente para que não se soubesse a verdade.Esta verdade jurídica foi produzida na Itália. Não sei se Battisti esteve ou não envolvido com os homicídios a ele imputados. O que sei é que aqueles fatos ocorreram há 30 anos; que as provas são frágeis e que mandar alguém para a cadeia pelo resto de sua vida é uma possibilidade sem semelhança com a ideia de justiça. A decisão do ministro Tarso Genro deveria, por isso mesmo, orgulhar os brasileiros; até mesmo aqueles que torcem pela Itália...

Marcos Rolim é jornalista, ex-deputado estadual e federal

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